Resolução do Parlamento Europeu, de 25 de Novembro de 2010, sobre o 26.º Relatório Anual sobre o Controlo da Aplicação do Direito da União Europeia (2008) (2010/2076(INI))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta o relatório da Comissão intitulado «Relatório de Avaliação da Iniciativa EU Pilot» (COM (2010)0070),
– Tendo em conta o 25.° Relatório Anual da Comissão sobre o Controlo da Aplicação do Direito Comunitário (2007) (COM(2008)0777),
– Tendo em conta os documentos de trabalho da Comissão (SEC(2009)1683, SEC(2009)1684, SEC(2009)1685 e SEC(2010)0182),
– Tendo em conta a Comunicação da Comissão, de 5 de Setembro de 2007, intitulada «Uma Europa de Resultados – aplicação do direito comunitário» (COM(2007)0502),
– Tendo em conta a Comunicação da Comissão, de 20 de Março de 2002, relativa às relações com o autor da denúncia em matéria de infracções ao direito comunitário (COM(2002)0141),
– Tendo em conta a sua resolução de 21 de Fevereiro de 2008 sobre o 23.° Relatório Anual da Comissão sobre o Controlo da Aplicação do Direito Comunitário (2005)(1),
– Tendo em conta a sua resolução de 9 de Julho de 2008 sobre o papel do juiz nacional no sistema jurisdicional europeu(2),
– Tendo em conta o n.° 1 do artigo 119.° do seu Regimento,
– Tendo em conta o relatório da Comissão dos Assuntos Jurídicos e dos pareceres da Comissão do Mercado Interno e da Protecção dos Consumidores e da Comissão das Petições (A7-0291/2010),
1. Lamenta que a Comissão não tenha respondido às questões suscitadas pelo Parlamento nas suas anteriores resoluções, nomeadamente na supracitada resolução de 21 de Fevereiro de 2008; toma nota da ausência de melhorias no que respeita à transparência, especialmente no que se refere ao Projecto EU Pilot e à questão dos recursos humanos;
2. Regista que, através do Projecto EU Pilot, a Comissão visa «o reforço do empenhamento, da cooperação e da parceria entre os seus serviços e os Estados-Membros»(3) e está a ponderar, em estreita cooperação com as administrações nacionais, como tratar da aplicação do direito da União Europeia; considera que esta iniciativa responde à nova necessidade de cooperação entre todas as instituições da União Europeia, no interesse de uma União com um bom funcionamento e centrada nos cidadãos, na sequência da adopção do Tratado de Lisboa;
3. Regista que, por um lado, se faz uma caracterização dos cidadãos como tendo um papel essencial para assegurar no terreno o respeito do direito da UE(4), enquanto por outro lado – no EU Pilot – os cidadãos são ainda mais excluídos de qualquer procedimento subsequente; considera que tal não está de acordo com as declarações solenes dos Tratados no sentido de que «as decisões serão tomadas de uma forma tão aberta quanto possível e ao nível mais próximo possível dos cidadãos» (Artigo 1.º TUE), que «a actuação das instituições, órgãos e organismos da União pauta-se pelo maior respeito possível do princípio da abertura» (Artigo 15.° TFUE) e que «em todas as suas actividades, a União respeita o princípio da igualdade dos seus cidadãos, que beneficiam de igual atenção por parte das suas instituições» (Artigo 9.° TUE);
4. Regista que, com vista a tornar o EU Pilot operacional, a Comissão criou uma «base de dados confidencial em linha»(5) para a comunicação entre os serviços da Comissão e as autoridades dos Estados Membros; solicita à Comissão que conceda ao Parlamento um acesso significativo a essa base de dados, com vista a permitir que este desempenhe o seu papel de controlo em relação ao cumprimento pela Comissão do seu papel como guardiã dos Tratados;
5. Salienta que o papel activo dos cidadãos da União Europeia está claramente estabelecido no Tratado da União Europeia, nomeadamente com referência à Iniciativa Europeia de Cidadãos; considera que a possibilidade de os cidadãos determinarem a agenda legislativa também está directamente relacionada com o papel essencial que actualmente lhes é atribuído para garantir a correcta aplicação e observância do direito da União, bem como a transparência e a fiabilidade dos procedimentos conexos;
6. Regista que o resumo que a Comissão faz do controlo da aplicação do direito comunitário coloca mais ênfase na transposição do que na aplicação propriamente dita; solicita à Comissão que reconheça devidamente o papel das petições no controlo da aplicação real do direito comunitário; considera que as petições são, muito frequentemente, os primeiros indícios de que, para além de transposição, os EstadosMembros estão a postergar a implementação de medidas jurídicas;
7. É de parecer que, na sua forma actual, os relatórios anuais da Comissão «sobre o controlo da aplicação do direito da União Europeia» não dão aos cidadãos nem às outras instituições informações suficientes acerca do verdadeiro estado da aplicação do direito da UE, uma vez que a Comissão só faz referência aos processos formais que tiveram início contra Estados-Membros que não transpuseram o direito da UE para os seus sistemas jurídicos nacionais; considera, todavia, que seria do interesse dos cidadãos e do Parlamento receber informações quando a Comissão der início a processos por infracção pela transposição incorrecta ou má do direito da UE, com pormenores dessas infracções também fornecidos;
8. Deseja assegurar que a Comissão continue a apresentar dados pormenorizados sobre todos os tipos de infracção e que a totalidade desses dados seja livremente disponibilizada ao Parlamento, com vista a permitir que este desempenhe o seu papel de controlo em relação ao cumprimento pela Comissão do seu papel como guardiã dos Tratados; salienta que a compilação e a classificação desses dados devem ser coerentes com os anteriores relatórios anuais, a fim de ajudar o Parlamento a realizar avaliações pertinentes dos progressos efectuados pela Comissão, quer a infracção tenha sido tratada através do EU Pilot ou do processo por infracção original;
9. Regista que os atrasos na correcta aplicação e transposição do direito da União Europeia afectam directamente o quotidiano dos cidadãos e empresas, bem como o gozo dos seus direitos, gerando incerteza jurídica e impedindo-os de beneficiarem plenamente do mercado interno; chama a atenção para os custos elevados decorrentes do incumprimento e da não aplicação do direito da UE e para a consequente falta de confiança nas instituições europeias;
10. Deplora o facto de alguns Estados-Membros subestimarem o valor da aplicação correcta e tempestiva do direito da UE; insta-os a darem a prioridade adequada à transposição e à aplicação, a fim de evitar demoras;
11. Apela à Comissão para que proponha um «código de processo» sob a forma de regulamento, ao abrigo da nova base jurídica do Artigo 298.° TFUE, definindo os diversos aspectos dos processos por infracção, incluindo notificações, prazos, direito a ser ouvido, obrigação de fundamentar, etc., a fim de dar aplicação aos direitos dos cidadãos e à transparência; recorda à Comissão que a sua Comunicação de 2002 representa um importante ponto de referência para a elaboração desse «código de processo»;
12. Recorda que a Comissão dos Assuntos Jurídicos criou recentemente um grupo de trabalho sobre o direito administrativo da UE, com o objectivo de analisar se é possível uma codificação do direito administrativo da UE e o que tal projecto implicaria na prática; considera que as conclusões desse grupo de trabalho deverão ser tidas em conta quando for discutido um código administrativo europeu;
13. Relembra que a Comissão dos Assuntos Jurídicos adoptou recentemente, por unanimidade, uma carta apoiando a posição de um peticionário que defendia um procedimento administrativo normalizado para a supervisão e aplicação do direito da UE, o qual, respeitando o poder discricionário da Comissão sobre quando e contra quem dar início a processos, restringisse esse poder discricionário aos limites da prática de uma boa administração(6);
14. Relembra que a Comissão tem um papel primordial enquanto guardiã dos Tratados para assegurar a aplicação correcta e tempestiva do direito da União Europeia pelos Estados-Membros; encoraja a Comissão a fazer uso de todas as competências que lhe são atribuídas pelos Tratados, nomeadamente as novas disposições do artigo 260.º TFUE sobre o incumprimento pelos Estados-Membros da obrigação de comunicar as medidas de transposição de directivas;
15. Relembra a sua resolução de 9 de Fevereiro de 2010 sobre um Acordo-Quadro revisto entre o Parlamento Europeu e a Comissão(7), na qual afirma que «a Comissão deverá pôr à disposição do Parlamento informações sucintas sobre todos os processos por infracção a partir da carta de notificação formal, inclusivamente, se tal for solicitado pelo Parlamento, (…) sobre as questões que são alvo do processo por infracção»(8);
16. Entende que os cidadãos da UE deveriam esperar o mesmo nível de transparência da Comissão, quer apresentem uma queixa formal, quer exerçam o seu direito de petição nos termos do Tratado; solicita, assim, que à sua Comissão das Petições sejam fornecidas informações claras sobre as fases em que se encontram os processos por infracção igualmente objecto de uma petição em aberto; solicita ainda à Comissão que esclareça os circuitos para dar seguimento aos inquéritos e queixas destinados à Comissão das Petições e ao público em geral;
17. Subscreve as medidas planeadas pela Comissão para 2009 e posteriormente, a fim de assegurar a observância, pelos EstadosMembros, da legislação europeia, e pede para ser associado aos processos por infracção nos casos em que as petições se encontram pendentes, como acontece com o caso da Campânia sobre a legislação relativa aos resíduos, e da Espanha, no que toca à legislação referente à gestão da água;
18. Solicita à Comissão que forneça ao Parlamento dados relevantes que permitam efectuar uma análise do valor acrescentado que o EU Pilot traz ao actual processo de gestão dos casos de infracção, e que justificaria eventualmente alargar mais o projecto; considera que estes dados deveriam, por exemplo, permitir ao Parlamento verificar se as dez semanas concedidas a um Estado-Membro para encontrar uma solução para determinado caso concreto não atrasaram mais o início de um processo por infracção, cuja duração é já extremamente elevada e indeterminada;
19. Regista com particular interesse o compromisso assumido pela Comissão no sentido de apresentar sistematicamente uma avaliação da resposta à queixa transmitida por um Estado-Membro; insta a Comissão a apresentar essa avaliação com a máxima atenção e após pronta análise do dossiê; solicita uma clarificação do papel do autor da denúncia no processo de avaliação;
20. Solicita à Comissão que atribua recursos suficientes para poder controlar inteiramente a implementação do direito da UE, dar início a casos por iniciativa própria e desenvolver prioridades para acções mais vigorosas e sistemáticas; apela à Comissão para que forneça ao Parlamento, como lhe foi repetidamente solicitado, dados claros e exaustivos sobre os recursos afectados ao tratamento de casos de infracção nas diversas direcções-gerais e sobre os recursos afectados ao projecto EU Pilot; relembra à Comissão que o Parlamento se comprometeu a apoiá-la, através do reforço das dotações orçamentais, para aumentar os recursos;
21. Solicita à Comissão que considere mecanismos inovadores, como o procedimento de avaliação mútua previsto na Directiva «Serviços», a fim de garantir uma aplicação mais eficaz do direito da UE;
22. Acolhe com agrado o emergente «balcão único» para os cidadãos que procuram conselhos, soluções ou pretendem apresentar queixas através de «Os seus direitos na UE»(9); entende que, com o aditamento da fortemente publicitada iniciativa de cidadãos (n.º 4 do artigo 11.º TUE) à lista dos instrumentos ao serviço da participação dos cidadãos, a necessidade de explicações e orientação aumentou exponencialmente; manifesta o desejo de ser associado ao desenvolvimento desse sítio Web, a fim de assegurar a coerência com os seus próprios projectos para dar melhor orientação aos cidadãos;
23. Relembra o compromisso do Conselho no sentido de encorajar os Estados-Membros a elaborarem e publicarem quadros ilustrativos da correlação entre as directivas e as medidas nacionais de transposição; salienta que esses quadros são essenciais para que a Comissão possa controlar efectivamente as medidas de implementação em todos os Estados-Membros;
24. Apela ao reforço do papel do Parlamento nos domínios da aplicação, execução e controlo das regras do mercado único; apoia a ideia de um Fórum do Mercado Único anual;
25. Salienta o papel fundamental do Painel de Avaliação do Mercado Interno e do Painel de Avaliação dos Mercados de Consumo no contexto da utilização mais eficaz dos instrumentos de controlo e de avaliação comparativa, que constituem um importante mecanismo disciplinar indirecto; apela à Comissão e aos Estados-Membros para que prevejam recursos financeiros e humanos adequados, a fim de assegurar que o Painel de Avaliação dos Mercados de Consumo possa ser desenvolvido;
26. Regista que os tribunais nacionais desempenham um papel decisivo na aplicação do direito da União Europeia e apoia inteiramente os esforços da UE para melhorar e coordenar a formação judicial para os magistrados nacionais, os profissionais do direito e os funcionários públicos nas administrações nacionais;
27. Considera que, quando a Comissão inicia um processo por infracção contra um Estado-Membro, deve igualmente emitir uma comunicação declarando que o acto que infringiu o direito da UE pode ser contestado, pelos cidadãos afectados do respectivo Estado-Membro, junto dos tribunais nacionais;
28. Recorda a sua resolução de 17 de Junho de 2010 sobre formação judiciária em matéria civil e comercial; considera de importância fundamental que a formação judicial seja igualmente reforçada no contexto do plano de acção que aplica o Programa de Estocolmo;
29. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, ao Tribunal de Justiça, ao Provedor de Justiça Europeu e aos parlamentos dos Estados-Membros.
Comunicação de 2002 da Comissão, p. 5: «a Comissão reconheceu já, em diversas ocasiões, o papel essencial do autor da denúncia na detecção de infracções ao direito comunitário».
'O poder discricionário pode ser um mal necessário na moderna governação; mas um poder discricionário absoluto associado a uma falta absoluta de transparência é radicalmente contrário ao Estado de direito«, como se afirma no Relatório Frassoni (2005/2150(INI)) sobre o 21° e o 22° Relatórios Anuais da Comissão sobre o controlo da aplicação do direito comunitário (2003 e 2004), p. 17 da exposição de motivos.