Resolução do Parlamento Europeu, de 21 de Outubro de 2010, sobre a situação dos direitos humanos no Norte do Cáucaso (Federação da Rússia) e o processo penal contra Oleg Orlov
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta a sua Resolução, de 17 de Setembro de 2009, sobre o assassinato de defensores dos direitos do Homem na Rússia(1),
– Tendo em conta a concessão do Prémio Sakharov do Parlamento Europeu a Oleg Orlov, Sergei Kovalev e Lyudmila Alexeyeva em representação do Centro de Direitos do Homem «Memorial» e de todos os outros defensores de direitos humanos na Rússia em 16 de Dezembro de 2009,
– Tendo em conta o Acordo de Parceria e Cooperação entre a União Europeia e a Federação da Rússia, que entrou em vigor em 1997 e foi prorrogado até à sua substituição por um novo acordo,
– Tendo em conta as negociações em curso para um novo acordo que estabelecerá um novo quadro global para as relações UE-Rússia,
– Tendo em conta a Convenção para a Protecção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, a Declaração das Nações Unidas sobre os Defensores de Direitos Humanos e a Declaração das Nações Unidas sobre o Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos ou Órgãos da Sociedade de Promover e Proteger os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais,
– Tendo em conta n.º 5 do artigo 122.º do seu Regimento,
A. Considerando que, como membro do Conselho da Europa e da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) e Estado signatário das Declarações da ONU, a Rússia se comprometeu com a protecção e promoção dos direitos humanos, as liberdades fundamentais e o Estado de Direito,
B. Considerando que há cerca de 20.000 processos pendentes no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem procedentes da Federação da Rússia, principalmente da região do Cáucaso do Norte; considerando que, em mais de 150 sentenças, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem condenou a Federação da Rússia por graves violações dos direitos humanos na região, e sublinhando a importância da aplicação imediata e completa dessas sentenças,
Situação dos direitos humanos no Cáucaso do Norte
C. Considerando que é alarmante a situação dos defensores dos direitos humanos na região do Cáucaso do Norte, particularmente na República Chechena, na Inguchétia e no Daguestão; considerando que jornalistas independentes, activistas da sociedade civil, advogados e defensores dos direitos humanos da região têm sido frequentemente vítimas de ameaças e actos de violência, assédio e intimidação e viram as suas actividades limitadas ou restringidas por membros de organismos responsáveis pela aplicação da lei; considerando que continua a haver impunidade para as violações dos direitos humanos e a ausência do primado do direito; considerando que a população civil continua sujeita à violência tanto de grupos de oposição armados como das forças da ordem; considerando que a tortura e os maus-tratos, bem como as detenções arbitrárias são generalizados, e sublinhando a importância das ONG, que são independentes dos governos nacionais, para o desenvolvimento da sociedade civil,
D. Considerando que há um clima generalizado de medo na Chechénia apesar dos êxitos incontestáveis a nível da reconstrução e da patente melhoria das infra-estruturas da região; considerando que a situação dos direitos humanos e o funcionamento da justiça e das instituições democráticas continuam a dar motivos para séria preocupação,
E. Considerando que os desaparecimentos sucessivos dos opositores ao governo e dos defensores dos direitos humanos continuam em grande medida impunes e ainda não são investigados com a devida diligência,
F. Considerando que, apesar do diálogo construtivo estabelecido entre as autoridades e a sociedade civil na Inguchétia desde a chegada ao poder do novo Presidente, houve um preocupante ressurgimento da violência desde 2009, resultando em alguns casos em homicídios e desaparecimentos de opositores ao governo e de jornalistas, sem que até agora tenha sido processada qualquer pessoa,
G. Considerando que há um número crescente de residentes das Repúblicas do Cáucaso do Norte que estão desaparecidos e aparentemente sequestrados em outras regiões russas, considerando que Ali Dzhaniev, Yusup Dobriev, Yunus Dobriev e Magomed Adzhiev continuam em paradeiro desconhecido desde a meia-noite de 28 de Dezembro de 2009 em São Petersburgo, considerando que cinco pessoas (Zelimkhan Akhmetovich Chibiev, Magomed Khaybulaevich Israpilov, Dzhamal Ziyanidovich Magomedov, Akil Dzhavatkhanovich Abdullaev e Dovar Nazimovich Asadov), três das quais são residentes no Cáucaso do Norte, estão desaparecidos desde a noite de 24/25 de Setembro de 2010, quando foram à Mesquita Histórica em Moscovo,
H. Considerando que há ainda cerca de 80.000 pessoas deslocadas internamente no Cáucaso do Norte, mais de 18 anos depois de terem sido forçadas a abandonar as suas casas devido às guerras que eclodiram sucessivamente entre a Inguchétia e a Ossétia do Norte em 1992 e na Chechénia em 1994 e 1999; considerando que essas pessoas têm dificuldades de alojamento, de prolongamento da sua autorização de residência, o que limita o seu acesso aos serviços sociais, à renovação dos passaportes internos e do estatuto de «migrante forçado», de que precisam para ter acesso a empregos, a serviços e às prestações sociais,
I. Considerando que, em 3 de Setembro de 2010, o Presidente Buzek expressou a sua solidariedade profunda para com as famílias das vítimas da tragédia de Beslan e exortou o Presidente da Federação da Rússia a assegurar que os direitos das famílias das vítimas da tragédia serão respeitados plenamente e que a verdade por trás dos acontecimentos de Setembro de 2004 será finalmente apurada,
J. Considerando que não pode haver justificação alguma para o recurso a actos de violência indiscriminada contra a população civil,
K. Toma nota da iniciativa da sociedade civil russa e internacional de estabelecer um «Centro de Documentação Natalia Estemirova» para crimes de guerra potenciais e outras violações graves dos direitos humanos cometidas durante as guerras na Chechénia,
Investigação criminal contra Oleg Orlov
L. Considerando que o trabalho das organizações de direitos humanos, como o «Memorial», é essencial para a instituição de uma sociedade estável e livre na Rússia e, em particular, para o estabelecimento de uma estabilidade real e duradoura no Cáucaso do Norte; considerando que o governo russo e os governos das Repúblicas do Cáucaso do Norte podem por conseguinte estar orgulhosos do papel importante desempenhado por essas organizações,
M. Considerando que Natalia Estemirova, Directora da organização «Memorial» na Chechénia, foi raptada em 15 de Julho de 2009, em Grozny, e encontrada morta na vizinha Inguchétia; considerando que a investigação do seu assassinato não fez quaisquer progressos na busca dos assassinos e seus mandantes,
N. Considerando que, em 21 de Janeiro de 2010, Oleg Orlov e o Centro de Direitos Humanos «Memorial» foram condenados pelo Tribunal Civil da Cidade de Moscovo a pagar indemnizações por danos ao Sr. Kadyrov,
O. Considerando que, em 9 de Fevereiro de 2010, Ramzan Kadyrov anunciou publicamente que retiraria as acções por difamação que intentou contra Oleg Orlov, presidente do conselho de administração do Centro de Direitos Humanos «Memorial», e Ludmila Alexeyeva, presidente do Grupo de Helsínquia em Moscovo,
P. Considerando que, em 6 de Julho de 2010, Orlov foi acusado nos termos do artigo 129.° do Código Penal, o que poderia acarretar uma pena de três anos de cadeia se considerado culpado,
Q. Considerando que o Código de Processo Penal da Federação da Rússia (nomeadamente o seu artigo 72.°) foi gravemente violado na investigação criminal conduzida contra o Sr. Orlov,
R. Considerando que os escritórios de diversas lídimas organizações de direitos humanas, entre elas o «Memorial», foram alvo de rusgas entre 13 e 16 de Setembro de 2010, sendo-lhes exigidos muitos documentos sobre as suas actividades num prazo muito curto,
1. Condena todos os actos de terrorismo e sublinha que não pode haver justificação alguma para o recurso a actos de violência indiscriminada contra a população civil; expressa a sua compaixão e solidariedade para com os amigos e familiares de todas as vítimas de violência, incluindo as vítimas do recente bombardeamento no metro de Moscovo e o recente ataque contra o parlamento checheno, assim como as vítimas dos inúmeros ataques perpetrados continuamente contra a população das repúblicas do Cáucaso;
2. Expressa a sua mais profunda preocupação pelo ressurgimento da violência e de actos de terrorismo no Cáucaso do Norte; apela, por um lado, ao fim de terrorismo e, por outro lado, convida as autoridades russas a pôr fim ao clima generalizado de impunidade para as violações de direitos humanos e a ausência do Estado de Direito na região;
3. Reconhece o direito da Rússia a combater o verdadeiro terrorismo e a sublevação armada no Cáucaso do Norte, mas solicita às autoridades que, ao fazê-lo, respeitem ao mesmo tempo o direito humanitário internacional; chama a atenção para o facto de que abusos contínuos e métodos ilegais de contra guerrilha alienarão ainda mais a população e, em vez de trazer estabilidade, provocarão uma escalada de violência na região;
4. Insta as autoridades russas a fazer tudo o que estiver ao seu alcance para assegurar a protecção dos defensores dos direitos humanos, em conformidade com a Declaração das Nações Unidas sobre o Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos ou Órgãos da Sociedade de Promover e Proteger os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais;
5. Salienta que a impunidade continuada na Chechénia contribui para a desestabilização em toda a região do Norte do Cáucaso;
6. Condena fortemente qualquer forma de punição colectiva contra indivíduos suspeitos de ter ligações com rebeldes, incluindo a prática do incêndio de casas que pertencem às famílias dos membros activos ou presumíveis da oposição armada; pergunta às autoridades que tomem medidas concretas para impedir a repetição de violações semelhantes e punir os funcionários responsáveis por eles a todos os níveis;
7. Insta a Rússia a oferecer acesso sem impedimento ao Cáucaso do Norte às organizações de direitos humanos internacionais, aos meios de comunicação e às instituições governamentais internacionais, como o Conselho da Europa, o CICV, a OSCE e a ONU; além disso apela, em especial, às autoridades competentes para criarem condições que permitam à organização «Memorial» e outras organizações de direitos humanos retomar as suas actividades na Chechénia num ambiente seguro;
8. Expressa a sua séria preocupação com o número crescente de desaparecidos entre os residentes das repúblicas do Cáucaso do Norte que foram aparentemente sequestrados noutras regiões russas e espera que o Ministério Público da Federação da Rússia possa esclarecer e informar sobre o paradeiro destes cidadãos;
9. Exorta as autoridades federais russas a assegurar que soluções duradouras para pessoas deslocadas no interior do país (deslocados internos) serão levadas à prática, solicita mais acções do governo nacional para apoiar as operações do ACNUR em matéria de programas de alojamento para os deslocados internos e para tomar medidas no sentido de facilitar o acesso dos deslocados internos aos serviços e prestações sociais; sublinha que é necessária a monitorização contínua da situação dos deslocados internos para assegurar que os seus direitos não mais serão violados; insta o governo russo a reconhecer juridicamente o conceito de deslocados internos e a adaptar a sua legislação em conformidade;
10. Convida as autoridades federais russas a investigarem rápida, completa e eficazmente o assassinato de Natalia Estemirova e a levar perante a justiça os responsáveis e os implicados neste assassinato brutal;
11. Rejeita e condena as tentativas cínicas e absurdas de implicar o «Memorial» na ajuda a organizações terroristas;
12. Condena a abertura de um inquérito criminal contra Oleg Orlov e convida as autoridades responsáveis a reconsiderarem a abertura do processo penal; recorda que declarações como as de Oleg Orlov são legítimas numa democracia e não devem ser sujeitas a sanções nem a nível do direito civil nem do direito penal;
13. Convida as autoridades russas - se o processo prosseguir - a assegurar que não haverá mais nenhuma violação da lei no procedimento de investigação e julgamento de Oleg Orlov e a respeitar, em todas as circunstâncias, a Declaração das Nações Unidas sobre os Defensores de Direitos Humanos, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, bem como os instrumentos internacionais e regionais em matéria de direitos humanos ratificados pela Federação da Rússia;
14. Recorda que Oleg Orlov recebeu o Prémio Sakharov 2009 do Parlamento Europeu pelo que está sob a protecção moral e política especial do Parlamento Europeu; insta o governo russo a autorizar, sem qualquer obstáculo, Oleg Orlov a comparecer na cerimónia de concessão do Prémio Sakharov 2010 em Estrasburgo;
15. Expressa a sua rejeição das rusgas intimidatórias às organizações de direitos humanos e espera um esclarecimento sobre a legalidade e os objectivos destes actos;
16. Lamenta que as contínuas violações dos direitos humanos tenham um impacto muito negativo na imagem e na credibilidade da Rússia no mundo e ensombrem as importantes relações entre a União Europeia e Federação da Rússia, que deveriam evoluir para uma parceria estratégica dada a dependência mútua e os vários interesses partilhados, em especial no que se refere a questões de cooperação política, de segurança, económica e energética, mas também no que se refere ao respeito dos princípios e procedimentos democráticos e dos direitos humanos fundamentais,
17. Apoia fortemente as recomendações de resolução da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, sobre recursos judiciais para violações de direitos humanos no Cáucaso do Norte, de 22 de Junho de 2010, que poderiam contribuir grandemente para pôr fim à impunidade gozada pelos autores das violações dos direitos humanos e para a restauração da confiança dos cidadãos nas forças da ordem;
18. Convida as autoridades russas a cumprir todas as decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e a aplicar medidas para reparar as violações em casos individuais, incluindo a garantia de investigações eficazes e a responsabilização dos seus autores, bem como a adoptar medidas gerais de execução das decisões, que implicam mudanças políticas e legais para evitar a repetição de violações semelhantes;
19. Recomenda que as autoridades estatais de nível federal, regional e local iniciem um diálogo construtivo com os activistas da sociedade civil para permitir o desenvolvimento de estruturas democráticas actuantes;
20. Apela a um reforço das consultas UE-Rússia sobre direitos humanos e à abertura deste processo a uma participação efectiva do Parlamento Europeu, da Duma de Estado, das autoridades judiciais e da sociedade civil russas e das organizações de direitos humanos; convida a Rússia a respeitar plenamente as suas obrigações como membro da OSCE e do Conselho da Europa;
21. Chama em especial a atenção para a situação de milhares de refugiados do Cáucaso do Norte que residem nos Estados-Membros da UE, sobretudo no que se refere à diáspora da Chechénia que vive na Áustria e conta pelo menos 20.000 pessoas, incluindo muitos menores; expressa viva preocupação neste contexto pelo assassinato de um refugiado checheno, em Maio de 2010, em Viena, com alegações sérias da implicação do Presidente checheno neste crime; solicita veementemente uma política mais coordenada, coerente e visível dos Estados-Membros da UE para proteger os refugiados do Cáucaso do Norte em solo europeu, em conformidade com as suas obrigações de direitos humanos e humanitárias;
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22. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, aos Governos e Parlamentos dos Estados-Membros, ao Governo e ao Parlamento da Federação da Rússia, à OSCE e ao Conselho da Europa.