Resolução do Parlamento Europeu, de 4 de julho de 2013, sobre a abertura de negociações tendo em vista um acordo multilateral sobre serviços (2013/2583(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta o relatório anterior sobre serviços, nomeadamente, a sua resolução, de 4 de setembro de 2008, sobre o comércio de serviços(1),
– Tendo em conta os seus relatórios anteriores sobre a situação da Agenda de Doha para o Desenvolvimento (ADD) e sobre o futuro da OMC, nomeadamente as suas resoluções de 16 de dezembro de 2009 sobre as perspetivas da Agenda de Doha para o Desenvolvimento (ADD) na sequência da Sétima Conferência Ministerial da OMC(2) e de 14 de setembro de 2011 sobre o estado das negociações sobre a Agenda de Doha para o Desenvolvimento(3),
– Tendo em conta a sua resolução, de 13 de dezembro de 2011, sobre barreiras ao comércio e investimento(4),
– Tendo em conta o Protocolo n.º 26 do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia relativo aos serviços de interesse geral e a Carta dos Direitos Fundamentais,
– Tendo em conta o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) que entrou em vigor em 1 de janeiro de 1995, bem como a sua resolução, de 12 de março de 2003, sobre o Acordo Geral sobre o Comércio de Serviços (GATS) no quadro da OMC, incluindo a diversidade cultural(5),
– Tendo em conta o projeto de diretrizes de negociação de um acordo multilateral sobre o comércio de serviços, apresentadas pela Comissão em 15 de fevereiro de 2013,
– Tendo em conta a Comunicação da Comissão intitulada «Comércio, crescimento e questões internacionais - A política comercial como um elemento central da estratégia da UE para 2020»(6),
– Tendo em conta o relatório da Comissão ao Conselho Europeu intitulado «Relatório sobre as Barreiras ao Comércio e ao Investimento 2012»(7),
– Tendo em conta o relatório, de 21 de abril de 2011, do Presidente do Conselho do Comércio de Serviços da OMC, Embaixador Fernando de Mateo, dirigido à Comissão de Negociações Comerciais, relativo à sessão especial de negociações sobre o comércio de serviços(8),
– Tendo em conta a declaração do grupo «Really Good Friends» (RGF), emitida em 5 de julho de 2012,
– Tendo em conta o artigo 110.º, n.º 2, do seu Regimento,
A. Considerando que os serviços representam quase três quartos do PIB e do emprego da UE e são fundamentais para manter e reforçar a competitividade da UE;
B. Considerando que o peso dos serviços equivale a 28% das exportações da UE em 2011 e a mais do que a metade dos seus investimentos diretos estrangeiros em países terceiros em 2011;
C. Considerando que a UE desempenha um papel importante no comércio de serviços enquanto maior exportador de serviços a nível mundial, representando 25,65% do total mundial das exportações de serviços;
D. Considerando que todos os países devem estar em condições de desenvolver, manter e regulamentar serviços públicos em prol do interesse geral;
E. Considerando que 129 membros da OMC se comprometeram no quadro do GATS mas que a maioria destes países não assumiu compromissos em todos os setores;
F. Considerando que a atual situação económica e financeira realçou o papel cada vez mais fundamental dos serviços de interesse geral na União Europeia; que em domínios como os cuidados de saúde, o acolhimento de crianças, a assistência a idosos ou a pessoas com deficiência, bem como a habitação social, estes serviços proporcionam uma rede de segurança decisiva para os cidadãos e contribuem para promover a coesão social; que os serviços de interesse geral no domínio da educação e formação, bem como os serviços de emprego, desempenham um papel crucial na agenda para o crescimento e o emprego;
G. Considerando que, na altura da 6.ª Conferência Ministerial da OMC de 2005, em Hong Kong, apenas 30 países apresentaram propostas novas sobre serviços e que as negociações multilaterais sobre serviços pouco avançaram desde julho de 2008;
H. Considerando que no início da crise económica de 2008 e 2009 foram introduzidas novas medidas protecionistas para limitar o comércio de serviços;
I. Considerando que, em 2012, decorreram conversações preliminares entre os membros do grupo RGF sobre o formato e a estrutura de um Acordo sobre o Comércio de Serviços;
J. Considerando que os 21 membros(9) da OMC em negociações com a UE são na maioria países da OCDE e representam 70% do comércio transfronteiriço mundial de serviços (excluindo o comércio de serviços no interior da UE) e 58% da atividade de serviços comerciais da UE; que, até ao momento, nenhum país dos BRICS, nenhum membro da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) e nenhum país de África, das Caraíbas ou do Pacífico participa nestas negociações;
K. Considerando que a Comissão apresentou ao Conselho um projeto de diretrizes de negociação, em 15 de fevereiro de 2013, e recebeu, em 18 de março de 2013, um mandato para participar nas negociações de um Acordo sobre o Comércio de Serviços;
1. Entende que o sistema multilateral de comércio, consubstanciado na OMC, continua a constituir o quadro mais eficaz para lograr um comércio aberto e justo a nível mundial; concorda, no entanto, que foram necessárias novas iniciativas bilaterais e multilaterais para impulsionar as negociações comerciais em Genebra, devido ao impasse após a 8.ª Conferência Ministerial da OMC, em dezembro de 2011; frisa, no entanto, a necessidade de todas as iniciativas se manterem devidamente enquadradas no âmbito da OMC;
2. Lamenta que o comércio de serviços tenha recebido pouca atenção desde o início da Ronda de Doha; frisa que os serviços representam a espinha dorsal das economias e do comércio no século XXI, uma vez que a emergência de cadeias de valor mundiais assenta na prestação de serviços; ressalva a importância dos serviços de interesse geral, na medida em que proporcionam redes de segurança decisivas para os cidadãos e promovem a coesão social a nível municipal, regional, nacional e da UE;
3. Lamenta que as listas GATS da participação na OMC estejam obsoletas e não reflitam o nível real dos obstáculos ao comércio de serviços desses países, designadamente os que iniciaram uma substancial liberalização autónoma, e que a participação na OMC ainda mostre níveis muito diferentes e pouco claros de liberalização e de disciplina quanto aos seus compromissos em matéria de comércio de serviços;
4. Acolhe com agrado a abertura de negociações de um Acordo sobre o Comércio de Serviços e a participação da UE nestas conversações desde o início, a fim de promover os seus interesses e defender os seus pontos de vista quanto ao formato e estrutura do acordo; considera que a participação da UE pode fomentar a coerência entre o Acordo sobre o Comércio de Serviços e o sistema multilateral e contribuir para proteger o adequado controlo parlamentar do processo de negociação;
5. Lamenta que o Conselho tenha conferido um mandato sem ter tomado em consideração a opinião do Parlamento Europeu;
6. Recorda que a Comissão tem a obrigação de manter o Parlamento imediata e plenamente informado em todas as fases das negociações (antes e depois das rondas de negociações);
7. Insta a Comissão a assegurar que as negociações sobre o TISA sejam conduzidas no respeito das regras da OMC sobre a transparência, informando atempada e plenamente todos os membros da OMC;
8. Entende que não se alcançou a massa crítica que permita alargar os benefícios deste futuro Acordo sobre o Comércio de Serviços ao conjunto dos membros da OMC e que, por conseguinte, a cláusula da nação mais favorecida do GATS(10) não lhe deve ser aplicável;
9. Regista, no entanto, com apreensão que as partes em negociação não incluem mercados emergentes (exceto a Turquia), designadamente os BRICS, onde se verifica o crescimento das trocas comerciais e do investimento em serviços e onde os obstáculos, nomeadamente aos investimentos estrangeiros, são mais significativos; convida, por conseguinte, a China e outras economias emergentes a aderirem às negociações;
10. Considera que o facto de manter em aberto a possibilidade de outros países, incluindo economias emergentes, participarem nesta negociação não deve causar a diminuição do nível de ambição do Acordo, uma vez que só um elevado nível de liberalização e de convergência das disciplinas poderá convencer esses países a aderir às negociações;
11. Recomenda que, para permitir a possibilidade de «multilateralizar» o futuro Acordo sobre o Comércio de Serviços, a sua conceção deve seguir o formato e a estrutura do GATS, incluindo a noção de listagem positiva dos compromissos, e retomar as definições, os princípios e as normas fundamentais do GATS em matéria de tratamento, acesso ao mercado e disciplinas nacionais;
12. Insta a Comissão a elaborar uma proposta inicial próxima da sua última proposta de listagem GATS e a visar os seguintes objetivos aquando da negociação dos compromissos de acesso ao mercado:
–
assegurar condições mais equitativas reduzindo os desequilíbrios dos compromissos GATS entre partes, setores e modos;
–
promover uma agenda ambiciosa para os interesses ofensivos da UE, nomeadamente em matéria de serviços às empresas, serviços de TIC, serviços financeiros e jurídicos, comércio eletrónico, serviços de transporte marítimo e aéreo, serviços ambientais, turismo e construção; salvaguardar os interesses da UE em países terceiros, mediante a inserção no Acordo sobre o Comércio de Serviços da exclusão do GATS com caráter prudencial, que permite aos países participantes regular internamente os mercados financeiros e de produtos, a título prudencial; a exclusão do GATS com caráter prudencial no que se refere aos serviços financeiros deve ser inserida no Acordo sobre o Comércio de Serviços, a fim de permitir que as partes no acordo adotem medidas de ordem prudencial, sem prejuízo de outras disposições do Acordo sobre o Comércio de Serviços;
–
defender as sensibilidades europeias relativamente aos serviços públicos e aos serviços de interesse geral (definidos nos Tratados da UE) no domínio da educação, da saúde, do abastecimento de água e dos serviços de gestão dos resíduos e continuando a dispensar os serviços audiovisuais e culturais de qualquer compromisso, como, por exemplo, no âmbito do GATS e dos acordos de comércio livre bilaterais;
–
acautelar o estabelecimento de compromissos e normas em matéria de serviços financeiros passíveis de contrariar medidas recentes destinadas a regular mercados e produtos financeiros;
–
adotar uma abordagem cautelosa das propostas no Modo 4, tendo presentes os interesses ofensivos da UE na mão‑de‑obra altamente qualificada e a necessidade primordial de reafirmar – no contexto do TISA – que a circulação temporária de pessoas singulares a fim de prestar um serviço no termos do Modo 4 deve cumprir os requisitos nacionais em matéria de direitos laborais e sociais, bem como as convenções coletivas, e que, tal como no âmbito do GATS, nenhuma parte deve ser impedida de aplicar medidas para regulamentar a entrada de pessoas singulares no seu território, desde que tal não anule os benefícios decorrentes dos compromissos assumidos pelas partes;
–
manter a neutralidade em relação à natureza pública ou privada da propriedade dos operadores económicos abrangidos pelos compromissos;
–
assegurar que qualquer liberalização de fluxos de dados é completamente coerente com o acervo comunitário da UE em matéria de proteção da privacidade e dos dados;
13. Verifica que a UE já concluiu ou está a negociar acordos bilaterais de comércio com alguns dos parceiros nas negociações relativas ao Acordo sobre o Comércio de Serviços (designadamente com o Japão e em breve com os Estados Unidos) que englobam sólidos capítulos sobre os serviços, nos quais as questões específicas bilaterais dos países são mais bem abordadas; entende que, em termos de acesso ao mercado, os interesses da UE nestas negociações residem noutros parceiros (por exemplo, Austrália, Nova Zelândia, México, Taiwan, Turquia, etc.);
14. Destaca que a inclusão dos princípios de suspensão e de ajustamento nas listas deve permitir vincular os compromissos das partes aos níveis atuais e conduzir a uma maior abertura progressiva;
15. Considera que o Acordo sobre o Comércio de Serviços deve prever disciplinas reguladoras mais firmes em matéria de transparência, concorrência e requisitos de licenciamento, bem como regulamentações específicas por setor, não obstante o direito de os países adotarem regulamentações devidamente justificadas por objetivos de política pública(11);
16. Considera que é essencial que a UE e os seus Estados-Membros conservem a possibilidade de preservar e desenvolver as suas políticas culturais e audiovisuais, no contexto das suas leis, normas e acordos existentes; congratula-se, por conseguinte, com a exclusão, por parte do Conselho, dos serviços culturais e audiovisuais do mandato de negociação;
17. Salienta que estas negociações representam uma oportunidade para melhorar as regras em matéria de concursos públicos(12) e de subsídios(13) no setor dos serviços, onde as negociações do GATS estagnaram;
18. Entende que o Acordo sobre o Comércio de Serviços deve incluir uma cláusula de adesão, disposições que definam as condições e os procedimentos para «multilateralizar» o acordo a todos os membros da OMC e um mecanismo específico de resolução de litígios, sem prejuízo da possibilidade de recorrer ao mecanismo geral de resolução de litígios da OMC;
19. Faz notar que o mandato de negociação da UE foi proposto pela Comissão e adotado pelo Conselho sem uma avaliação de impacto; insta a Comissão a concretizar a sua intenção de proceder a uma avaliação de impacto na sustentabilidade e a consultar as partes interessadas relevantes sobre questões sociais, ambientais e outras preocupações; solicita à Comissão que publique a avaliação de impacto na sustentabilidade, com vista a ter em conta as respetivas conclusões aquando das negociações;
20. Considera muito ambicioso o prazo de dois anos para concluir as referidas negociações; salienta que a qualidade deve prevalecer sobre critérios de tempo e reitera que as negociações devem primar pela transparência e proporcionar margem e tempo necessários para a promoção de debates públicos e parlamentares informados;
21. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho e à Comissão.
Austrália, Canadá, Chile, China, Colômbia, Costa Rica, Hong Kong, Israel, Japão, Coreia, México, Nova Zelândia, Noruega, Paquistão, Panamá, Paraguai, Peru, Suíça, Taiwan, Turquia e os Estados Unidos.