Recomendação do Parlamento Europeu, de 20 de Janeiro de 2011, ao Conselho, referente às negociações sobre o acordo-quadro entre a UE e a Líbia (2010/2268(INI))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta a proposta de recomendação ao Conselho apresentada por Ana Gomes, em nome do Grupo S&D, referente às negociações em curso sobre o acordo-quadro entre a UE e a Líbia (B7-0615/2010),
- Tendo em conta as conclusões do Conselho «Assuntos Gerais e Relações Externas» de 15 de Outubro de 2007 sobre a abertura de negociações para um acordo-quadro entre a UE e a Líbia, bem como as conclusões do Conselho Europeu de 18-19 de Junho e 29-30 de Outubro de 2009 sobre as políticas relacionadas com a migração,
- Tendo em conta o Memorando de Entendimento conjuntamente assinado pelo comissário Ferrero-Waldner e por El Obeidi, Secretário de Estado dos Assuntos Europeus da Líbia, em 23 de Julho de 2007,
- Tendo em conta as negociações em curso entre a UE e a Líbia com vista à conclusão de um acordo-quadro,
- Tendo em conta o Plano de acção no domínio do combate ao VIH para Benghazi, lançado em Novembro de 2004,
- Tendo em conta a actual cooperação prática UE-Líbia no domínio da migração e a agenda de cooperação em matéria de cooperação assinada pela Comissão e pela Líbia em 4 de Outubro de 2010,
- Tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de Dezembro de 1948,
- Tendo em conta a Convenção de Genebra, de 28 de Julho de 1951, e o Protocolo de 31 de Janeiro de 1967 relativo ao Estatuto dos Refugiados,
- Tendo em conta diversos instrumentos em matéria de direitos humanos de que a Líbia é signatária, como o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (1970), o Pacto Internacional dos Direitos Económicos, Sociais e Culturais (1970), a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial (1968), a Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher (1989), a Convenção contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes (1989), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1993) e a Convenção Internacional sobre a Protecção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Membros de suas Famílias (2004),
- Tendo em conta a Resolução 62/149 da Assembleia-Geral das Nações Unidas, de 18 de Dezembro de 2007, que apela para uma moratória relativamente à aplicação da pena de morte e a Resolução 63/168 da Assembleia-Geral das Nações Unidas, de 18 de Dezembro de 2008, que apela para a aplicação da Resolução 62/149 (2007) da Assembleia-Geral das Nações Unidas,
- Tendo em conta a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e o seu protocolo relativo à criação de um Tribunal Africano dos Direitos do Homem e dos Povos, ratificados pela Líbia, respectivamente, em 26 de Março de 1987 e 19 de Novembro de 2003,
- Tendo em conta a Convenção da União Africana, de Setembro de 1969, que rege os aspectos específicos dos problemas dos refugiados em África e na qual a Líbia participa desde 17 de Julho de 1981,
- Tendo em conta a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,
- Tendo em conta as suas resoluções de 18 de Janeiro de 2007 sobre a condenação à morte do pessoal médico na Líbia(1), e de 17 de Junho de 2010 sobre as execuções na Líbia(2),
- Tendo em conta o nº 3 do artigo 121.º e o artigo 97.º do seu Regimento,
- Tendo em conta o relatório da Comissão dos Assuntos Externos (A7-0368/2010),
A. Considerando que, apesar da persistência do regime ditatorial e das sistemáticas violações das convenções internacionais em matéria de direitos e liberdades fundamentais, a Líbia tem vindo a alargar as suas relações comerciais e políticas com os EstadosMembros da UE, desempenhando o papel de parceiro da UE na região mediterrânica e em África em múltiplos domínios com impacto na segurança e na estabilidade, nomeadamente a migração, a saúde pública, o desenvolvimento, as relações comerciais e económicas, as alterações climáticas, a energia e o património cultural,
B. Considerando que diversos EstadosMembros da UE têm relações estreitas com a Líbia, no âmbito das quais empresas e bancos nacionais funcionam como veículos do investimento financeiro líbio na Europa, e que, em 30 de Agosto de 2008, a Itália assinou com a Líbia um Tratado de Amizade que regula as respectivas relações em diversos campos, incluindo o da cooperação na gestão das migrações e o das reparações financeiras pela guerra e pelo domínio coloniais; considerando que o Parlamento italiano solicitou ao Governo do seu país, em 9 de Novembro de 2010, que revisse o Tratado citado;
C. Considerando que o acordo-quadro actualmente em negociação abrange um vasto leque de temáticas, que vão do reforço do diálogo político à gestão das migrações, passando pelo desenvolvimento das relações comerciais e económicas, a segurança energética e a melhoria da cooperação em vários sectores; considerando que o acordo-quadro poderá ser uma oportunidade para reforçar o diálogo político entre a Líbia e a UE,
D. Considerando que o respeito dos direitos humanos, da democracia e do Estado de direito, bem como a oposição à pena de morte, são princípios fundamentais da UE; considerando que o Parlamento está fortemente empenhado na luta pela abolição universal da pena de morte e tem apelado reiteradamente à revogação das condenações à morte e à libertação das cinco enfermeiras búlgaras e do médico palestiniano, que se encontram presos na Líbia há vários anos, além de ter condenado as execuções de cidadãos nacionais e estrangeiros que têm ocorrido neste país,
E. Considerando que a Líbia ratificou a Convenção da União Africana que rege os aspectos específicos dos problemas dos refugiados em África, cujo artigo 8.º sublinha que esta convenção é um complemento eficaz em África da Convenção da ONU de 1951 sobre os Refugiados e que os seus membros devem cooperar com o ACNUR; considerando, contudo, que a Líbia não ratificou a Convenção da ONU de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados, única convenção internacional que contém uma definição abrangente de refugiados, que deverá ser acompanhada de medidas de protecção vinculativas e de um mecanismo específico de controlo pelo Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados,
F. Considerando que existem provas concludentes de prática pela Líbia de actos de discriminação generalizada contra trabalhadores migrantes com base na sua nacionalidade ou etnia, especialmente de perseguição racial de trabalhadores migrantes africanos, e considerando que o Parlamento Europeu está profundamente preocupado com as notícias que referem actos de violência sexual contra mulheres,
G. Considerando que o n.º 2 do artigo 19.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia proíbe que alguém seja «afastado, expulso ou extraditado para um Estado onde corra sério risco de ser sujeito a pena de morte, a tortura ou a outros tratos ou penas desumanos ou degradantes»,
H. Considerando que a Líbia foi eleita para o Conselho dos Direitos do Homem das Nações Unidas em 13 de Maio de 2010, tendo ratificado diversos instrumentos em matéria de direitos humanos, e considerando que, por conseguinte, a Líbia tem obrigações jurídicas internacionais específicas em matéria de respeito dos direitos humanos, não tendo, porém, até agora conseguido adoptar medidas concretas para melhorar os seus resultados em matéria de direitos humanos e estabelecer uma verdadeira cooperação com os órgãos criados ao abrigo das convenções das Nações Unidas e dos procedimentos especiais; considerando que direitos humanos são indivisíveis e que, apesar de usufruírem de certas regalias económicas e sociais decorrentes da distribuição, por parte do Estado, do rendimento nacional, nem os cidadãos líbios e nem os cidadãos estrangeiros residentes na Líbia gozam da maioria de direitos cívicos e políticos, designadamente, liberdade de expressão, reunião e associação, direito a um julgamento equitativo, direitos laborais, direitos das mulheres e direito a eleições livres, e considerando que os casos de detenção arbitrária, tortura, desaparecimentos forçados e discriminação ocorrem frequentemente, afectando geralmente os imigrantes,
I. Considerando que o exercício do poder do Estado na Líbia não está ancorado no princípio do primado do direito ou da responsabilidade democrática e tem conduzido à adopção de comportamentos arbitrários e imprevisíveis face a cidadãos e interesses estrangeiros, como ocorreu recentemente com homens de negócios suíços e com estrangeiros executados por delitos comuns, cuja identidade não foi divulgada;
1. Dirige, no contexto das negociações em curso sobre o acordo-quadro, as seguintes recomendações ao Conselho:
a)
Regista a recente decisão do Conselho de permitir finalmente a um número limitado de deputados o acesso à leitura do mandato conferido à Comissão para negociar um acordo-quadro entre a UE e a Líbia; lamenta, contudo, o atraso verificado na adopção da presente decisão e faz um apelo no sentido de ser facultado ao PE o acesso aos mandatos de todos os acordos internacionais em fase de negociação, em conformidade com o n.º 10 do artigo 218.º do TFUE, que estipula que Parlamento é imediata e plenamente informado em todas as fases do processo;
b)
Acolhe positivamente a abertura de negociações entre a UE e a Líbia como um passo para desenvolver uma nova relação para a UE na região mediterrânica e na África; considera a cooperação com a Líbia um meio útil para abordar questões como a segurança e a estabilidade, a migração, a saúde pública, o desenvolvimento, o comércio, as alterações climáticas, a energia e a cultura;
c)
Insta o Conselho e a Comissão a recomendarem firmemente à Líbia a ratificação e aplicação da Convenção de Genebra de 1951 relativa ao estatuto dos refugiados e o seu protocolo de 1967, incluindo a plena cooperação com o ACNUR a fim de garantir uma protecção adequada dos migrantes e dos seus direitos, e a adoptarem, consequentemente, legislação em matéria de asilo que reconheça o estatuto e os direitos dos refugiados, nomeadamente a proibição das expulsões colectivas e o princípio da «não repulsão»;
d)
Recorda ao Conselho e à Comissão a sua obrigação de assegurar a plena conformidade da política externa da UE com a Carta dos Direitos Fundamentais, particularmente o seu artigo 19.º, que proíbe as expulsões colectivas e garante o princípio da «não repulsão»;
e)
Insta o Conselho e a Comissão a solicitarem que as autoridades líbias outorguem um memorando de acordo que conceda ao ACNUR autorização para se estabelecer legalmente no país, com um mandato para exercer todas as suas actividades de acesso e protecção;
f)
Insta o Conselho e a Comissão a assegurarem que um Acordo de readmissão com a Líbia só possa ser previsto para imigrantes clandestinos, excluindo, por conseguinte, os que se declaram como requerentes de asilo, refugiados ou pessoas que necessitam de protecção, e reitera que o princípio da «não repulsão» é aplicável a todas as pessoas que se encontram em risco de condenação à pena de morte, de serem sujeitos a tortura ou a tratamentos desumanos;
g)
Convida o Conselho a oferecer reinstalação aos refugiados reconhecidos e identificados pelo ACNUR na Líbia de acordo com a agenda de cooperação em matéria de migração acordada em 4 de Outubro de 2010;
h)
Convida o Conselho e a Comissão a reforçarem o seu apoio às actividades do ACNUR, promovendo junto das autoridades líbias o respeito pelas normas humanitárias internacionais aplicáveis aos migrantes sem documentos presentes no país, incluindo o acesso sistemático do ACNUR aos centros de detenção;
i)
Exorta o Conselho e a Comissão a proporem a prestação de assistência à Líbia, através do ACNUR, da OIM, do CIDPM, e de outras agências especializadas, no plano do combate ao problema do tráfico de seres humanos na região, com especial ênfase na protecção das mulheres e das crianças, incluindo assistência na integração dos migrantes legais, e que vise melhorar as condições dos migrantes encontrados em situação ilegal no país; congratula-se, neste contexto, com o acordo sobre a agenda de cooperação em matéria de migração assinada, em Outubro de 2010, entre os comissários Mälmstrom e Füle e as autoridades líbias;
j)
Insta a Comissão a comunicar ao Parlamento todas as informações pormenorizadas sobre os instrumentos financeiros externos utilizados no âmbito do acordo de parceria UE-Líbia;
k)
Solicita ao Conselho que incentive a Líbia a aceitar uma moratória sobre a pena de morte, em conformidade com as resoluções da Assembleia Geral das Nações Unidas adoptadas em 18 de Dezembro de 2007 e 18 de Dezembro de 2008, na perspectiva da abolição da pena de morte, e a tornar públicos os dados estatísticos relativos a todas as pessoas executadas na Líbia desde 2008 e a divulgar a respectiva identidade e as acusações por que foram condenadas; convida a AR/VP a demonstrar a prioridade política que a UE confere à abolição da pena de morte, suscitando sistematicamente esta questão junto das autoridades líbias;
l)
Exorta o Conselho a insistir na inserção no acordo-quadro de uma cláusula sobre o Tribunal Penal Internacional, que leve a Líbia a ponderar a ratificação do Estatuto de Roma;
m)
Insta o Conselho a propor à Líbia a cooperação em programas destinados a reforçar as sinergias regionais nos domínios do desenvolvimento sustentável e das questões ambientais, como as alterações climáticas, a escassez de água e a desertificação;
(n)
Convida o Conselho e a Comissão a incentivarem, no âmbito das negociações sobre o acordo-quadro, a participação da Líbia na parceria euro-mediterrânica e nos principais projectos e actividades da União para o Mediterrâneo;
o)
Insta o Conselho e a Comissão a respeitarem integralmente as suas obrigações previstas no artigo 218.º do TFUE, informando cabalmente o Parlamento dos objectivos visados pela UE no domínio da «cooperação nuclear» com a Líbia ao abrigo do capítulo «Energia» das negociações do acordo-quadro, incluindo todas as implicações políticas e de segurança;
p)
Saúda as autoridades e os profissionais do sector da saúde líbios pelos notáveis progressos obtidos a nível das suas capacidades médicas e científicas no tratamento do VIH-SIDA, que foram alcançados através do plano de acção Benghazi, executado conjuntamente pela UE e pela Líbia, e apoia o pedido de extensão desta cooperação a outras doenças infecciosas e outros centros de saúde na Líbia; convida os EstadosMembros da UE a estender os cuidados de saúde especializados a doentes líbios, facilitando, nomeadamente, o tratamento temporário em instituições especializadas da Europa;
q)
Considera que o acordo-quadro deve prever acções de assistência ao desenvolvimento da capacidade institucional, como meio de reforçar a sociedade civil, apoiar a modernização, encorajar a introdução de reformas democráticas e a criação de uma comunicação social e de um poder judiciário independentes, e apoiar outros esforços tendentes a abrir espaço às empresas, instituições académicas, ONG e outros actores líbios;
r)
Convida o Conselho e a Comissão a assegurar que os programas destinados ao comércio se focalizem na prestação de apoio efectivo às empresas, particularmente pequenas e médias empresas, a fim de maximizar o seu potencial de exportação;
s)
Convida o Conselho e a Comissão a incentivar a Líbia a respeitar plenamente os compromissos assumidos com a sua adesão ao Conselho dos Direitos do Homem das Nações Unidas (UNHRC) e solicita, por conseguinte, à Líbia que convide regularmente as pessoas designadas no quadro dos procedimentos especiais da ONU, como o Relator Especial das Nações Unidas para as execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, o Relator Especial sobre a tortura, o Relator Especial sobre a liberdade de expressão e o Relator Especial sobre as formas contemporâneas de racismo, discriminação racial, xenofobia e intolerância a eles associadas, bem como o Grupo de Trabalho em matéria de desaparecimentos forçados e o Grupo de Trabalho sobre detenção arbitrária, conforme solicitado na recente Revisão Periódica Universal que incidiu sobre a Líbia; apela, no mesmo espírito, a um acesso livre ao país para uma avaliação independente da situação geral dos direitos humanos;
t)
Apela ao Conselho no sentido de garantir que o processo de concessão de vistos Schengen a cidadãos líbios não sofra atrasos evitáveis, de examinar outros procedimentos de concessão e de persuadir as autoridades líbias a facilitarem a emissão de vistos aos europeus que residem ou desenvolvem actividades profissionais no seu território;
u)
Recomenda a criação de uma delegação da UE em Tripoli, logo que seja possível;
2. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente recomendação ao Conselho e, para conhecimento, à Comissão e aos governos dos EstadosMembros da União Europeia.