Resolução do Parlamento Europeu, de 14 de março de 2013, sobre a sustentabilidade da cadeia de valor do algodão a nível mundial (2012/2841(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta os artigos 3.º, 6.º e 21.º do Tratado da União Europeia,
– Tendo em conta os artigos 206.º e 207.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia,
– Tendo em conta o Protocolo n.º 4 sobre o algodão do Ato relativo às condições de adesão da República Helénica e às adaptações dos Tratados,
– Tendo em conta as convenções fundamentais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), incluindo a Convenção n.º 138, de 26 de junho de 1973, relativa à idade mínima de admissão ao emprego, a Convenção n.º 182, de 17 de junho de 1999, sobre a Proibição e Ação Imediata Tendente à Eliminação das Piores Formas de Trabalho Infantil, a Convenção n.º 184, de 21 de junho de 2001, sobre a Segurança e a Saúde na Agricultura, a Convenção n.º 87, de 9 de julho de 1948, relativa à liberdade sindical e à proteção do direito sindical, a Convenção n.º 98, de 8 de junho de 1949, relativa ao Direito de Organização e de Negociação Coletiva, a Convenção n.º 141, de 23 de junho de 1975, relativa às Organizações de Trabalhadores Rurais, a Convenção n.º 155, de 22 de junho de 1981, relativa à Segurança e Saúde no Trabalho, e a Convenção das Nações Unidas, de 20 de novembro de 1989, sobre os direitos da criança,
– Tendo em conta o Programa Internacional para a Erradicação do Trabalho Infantil (IPEC) e o programa Compreender o Trabalho Infantil (UCW),
– Tendo em conta a adesão da UE aos organismos internacionais de produtos de base (ICB),
– Tendo em conta os resultados da 71.ª Sessão Plenária do Comité Consultivo Internacional do Algodão (CCIA), realizada entre 7 e 11 de outubro de 2012,
– Tendo em conta a Resolução sobre o algodão da 95.ª Sessão do Conselho de Ministros ACP, realizada em Port Vila (Vanuatu), entre 10 e15 de junho de 2012,
– Tendo em conta as suas resoluções, de 25 de novembro de 2010, sobre os direitos humanos e as normas sociais e ambientais previstas nos acordos comerciais internacionais(1) e sobre a responsabilidade social das empresas prevista nos acordos comerciais internacionais(2),
– Tendo em conta o Regulamento (UE) n.º 978/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, relativo à aplicação de um sistema de preferências pautais generalizadas(3),
– Tendo em conta as suas anteriores resoluções sobre o comércio de produtos de base, o acesso às matérias-primas, a volatilidade dos preços nos mercados de matérias-primas agrícolas, mercados de derivados, o desenvolvimento sustentável, os recursos hídricos, o trabalho infantil e a exploração das crianças nos países em desenvolvimento,
– Tendo em conta a sua Resolução de 15 de dezembro de 2011(4), que não aprova o Protocolo sobre os produtos têxteis do Acordo de Parceria e Cooperação entre a UE e o Usbequistão, devido a preocupações relacionadas com o recurso ao trabalho infantil forçado nos campos de algodão no Usbequistão,
– Tendo em conta o Pacto Global das Nações Unidas, a estratégia europeia para as matérias-primas, a estratégia da UE para a responsabilidade social das empresas, a estratégia da UE em matéria de desenvolvimento sustentável, a coerência das políticas para promover o desenvolvimento, o Quadro Estratégico da UE para os Direitos Humanos e a Democracia e o Plano de Ação da UE sobre direitos humanos,
– Tendo em conta a declaração da Comissão de 14 março de 2013 sobre a sustentabilidade da cadeia de valor do algodão,
– Tendo em conta o artigo 110.º, n.º 2, do seu Regimento,
A. Considerando que o algodão figura entre as mais importantes culturas em termos de solos, é um importante gerador de emprego e um produto de base não alimentar vital para as comunidades rurais, os comerciantes, a indústria têxtil e os consumidores de todo o mundo;
B. Considerando que o algodão é a fibra natural mais amplamente utilizada, cultivada em mais de 100 países, cuja comercialização envolve cerca de 150 países;
C. Considerando que se estima em 100 milhões o número de agregados familiares envolvidos na produção de algodão e que o setor do algodão constitui uma importante fonte de emprego e rendimento para mais de 250 milhões de pessoas operantes nas fases de produção, transformação, armazenamento e transporte desta cadeia de valor agrícola;
D. Considerando que a produção de algodão é dominada pela China, pela Índia e pelos Estados Unidos, sendo os Estados Unidos, a Índia, a Austrália e o Brasil os maiores exportadores e a China, o Bangladeche e a Turquia os maiores importadores; considerando que o Usbequistão é o quinto maior exportador de algodão e o sexto maior produtor a nível mundial;
E. Considerando que a esmagadora maioria das importações de algodão do Bangladeche se destina à indústria têxtil orientada para a exportação, bem como ao fabrico de vestuário, representando 80 % do total das exportações de produtos manufaturados; considerando que a maioria desses têxteis e desse vestuário é exportada para países desenvolvidos, nomeadamente para os Estados-Membros da UE, o Canadá e os EUA;
F. Considerando que, na EU, o algodão é cultivado numa área de 370 000 hectares por cerca de 100.000 produtores, sobretudo na Grécia e na Espanha, que produzem anualmente 340.000 toneladas de algodão descaroçado, o que representa 1 % da produção mundial de algodão descaroçado;
G. Considerando que a UE se tornou exportador líquido de algodão em 2009 e que detém 2,8 % da parte do mercado de exportação, sendo a Turquia, o Egito e a China os seus principais destinos;
H. Considerando que o valor das exportações da indústria têxtil e do vestuário da UE ascendeu a um total de 39 mil milhões de euros em 2011 e que esta indústria emprega mais de 1,8 milhões de trabalhadores em 146 000 empresas em toda a UE(5);
I. Considerando que a pegada ambiental do algodão é multiplicada pela utilização excessiva de pesticidas (7 % a nível mundial), inseticidas (15 % a nível mundial) e água, o que conduz à degradação e contaminação dos solos, bem como à perda de biodiversidade;
J. Considerando que a maior parte da colheita mundial de algodão provém de terras irrigadas, o que exerce uma considerável pressão nos recursos de água doce; considerando que, mais do que qualquer outra cultura, o algodão é responsável por maiores libertações de inseticidas a nível mundial;
K. Considerando que a UE é o maior prestador de assistência ao desenvolvimento no domínio do algodão através da Parceria UE-África relativa ao Algodão e outros programas(6) e foi o principal importador de têxteis e de vestuário dos países menos desenvolvidos (PMD) a nível mundial em 2009;
L. Considerando que a reforma do sistema de preferências generalizadas da União (GSP)(7) reforçará os incentivos ao respeito dos direitos humanos e laborais fundamentais e das normas ambientais e de boa governação ao abrigo do sistema GSP+;
M. Considerando que a real magnitude do trabalho infantil na cadeia de valor do algodão é difícil de estimar, porquanto a informação é incompleta e fragmentada;
N. Considerando que, de acordo com as estimativas da OIT, mais de 215 milhões de crianças em todo o mundo são vítimas do trabalho infantil, das quais 60 % trabalham no setor agrícola(8);
O. Considerando que, para efeitos da presente resolução, entende-se por «trabalho infantil» o trabalho infantil na aceção da Convenção n.º 138 da OIT sobre a Idade Mínima de Admissão ao Emprego e da Convenção n.º 182 sobre a Proibição e Ação Imediata Tendente à Eliminação das Piores Formas de Trabalho Infantil, respetivamente;
P. Considerando que as diferentes formas de trabalho infantil e de trabalho forçado ocorrem na vasta maioria dos principais produtores mundiais de algodão durante o cultivo, a colheita de fibras e sementes e o descaroçamento do algodão(9);
Q. Considerando que o trabalho infantil e o trabalho forçado nos setores do algodão e dos têxteis não podem ser acometidos sem ter em conta as suas causas principais, a saber: a pobreza rural e a falta de alternativas para a geração de rendimentos, a insuficiente proteção dos direitos das crianças, a não instituição da escolaridade obrigatória para todas as crianças, a rigidez das estruturas comunitárias e as atitudes prevalecentes;
R. Considerando que as condições de trabalho, incluindo as normas de saúde e segurança, bem como os níveis salariais, continuam a ser um motivo de grande preocupação no âmbito da produção de algodão e da confeção de têxteis e de vestuário, nomeadamente nos PMD e nos países em desenvolvimento; considerando que, desde 2006, só no Bangladeche, morreram 470 pessoas em incêndios que deflagraram em empresas do setor têxtil;
S. Considerando que o CCIA reúne 41 países que produzem, consomem e comercializam algodão e tem por objetivo aumentar a transparência no mercado do algodão através da sensibilização, da promoção da cooperação internacional, da recolha de dados estatísticos e do fornecimento de informações técnicas e de previsões sobre os mercados do algodão e dos têxteis;
T. Considerando que o CCIA continua a ser um dos poucos ICB a que a União ainda não aderiu e que sete Estados-Membros da UE são atualmente membros do CCIA;
U. Considerando que o algodão é vital para os objetivos da União em matéria de comércio, desenvolvimento e agricultura;
V. Considerando que a adesão da UE ao CCIA reforçaria a cooperação no domínio do algodão, a coerência das ações da EU, bem como a coerência das ações da EU, e aumentaria a sua influência na definição da «agenda relativa ao algodão»;
W. Considerando que a adesão ao CCIA permitiria à UE reforçar o acesso a informação e aconselhamento analítico e facilitar as relações e parcerias entre o setor têxtil, os produtores de algodão e as autoridades públicas;
X. Considerando que o Parlamento será chamado a dar a sua aprovação à adesão da União ao CCIA;
1. Exorta à intensificação dos esforços para lutar contra as medidas de distorção do comércio e melhorar a transparência nos mercados de derivados de produtos de base;
2. Exorta todos os atores do setor do algodão a trabalharem em conjunto no âmbito do CCIA, sem mais demora, a fim de minimizarem drasticamente a degradação do ambiente, incluindo o consumo excessivo de água e a utilização de pesticidas e de inseticidas; salienta que estes modos de produção insustentáveis condicionam a produção de algodão futura; considera que a adesão da União ao CCIA é fundamental para o desenvolvimento de um programa de trabalho comum do CCIA nesse sentido;
3. Salienta a importância da luta contra as violações dos direitos humanos e dos direitos laborais, e contra a poluição ambiental em toda a cadeia de valor do algodão, incluindo nos setores têxtil e do vestuário; sugere ao CCIA que desenvolva meios que facilitem a monitorização independente das violações dos direitos humanos na cadeia de valor do algodão por parte das ONG e solicita à União, uma vez membro do CCIA, que intervenha nesse sentido;
4. Salienta a necessidade de criar condições adequadas para que os pequenos produtores dos países em desenvolvimento passem a ter acesso às principais cadeias de valor que servem a indústria têxtil e do vestuário da União, ascendam na cadeia de valor algodão-têxtil-vestuário e aproveitem o potencial do algodão biológico ou do algodão comercializado segundo os princípios do comércio equitativo; exorta a Comissão a avaliar de que modo a legislação da UE em matéria de contratos públicos pode acelerar a integração do algodão comercializado segundo os princípios do comércio equitativo;
5. Insta a Comissão, no âmbito das negociações dos APE e dos planos de desenvolvimento nacional do ICD, a intensificar os esforços no respeitante ao apoio às estratégias nacionais e regionais dos países menos desenvolvidos (PMD) produtores de algodão;
6. Condena veementemente o recurso ao trabalho infantil e forçado nos campos de algodão;
7. É seu entender que somente um quadro holístico e coordenado que incida nas causas do trabalho infantil e do trabalho forçado e seja implementado numa base de longo prazo pode conduzir a uma maior sustentabilidade da cadeia de valor do algodão; exorta, todavia, a UE a ter seriamente em conta quaisquer alegações de escravatura ou de trabalho forçado na cadeia de aprovisionamento do algodão e a responder com sanções adequadas;
8. Assinala que a sustentabilidade do setor do algodão depende dos produtores, comerciantes, fornecedores de meios de produção, fabricantes de têxteis, retalhistas, marcas, governos, sociedade civil e consumidores; realça que os regimes de comércio equitativo preveem uma cooperação mais estreita entre consumidores e produtores, nomeadamente no setor do algodão, devendo os seus conhecimentos especializados e as suas melhores práticas ser avaliados pela Comissão;
9. Exorta todos os países produtores de algodão a criarem um ambiente propício a uma adequada monitorização e divulgação de informação sobre as condições laborais no setor do algodão, por parte dos governos, da indústria, de ONG independentes e dos órgãos sindicais, bem como a apoiarem os esforços das organizações de agricultores e dos sindicatos no sentido do aumento dos níveis de rendimento e da melhoria das condições de trabalho nos campos de algodão; salienta ser necessário que os que trabalham na linha da frente da indústria do algodão exerçam a sua atividade de forma condigna e rentável e usufruam dos benefícios obtidos pelos países produtores de algodão;
10. Acolhe com agrado a iniciativa «Melhor Algodão» (BTI), o projeto «Algodão feito em África», a Norma Global de Têxteis Orgânicos (GOTS) e outras iniciativas multilaterais que visam o aumento da sustentabilidade da cadeia de valor do algodão e têxteis;
11. Insta os países que ainda não ratificaram a Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança e as Convenções da OIT n.º 138 e n.º 182, bem como as Convenções da OIT n.º 87, n.º 98, n.º 141 e n.º 155, a ratificá-las e aplicá-las prontamente; é seu entender que os governos devem adotar todas as políticas apropriadas para promover a sensibilização para as normas nacionais e internacionais existentes em matéria de trabalho infantil, bem como para as principais Convenções da OIT ao longo de toda a cadeia de produção de algodão;
12. Recorda que as preferências concedidas através do SPG da União, o seu principal instrumento de promoção dos direitos humanos e laborais fundamentais e do desenvolvimento sustentável, podem ser temporariamente suspensas em caso de violações graves e sistemáticas dos direitos humanos e laborais consagrados nas principais convenções das Nações Unidas e da OIT; salienta a responsabilidade das empresas europeias no que se refere ao cumprimento destas normas na sua cadeia de aprovisionamento;
13. Assinala a importância do regime especial de incentivo ao desenvolvimento sustentável e à boa governação (GPS+);
14. Exorta a Comissão a estudar e, se adequado, a apresentar ao Parlamento uma proposta legislativa sobre um mecanismo eficaz de rastreabilidade dos bens produzidos por recurso ao trabalho infantil ou ao trabalho forçado;
15. Exorta o Conselho a tomar uma decisão sobre as modalidades de adesão ao CCIA, que permita à União aderir ao CCIA com competência exclusiva;
16. Exorta os participantes na cadeia de valor do algodão a evitarem medidas unilaterais, designadamente proibições de exportação, a procurarem uma maior transparência e coordenação, a fim de reduzir a volatilidade dos preços e a possibilidade de especulação, e a diligenciarem no sentido de assegurar a rastreabilidade do comércio de fibra de algodão no mercado aberto;
17. Considera importante salvaguardar a produção de algodão na União, reforçando as medidas de reestruturação transitórias aplicáveis às regiões mais afetadas;
18. Exorta o CCIA a avaliar com regularidade, através do seu Painel de Peritos sobre o Desempenho Económico, Ambiental e Social do Algodão (SEEP), as repercussões ambientais e sociais da produção de algodão e a publicar as suas conclusões;
19. Exorta o CCIA a considerar a possibilidade de criar um sistema eficaz de rotulagem a nível mundial que garanta que os produtos foram produzidos sem recurso ao trabalho infantil ou forçado em toda as fases da cadeia de aprovisionamento e do processo de produção;
20. Exorta a República Popular da China, o maior mercado de algodão e o país detentor das maiores reservas de algodão, a considerar a adesão ao CCIA e a desempenhar um papel construtivo no setor do algodão; insta ainda à República Popular da China a combater firmemente o recurso ao trabalho infantil e ao trabalho forçado nos setores do algodão e dos têxteis;
21. Exorta a Comissão a:
i)
informar regularmente o Parlamento sobre o seu trabalho e atividades nos ICB, incluindo o CCIA;
ii)
explorar plenamente o potencial da adesão ao CCIA, visando lograr uma maior transparência do mercado na indústria do algodão e vestuário, bem como uma maior sustentabilidade;
iii)
reagir prontamente a eventuais restrições à exportação de algodão e outras ações conducentes a uma excessiva volatilidade dos preços;
iv)
continuar a assegurar que os produtores de algodão, descaroçadores, comerciantes e investigadores europeus se fazem ouvir;
v)
melhorar a coordenação, a recolha de dados estatísticos, as previsões, a partilha de informações e a monitorização das cadeias de aprovisionamento e de valor do algodão a nível mundial;
22. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho e à Comissão, ao CCIA, à OIT, à Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), ao Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), ao Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), ao Banco Mundial, à Organização Mundial do Comércio (OMC) e ao governo da República Popular da China.
O valor total da assistência ao desenvolvimento da indústria do algodão africana prestada pela UE e pelos seus Estados-Membros desde 2004 ultrapassou os 350 milhões. Consultar os dados da Organização Mundial do Comércio relativos à assistência ao desenvolvimento do algodão, de 31 de maio de 2012.
«Literature Review and Research Evaluation relating to Social Impacts of Global Cotton Production», destinado ao Painel de Peritos sobre o Desempenho Económico, Ambiental e Social do Algodão (SEEP) do CCIA, julho de 2008.