Resolução do Parlamento Europeu, de 17 de Novembro de 2011, sobre o Irão – recentes casos de violação dos direitos humanos
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta as suas anteriores resoluções sobre o Irão, nomeadamente, as relativas à questão dos direitos humanos, e, em especial, as de 7 de Setembro de 2010 e 20 de Janeiro de 2011,
– Tendo em conta a Resolução 16/9 do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, que estabelece um mandato de Relator Especial para a situação dos direitos humanos no Irão,
– Tendo em conta as 123 recomendações dos resultados da avaliação universal periódica do Conselho dos Direitos Humanos, de Fevereiro de 2010,
– Tendo em conta a nomeação de Ahmed Shaheed pelo Presidente do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em 17 de Junho de 2011, assim como o relatório provisório, de 23 de Setembro de 2011, sobre a situação dos direitos humanos no Irão, apresentado pelo Relator Especial à 66ª Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas,
– Tendo em conta o relatório do Secretário-Geral das Nações Unidas, de 15 de Setembro de 2011, sobre a situação dos direitos humanos na República Islâmica do Irão, apresentado à 66ª Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas,
– Tendo em conta o relatório do Centro de Documentação sobre os Direitos Humanos no Irão, de 10 de Junho de 2011, sobre a utilização da violação como método de tortura pelas autoridades prisionais iranianas,
– Tendo em conta as declarações da Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, de 15 e 26 de Setembro de 2011, sobre a detenção do advogado defensor dos direitos humanos Nasrin Sotoudeh, assim como de seis realizadores independentes, e de 18 de Outubro de 2011, sobre a condenação do realizador Jafar Panahi e da actriz Marzieh Vafamehr,
– Tendo em conta o reforço das medidas restritivas da UE devido a graves violações dos direitos humanos no Irão, em 10 de Outubro de 2011,
– Tendo em conta as Resoluções 62/149, de 18 de Dezembro de 2007, e 63/168, de 18 de Dezembro de 2008, da Assembleia-Geral das Nações Unidas sobre a aplicação de uma moratória relativa à pena de morte,
– Tendo em conta o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais (PIDESC), a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e a Convenção sobre os Direitos da Criança, dos quais o Irão é parte signatária,
– Tendo em conta a Constituição da República Islâmica do Irão e, nomeadamente, os seus artigos 23.º a 27.º e 32.º a 35.º, que prevêem a liberdade de expressão, de reunião, de associação e de prática da sua religião por cada cidadão, assim como os direitos básicos das pessoas acusadas e detidas,
– Tendo em conta o n.º 5 do artigo 122.º do seu Regimento,
A. Considerando que a actual situação dos direitos humanos no Irão apresenta um padrão persistente de violação sistemática dos direitos fundamentais; considerando que os defensores dos direitos humanos (nomeadamente, de mulheres, crianças e activistas dos direitos das minorias), jornalistas, bloggers, artistas, estudantes, líderes, advogados, sindicalistas e ambientalistas continuam a viver sob alta pressão e ameaça constante de detenção;
B. Considerando que as questões mais urgentes dizem respeito à acumulação de défices em matéria de administração da justiça, práticas equivalentes à tortura, tratamentos cruéis e degradantes dos detidos, incluindo a violação, tratamento desigual das mulheres, perseguição de minorias religiosas e étnicas, e falta de direitos cívicos e políticos, em particular o assédio e a intimidação de defensores dos direitos humanos, advogados e actores da sociedade civil;
C. Considerando que a taxa de execuções no Irão durante o primeiro semestre de 2011 torna este país no maior executor da pena de morte no mundo em relação ao número de habitantes, em contraste com a tendência mundial para a abolição da pena capital;
D. Considerando que, apesar de signatário do PIDCP e de oficialmente proibir a execução de pessoas com menos de 18 anos de idade, segundo vários relatórios, este país executa mais jovens acusados que qualquer outro no mundo;
E. Considerando que, até agora, as autoridades iranianas ainda não cumpriram as obrigações das Nações Unidas e recusaram-se a cooperar com o Relator Especial; considerando que o relatório provisório descreve um «padrão de violação sistémica» e uma campanha «intensificada» de abusos; considerando que os relatórios dão indicações alarmantes da crescente aplicação da pena de morte por crimes de menor importância e sem processo; considerando que o relatório provisório indica que, até agora, em 2011, houve pelo menos 200 execuções secretas na cidade oriental de Mashad, enquanto que, o ano passado, pelo menos 300 pessoas foram executadas em segredo;
F. Considerando que os familiares de iranianos detidos ou em fase de julgamento também são detidos, interrogados e assediados, fora do Irão e no interior da UE; considerando que milhares de iranianos fugiram do seu país e refugiaram-se em países vizinhos;
G. Considerando que os líderes da oposição Mir Hossein Mousavi e Mehdi Karroubi foram ilegalmente colocados em detenção domiciliária e estão arbitrariamente confinados desde 14 de Fevereiro de 2011; considerando que estes líderes, juntamente com as suas esposas, politicamente activas, têm estado periodicamente «desaparecidos à força» em local incerto e privados de todos os contactos com os amigos e a família, numa situação em que incorreram sérios riscos de tortura;
H. Considerando que, em Fevereiro e Março de 2011, foram detidas centenas de pessoas e, pelo menos, três pessoas morreram quando milhares de manifestantes ocuparam as ruas para apoiar movimentos a favor da democracia nos países árabes vizinhos e protestar contra a detenção dos líderes da oposição Mir Hossein Mousavi e Mehdi Karroubi;
I. Considerando que, em Abril, as forças de segurança mataram várias dezenas de protestatários, na sua maioria de origem árabe, e detiveram dezenas mais na Província sul-ocidental de Khuzestan, e considerando que dezenas de pessoas foram detidas desde que os protestos ambientais começaram, na Província do Azerbaijão Ocidental, contra a drenagem do Lago Urmia;
J. Considerando que a pressão sobre as minorias religiosas, muito particularmente os Baha´is, praticantes sunitas convertidos e dissidentes, continua a aumentar; considerando que os Baha´is, apesar de constituírem a maior minoria religiosa não muçulmana, sofrem fortes discriminações, incluindo a recusa de educação, e considerando que o processo judicial contra sete líderes detidos está em curso, enquanto que 100 membros da comunidade continuam detidos; considerando que há informações de que, no primeiro semestre de 2011, foram detidos, pelo menos, 207 cristãos; considerando que os muçulmanos sunitas continuam a confrontar-se com discriminações perante a lei e na prática, e são impedidos de exercer plenamente o seu direito à liberdade de manifestar a sua religião; considerando que está em curso uma campanha apoiada pelo Estado contra os sufis nematullahi (xiitas), denegrindo todas as formas de misticismo como satânicas e perseguindo os praticantes sufis, nomeadamente através do ataque armado em Kavar, em Setembro, que matou uma pessoa e feriu gravemente outras;
K. Considerando que pessoas que se converteram ao islamismo foram detidas, enquanto que o artigo 225.º do projecto de código penal procura tornar a pena de morte obrigatória para pessoas do sexo masculino acusadas de serem apóstatas; considerando que o pastor protestante Yousef Nadarkhani ainda continua sob ameaça de execução por apostasia;
L. Considerando que a Guarda Revolucionária do Irão, os Serviços Secretos e a Milícia Basij estão a desempenhar um papel activo na repressão severa e brutal no Irão;
M. Considerando que membros da comunidade homossexual, bissexual e transgéneros se confrontam com assédios, perseguições, punições cruéis e mesmo a pena de morte; considerando que estas pessoas enfrentam práticas de discriminação com base na sua orientação sexual, inclusivamente no que diz respeito ao acesso ao emprego, à habitação, à educação, aos cuidados de saúde e à exclusão social;
N. Considerando que as sentenças de prisão impostas aos estudantes activistas proeminentes Bahareh Hedayat, Mahdieh Golroo e Majid Tavakoli foram, cada uma delas, aumentadas de seis meses após terem sido acusados de «propaganda contra o regime»; considerando que, em 15 de Setembro de 2011, o activista político e doutorando Somayeh Tohidlou recebeu 50 chicotadas após ter cumprido uma sentença de prisão na Prisão Evin; considerando que a Sra. Tohidlou já cumpriu uma sentença de prisão de 70 dias; considerando que, tanto as sentenças de prisão, como as 50 chicotadas, são punições impostas pela prática do blogging e outras actividades na Internet; considerando que, em 9 de Outubro de 2011, o estudante activista Payman Aref recebeu 74 chicotadas antes da sua libertação da prisão, onde esteve sob acusação de insultos ao Presidente iraniano;
O. Considerando que foi imposta uma pena de seis anos de prisão, confirmada após recurso, ao proeminente realizador iraniano Jafar Panahi; considerando que uma sentença de um ano de prisão e 90 chicotadas foi aplicada à actriz Marzieh Vafamehr, na sequência da sua participação num filme que apontava as difíceis condições em que os artistas trabalham no Irão; considerando que, em 17 de Setembro de 2011, as autoridades iranianas detiveram seis realizadores de documentários independentes, a saber, Mohsen Shahrnazdar, Hadi Afarideh, Katayoun Shahabi, Naser Safarian, Shahnam Bazdar e Mojtaba Mir Tahmaseb, acusando-os de trabalharem para o Persian Service da BBC e de estarem envolvidos em actividades de espionagem por conta desse serviço de notícias;
P. Considerando que, desde 2009, dezenas de advogados foram detidos por exercerem a sua profissão, incluindo Nasrin Soutoudeh, Mohammad Seifzadeh, Houtan Kian e Abdolfattah Soltani; considerando que o laureado do Prémio Nobel da Paz, Shirin Ebadi, foi efectivamente forçado ao exílio, após as autoridades terem encerrado o Centro dos Defensores dos Direitos Humanos, e considerando que os advogados que participaram na defesa de detidos políticos e prisioneiros de consciência enfrentam riscos pessoais cada vez maiores;
Q. Considerando que as autoridades iranianas anunciaram que estão a trabalhar sobre uma internet paralela, conforme com os princípios islâmicos, descrevendo-a como uma rede «halal»; considerando que a «internet halal» deverá dar efectivamente às autoridades iranianas um controlo de 100% sobre todo o tráfico e o conteúdo da Internet, violando gravemente a liberdade de expressão e restringindo o acesso às redes de informação e de comunicação;
R. Considerando que tem sido amplamente alegado que empresas (baseadas) na UE têm prestado às autoridades iranianas assistência técnica e tecnologias «por medida» que têm sido utilizadas para rastrear e traçar (online) a pista de defensores e activistas dos direitos humanos e que são utilizadas na violação dos direitos humanos;
1. Manifesta a sua séria preocupação com a permanente deterioração da situação dos direitos humanos no Irão, o número crescente de prisioneiros políticos, o número persistentemente elevado de execuções, incluindo de jovens, a ampla prática da tortura, julgamentos injustos e montantes exorbitantes exigidos em reparação, assim como as pesadas restrições à liberdade de informação, de expressão, de reunião, de crença, de educação e de movimento;
2. Aplaude a coragem de todos os iranianos que estão a lutar em defensa das liberdades fundamentais, dos direitos humanos e dos princípios democráticos, e que desejam viver numa sociedade sem repressão nem intimidação;
3. Condena veementemente a utilização da pena de morte no Irão e insta as autoridades iranianas a, em conformidade com as Resoluções 62/149 e 63/138 da Assembleia-Geral das Nações Unidas, instituírem uma moratória sobre as execuções enquanto aguarda a abolição da pena de morte;
4. Solicita que o Código Penal iraniano seja alterado de forma a proibir a aplicação de castigos corporais por parte das autoridades judiciais e administrativas; recorda que a utilização de castigos corporais – que equivalem à tortura – é incompatível com o artigo 7.º do PIDCP; condena veementemente a aplicação de chicotadas aos estudantes activistas Somayeh Tohidlou e Payman Aref;
5. Manifesta-se disposto a apoiar sanções adicionais às pessoas responsáveis por abusos contra os direitos humanos; solicita aos Estados-Membros da UE que são membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas que levantem a questão de abrir uma investigação no sentido de saber se os crimes cometidos pelas autoridades iranianas são ou não assimiláveis a crimes contra a Humanidade;
6. Solicita às autoridades iranianas que libertem todos os prisioneiros políticos, incluindo os líderes políticos Mir-Hussein Mousavi e Mehdi Karroubi, os advogados defensores dos direitos humanos Nasrin Sotoudeh e Abdolfattah Soltani, os estudantes activistas Bahareh Hedayat, Abdollah Momeni, Mahdieh Golroo e Majid Tavakoli, o jornalista Abdolreza Tajik, o pastor protestante Yousef Nadarkhani e os realizadores Jafar Panahi e Mohammad Rasoulof, bem como todas as outras pessoas referidas no relatório do Relator Especial das Nações Unidas para a situação dos direitos humanos no Irão, Ahmed Shaheed;
7. Lamenta profundamente que a falta de lealdade e de transparência do processo judicial e de formação profissional adequada dos que nele participam, e solicita às autoridades iranianas que garantam a existência de processos justos e abertos;
8. Insta o Governo iraniano a autorizar imediatamente o Relator Especial Ahmed Shaheed a entrar no Irão para tratar a questão da crise dos direitos humanos em curso no país; nota que a completa falta de cooperação do governo com o mandato do Relator Especial e a sua persistente recusa de permitir que este último aceda ao país constituem uma indicação de que não tem intenção de tomar medidas significativas para melhorar a situação dos direitos humanos;
9. Solicita às autoridades iranianas que demonstrem que estão plenamente empenhadas na cooperação com a comunidade internacional na melhoria dos direitos humanos no Irão e solicita ao Governo iraniano que cumpra as suas obrigações, tanto no âmbito do direito internacional, como das convenções internacionais que assinou; salienta a importância de eleições livres e equitativas;
10. Solicita às autoridades iranianas que libertem imediatamente os membros da comunidade artística iraniana que estão detidos e que ponha cobro à perseguição – através da detenção ou de outras formas de assédio – a essa comunidade; nota que tal tratamento é incompatível com os princípios internacionais dos direitos humanos que o Irão livremente subscreveu; salienta que o direito à liberdade de expressão pela arte e a escrita está consagrado no artigo 19.º do PIDCP, que o Irão assinou;
11. Solicita ao Irão que garanta o pleno respeito pelo seu compromisso de aceitar a liberdade de religião ou de crença, incluindo a garantia de que a legislação e as práticas se conformam completamente com o artigo 18.º do PIDCP, e salienta que isto também implica que o direito de cada um(a) a mudar de religião, caso pretenda fazê-lo, seja incondicional e plenamente garantido;
12. Solicita ao Irão que tome medidas imediatas para garantir que os membros da comunidade Baha´i sejam protegidos contra discriminações em todos os domínios, que as violações dos seus direitos sejam imediatamente investigadas, que os considerados culpados sejam apresentados à justiça e que sejam prestadas reparações efectivas aos membros dessa comunidade;
13. Condena o Irão por bloquear ilegalmente os sinais televisivos do «BBC Persian Service» e da «Deutsche Welle» provenientes dos satélites Hotbird e Eutelsat W3A, e solicita ao Eutelsat que deixe de prestar serviços às cadeias estatais de televisão iranianas enquanto o Irão continuar a utilizar os serviços do Eutelsat para bloquear os programas de televisão independentes;
14. Manifesta a sua preocupação quanto à utilização de tecnologias (europeias) de censura, filtragem e vigilância para controlar e censurar fluxos de informação e de comunicação e para seguir cidadãos, nomeadamente os defensores de direitos humanos, como no caso recente do «Creativity Software»; solicita às empresas europeias que assumam a sua responsabilidade social, não fornecendo ao Irão bens, tecnologias e serviços que possam pôr em risco os direitos cívicos e políticos dos cidadãos iranianos;
15. Salienta que o livre acesso à informação e meios de comunicação, assim como o acesso sem censura à Internet (liberdade de internet) constituem direitos universais e indispensáveis para a democracia e a liberdade de expressão, e para assegurar a transparência e a responsabilização, como declarado pelo Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em 6 de Maio de 2011;
16. Solicita às autoridades iranianas que revoguem ou alterem toda a legislação que preveja ou possa resultar em discriminações contra pessoas ou a sua perseguição e punição devido à orientação sexual ou identidade de género, e que garantam que quem que esteja detido exclusivamente devido à sua actividade sexual ou orientação sexual seja libertado imediata e incondicionalmente;
17. Solicita aos Estados-Membros que dêem acolhimento aos cidadãos iranianos que tenham fugido do seu país, através de meios como a iniciativa Shelter City;
18. Solicita às autoridades iranianas que aceitem a prática de manifestações pacíficas e que tratem dos numerosos problemas com que se depara o povo iraniano; manifesta particular preocupação pela catástrofe ecológica previsível na região do Lago Urmia e solicita uma acção decisiva do Governo para tentar estabilizar a economia regional, de que milhões de iranianos dependem;
19. Solicita aos representantes da UE e à Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança que encoraje as autoridades iranianas a voltarem ao diálogo sobre os direitos humanos;
20. Insta o Serviço Europeu de Acção Externa (SEAE) a debruçar-se sobre o caso dos cidadãos da UE detidos em prisões iranianas e a fazer todos os possíveis para assegurar o seu bem-estar e libertação;
21. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, à Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, ao Secretário-Geral das Nações Unidas, ao Gabinete do Líder Supremo, ao Presidente do Supremo Tribunal Iraniano, ao Governo e ao Parlamento do Irão.