Resolução do Parlamento Europeu, de 16 de janeiro de 2014, sobre a cidadania europeia à venda (2013/2995(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta os artigos 4.º, 5.º, 9.º e 10.º do Tratado da União Europeia,
– Tendo em conta o artigo 20.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia,
– Tendo em conta o artigo 110.º, n.ºs 2 e 4, do seu Regimento,
A. Considerando que se espera que cada Estado‑Membro aja de forma responsável, preservando os valores e as conquistas comuns da União, e que tais valores e conquistas são inestimáveis e não têm preço;
B. Considerando que vários Estados‑Membros introduziram sistemas que, direta ou indiretamente, conduzem à venda da cidadania europeia a cidadãos de países terceiros;
C. Considerando que um número crescente de Estados‑Membros emite autorizações de residência temporária ou permanente a cidadãos de países terceiros que investem nesses Estados‑Membros;
D. Considerando que nalguns Estados‑Membros pode ser obtida a residência permanente com acesso a todo o espaço Schengen; considerando que em determinados Estados‑Membros estão a ser tomadas medidas que poderão conduzir à venda efetiva da cidadania desses Estados‑Membros;
E. Considerando que, nalguns casos, estes programas de investimento têm eventuais efeitos colaterais negativos, como distorções nos mercados locais de habitação;
F. Considerando que, em particular, o Governo de Malta tomou recentemente medidas para introduzir um sistema de venda definitiva da cidadania maltesa, que automaticamente implica a venda definitiva da cidadania europeia como um todo sem qualquer requisito de residência;
G. Considerando que a venda definitiva da cidadania europeia desta forma mina a confiança mútua sobre a qual assenta a União;
H. Considerando que, em particular, os cidadãos da UE têm o direito de circular e residir livremente na UE, de votar e ser eleitos nas eleições municipais e para o Parlamento Europeu onde quer que vivam na UE, nas mesmas condições que os respetivos nacionais, e de receber assistência da embaixada ou do consulado de outro país da UE fora da UE nas mesmas condições que um cidadão desse país, se o seu próprio país não se encontrar representado;
I. Considerando que a UE assenta na confiança mútua entre os Estados‑Membros, construída durante anos de trabalho e boa vontade graduais por parte dos Estados‑Membros, bem como pela União como um todo;
J. Considerando que têm sido expressas preocupações sobre o uso criminoso destes programas de investimento, incluindo questões como o branqueamento de capitais;
K. Considerando que existem preocupações no que respeita a eventual discriminação visto que estas práticas dos Estados‑Membros permitem apenas aos cidadãos mais ricos de países terceiros a obtenção de cidadania europeia, sem considerar quaisquer outros critérios;
L. Considerando que não é claro que os cidadãos malteses beneficiem, com efeito, desta nova política, por exemplo através da cobrança de impostos, pois os investidores estrangeiros não terão a obrigação de pagar impostos; relembra que a cidadania não implica apenas direitos mas também responsabilidades;
M. Considerando que a cidadania europeia é uma das maiores conquistas da UE e que, segundo os Tratados da UE, as questões de residência e cidadania são da competência exclusiva dos Estados‑Membros;
1. Manifesta a sua preocupação de que esta forma de obtenção de cidadania em Malta, bem como qualquer outro sistema nacional que possa implicar a venda definitiva direta ou indireta da cidadania europeia mine a própria ideia de cidadania europeia;
2. Insta os Estados‑Membros a reconhecerem e cumprirem as suas responsabilidades de salvaguarda dos valores e objetivos da União;
3. Apela à Comissão como guardiã dos Tratados para que declare claramente se estes sistemas respeitam a letra e o espírito dos Tratados e o Código das Fronteiras Schengen, bem como as regras de não discriminação da UE;
4. Reitera que o artigo 4.°, n.° 3, do Tratado da União Europeia consagra o princípio da "cooperação leal" entre a União e os Estados‑Membros que devem respeitar‑se e assistir‑se mutuamente no cumprimento das missões decorrentes dos Tratados;
5. Manifesta a sua preocupação perante as implicações de alguns sistemas de investidores e cidadania recentemente criados por diversos Estados‑Membros da UE;
6. Reconhece que questões de residência e cidadania são da competência dos Estados‑Membros; convida, no entanto, os Estados‑Membros a serem cautelosos no exercício das suas competências nesta matéria e a terem em conta eventuais efeitos colaterais;
7. Considera que a cidadania europeia implica a detenção de um interesse na União e depende dos laços de uma pessoa com a Europa e os seus Estados‑Membros ou dos laços pessoais com cidadãos da UE; relembra que a cidadania europeia não deve, em caso algum, transformar-se num bem comercial;
8. Salienta o facto de os direitos concedidos através da cidadania europeia se basearem na dignidade humana e não deverem ser adquiridos ou vendidos a qualquer preço;
9. Realça que o acesso a fundos não deve ser o critério principal na concessão de cidadania europeia a cidadãos de países terceiros; convida os Estados‑Membros a terem em conta as preocupações relacionadas com fraudes como o branqueamento de capitais;
10. Regista que a concorrência atual por condições de investimento ou recursos financeiros mais atraentes pode conduzir a uma redução dos padrões e requisitos para a obtenção de autorizações de residência no espaço Schengen e da cidadania europeia;
11. Insta a Comissão a avaliar os diversos sistemas de cidadania à luz dos valores europeus e da letra e do espírito da legislação e práticas da UE, e a emitir recomendações a fim de evitar que esses sistemas minem os valores em que assenta a UE, bem como orientações para o acesso à cidadania europeia através de sistemas nacionais;
12. Apela a Malta para que harmonize o seu sistema de cidadania atual com os valores da UE;
13. Apela aos Estados‑Membros que adotaram sistemas nacionais que permitem a venda direta ou indireta da cidadania europeia a cidadãos de países terceiros para que os harmonizem com os valores da UE;
14. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão e aos Governos e Parlamentos dos Estados-Membros.