Resolução do Parlamento Europeu, de 17 de abril de 2014, sobre a política externa da UE num mundo em que existem diferenças culturais e religiosas (2014/2690(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta os artigos 2.º e 21.º do Tratado da União Europeia (TUE) e o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE),
– Tendo em conta a Carta das Nações Unidas,
– Tendo em conta a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, nomeadamente os seus artigos 10.º e 22.º,
– Tendo em conta a Convenção das Nações Unidas sobre a eliminação de todas as formas de discriminação contra as mulheres,
– Tendo em conta o Pacto Internacional sobre os direitos económicos, sociais e culturais,
– Tendo em conta o Pacto Internacional sobre os direitos civis e políticos,
– Tendo em conta a Convenção da UNESCO sobre a proteção e a promoção da diversidade das expressões culturais,
– Tendo em conta as resoluções das Nações Unidas referentes à liberdade de religião ou crença e sobre a eliminação de todas as formas de intolerância e de discriminação baseadas na religião ou crença, em particular a Resolução A/RES/67/179 da Assembleia Geral, de 20 de dezembro de 2012, e a Resolução A/HRC/22/20/L.22 do Conselho dos Direitos do Homem, de 22 de março de 2013,
– Tendo em conta o Quadro Estratégico e o Plano de Ação da UE para os Direitos Humanos e a Democracia (11855/2012), adotado pelo Conselho dos Negócios Estrangeiros, em 25 de junho de 2012,
– Tendo em conta as Conclusões do Conselho, de 20 de novembro de 2008, sobre a promoção da diversidade cultural e do diálogo intercultural nas relações externas da União e dos seus Estados-Membros,
– Tendo em conta a Agenda Europeia para a Cultura (COM(2007)0242), que visa promover a sensibilização para a diversidade cultural e para os valores da UE, o diálogo com a sociedade civil e o intercâmbio de boas práticas,
– Tendo em conta a sua recomendação ao Conselho, de 2 de fevereiro de 2012, referente a uma política coerente em relação aos regimes contra os quais a UE aplica medidas restritivas(1),
– Tendo em conta a sua resolução de 12 de maio de 2011 sobre as dimensões culturais das ações externas da UE(2),
– Tendo em conta a sua recomendação ao Conselho, de 13 de junho de 2013, referente ao projeto de Orientações da UE sobre a promoção e defesa da liberdade de religião ou de crença(3) e as Orientações da UE sobre a promoção e defesa da liberdade de religião ou de crença, aprovadas pelo Conselho dos Negócios Estrangeiros em 24 de junho de 2013,
– Tendo em conta a sua resolução, de 11 de dezembro de 2012, sobre uma estratégia para a liberdade digital na política externa da UE(4),
– Tendo em conta o artigo 110.º, n.º 2, do seu Regimento,
A. Considerando que a UE assenta nos princípios dos direitos humanos, do Estado de direito e de democracia, consagrados na Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, e que tem a vontade e o dever legal e moral de promover e defender estes valores nas suas relações externas com todos os outros países;
B. Considerando que o artigo 21.º do TUE reconhece que a ação da União na cena internacional deve assentar nos princípios de «democracia, Estado de direito, universalidade e indivisibilidade dos direitos do Homem e das liberdades fundamentais, respeito pela dignidade humana, princípios da igualdade e solidariedade e respeito pelos princípios da Carta das Nações Unidas e do direito internacional»;
C. Considerando que a noção de diferença cultural e religiosa conduz frequentemente a conflitos entre diferentes grupos de pessoas e que tem sido explorada por líderes e regimes para levaram avante os seus próprios objetivos, alimentando dessa forma os conflitos;
D. Considerando que a compreensão da diversidade religiosa e cultural é uma forma sólida de fomentar a tolerância e a reconciliação em situações pós-conflito e ajuda a encorajar os direitos humanos e a democracia, uma vez que possibilita a inclusão, o respeito mútuo e a compreensão de mentalidades diferentes;
E. Considerando que, no âmbito das condições da globalização, todas as nações, Estados e civilizações interagem uns com os outros, e as regras e normas que orientam o funcionamento de sistemas económicos, políticos e culturais se tornam cada vez mais ligados e enfrentam desafios comuns, como as alterações climáticas, o terrorismo e a pobreza, refletindo simultaneamente as identidades nacionais e as diferenças culturais, é fundamental uma compreensão adequada das mesmas para o diálogo internacional baseado na tolerância;
F. Considerando que em todas as civilizações o património cultural nacional, que constitui a base para a identidade cultural dos cidadãos, é altamente valorizado;
Princípios da política externa da UE
1. Considera que o respeito pela diversidade cultural e a tolerância face a conceitos e crenças diferentes a par da luta contra todos os tipos de extremismos e contra as desigualdades continuam a ser uma parte necessária da construção bem-sucedida de uma ordem internacional pacífica baseada em valores democráticos universalmente partilhados;
2. Reitera a sua convicção de que, ao defender os seus próprios interesses no mundo, a União deve basear sempre as suas políticas na promoção dos valores fundamentais em que a União assenta (a democracia, o Estado de direito e os direitos humanos, a justiça social e a luta contra a pobreza) e no respeito pelos outros países;
3. Insiste em que a proteção das pessoas que pertencem a grupos vulneráveis, tais como os membros de minorias étnicas ou religiosas, e a promoção dos direitos das mulheres e da sua capacitação, representação e participação nos processos económicos, políticos e sociais, bem como a luta contra qualquer tipo de violência ou discriminação baseada no género ou na orientação sexual, devem figurar entre os objetivos da UE ao nível das relações externas;
4. Considera que o acesso à educação em todas as suas formas, especialmente através da memória de acontecimentos passados, da história e da promoção do intercâmbio cultural, é indispensável para a compreensão e o respeito do património religioso e cultural;
5. Apela à UE para promover a ratificação e aplicação dos principais tratados internacionais dos direitos humanos, incluindo os acordos sobre os direitos das mulheres e a não discriminação, as principais convenções relativas aos direitos fundamentais dos trabalhadores, bem como os instrumentos regionais relativos aos direitos humanos; aguarda a rápida ratificação da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem após a decisão final do Tribunal de Justiça da União Europeia;
6. Apela à UE para promover a ratificação e implementação da Convenção da UNESCO sobre a proteção e promoção da diversidade de expressão cultural;
7. Afirma que a UE, que já obteve no passado resultados concretos na luta contra a pena de morte, deve assumir um compromisso mais firme e solicitar às instituições e aos Estados-Membros que mantenham e reforcem a sua vontade política na defesa desta causa, com o objetivo de conseguir que a pena de morte seja definitivamente abolida no mundo;
8. Considera que as democracias estáveis e modernas com um Estado de direito em pleno funcionamento constituem um instrumento para a paz, a cooperação internacional e a vontade de abordar de forma construtiva as questões globais, e considera que é do interesse da UE promover ativamente uma cultura política de liberdade, tolerância, abertura e secularismo, bem como o desenvolvimento de instituições democráticas por todo o mundo;
9. Observa, em particular, que a transição para a democracia em diversos Estados por todo o mundo nas últimas duas décadas e, mais recentemente, os eventos de insurreição no mundo Árabe mostraram que as aspirações à democracia, justiça social, dignidade humana e participação equitativa são uma força condutora universal entre os diversos antecedentes culturais e religiosos e não devem ser entendidas somente como uma preocupação ocidental;
10. Considera que a noção de diferença cultural e religiosa tem sido instrumentalizada repetidamente para justificar violações flagrantes dos direitos humanos por regimes autoritários e radicais e intervenientes não estatais;
11. Rejeita visões essencialistas de culturas enquanto entidades fixas; acredita que a crescente interação de pessoas com diferentes antecedentes culturais e religiosos pode levar ao desenvolvimento e fortalecimento de um tronco comum de valores universais;
12. Recorda que o respeito e a defesa de culturas pequenas e minoritárias e a promoção da sua capacidade de se expressarem pacificamente em conformidade com os direitos humanos é uma forma de evitar uma visão de diferenças culturais como uma confrontação entre blocos irreconciliáveis e de promover a paz e a estabilidade;
13. Salienta que a educação inclusiva deve desempenhar um papel proeminente na política de desenvolvimento, na gestão de crises e na estabilização pós-conflito;
14. Salienta que o respeito pelas liberdades religiosas é um importante princípio da política externa, contribuindo para relações internacionais mais sustentáveis e promovendo a cooperação entre as nações com base na humanidade, na tolerância e no reconhecimento mútuo;
15. Repudia a defesa e a divulgação de princípios religiosos fundamentalistas destinados à erosão ou à violação de determinados direitos das comunidades;
16. Expressa a sua preocupação com a proliferação da intolerância e condena veementemente os atos de violência contra as comunidades religiosas em vários países, incluindo cristãos, muçulmanos, judeus e Bahá'ís, que veem os seus direitos humanos fundamentais serem negados unicamente devido à sua fé; condena veementemente, em particular, as inúmeras tentativas para fechar ou destruir igrejas, mesquitas, sinagogas, templos e outros locais de culto em todo o mundo;
17. Salienta a importância da diplomacia cultural, da cooperação cultural e do intercâmbio educacional e cultural ao comunicar os valores que constituem a cultura europeia e promover os interesses da UE e dos seus Estados-Membros; insiste na necessidade de que a UE desempenhe um papel coerente na cena mundial, com uma perspetiva global e uma responsabilidade global;
O papel da UE no sistema das Nações Unidas e em fóruns multilaterais
18. Reconhece que a atual estrutura do sistema das Nações Unidas, e particularmente a do Conselho de Segurança, deve refletir de forma mais adequada a diversidade dos intervenientes mundiais;
19. Observa, no entanto, que a UE e os seus Estados-Membros conseguiram encontrar uma plataforma comum de diálogo e cooperação, no sentido de alcançar soluções comuns com os Estados membros das Nações Unidas que ultrapassam as diferenças culturais e religiosas; observa igualmente que as tensões e impasses que impedem o desenvolvimento de soluções semelhantes derivam da oposição de Estados e das partes envolvidas em conflitos a acordos deste tipo por razões estratégicas, e não com base em valores morais conflituantes;
20. Sublinha a importância de coordenar fóruns que visam a promoção do diálogo e do entendimento mútuo entre culturas e religiões; é, no entanto, de opinião de que a eficácia destes fóruns deve ser avaliada e que devem ser considerados recursos para alavancar o seu alcance;
21. Reconhece o valor da diplomacia parlamentar e realça o trabalho das assembleias parlamentares das organizações internacionais relativamente à promoção de um diálogo intercultural e inter-religioso; neste contexto, acolhe com satisfação iniciativas como a recomendação da Assembleia Parlamentar da União para o Mediterrâneo (de março de 2012, em Rabat) em elaborar uma «Carta Mediterrânea de Valores»;
Desafios de influência religiosa no contexto político internacional
22. Nota com preocupação que, além das ameaças que as redes terroristas representam para a União e para o resto do mundo, grupos religiosos extremistas que utilizam a violência como forma de promover o ódio e a intolerância e de influenciar sociedades e legislações com vista a restringir os direitos do Homem e as liberdades fundamentais prejudicam os próprios princípios que a União promove nas suas políticas externas e de desenvolvimento e operam com o apoio, seja de forma mais ou menos transparente, de determinados Estados;
23. Considera que a UE deve ser mais assertiva no seu apoio à promoção dos direitos humanos, dos direitos sociais e políticos por parte da sociedade civil, bem como de interpretações mais abertas e inclusivas de dogmas religiosos nos países cujos governos promovem ou consentem visões intolerantes de religião e cultura;
24. Observa que, em muitos países não europeus, mesmo onde diversas expressões religiosas são toleradas, o secularismo e as visões ateístas ou agnósticas são frequentemente alvo de discriminação jurídica ou social, e que os ateus se veem confrontados com ameaças, pressões e perigo e devem ser protegidos, da mesma forma que o são as minorias religiosas ou outras minorias, pelos programas e pelas políticas da UE; realça que a liberdade de religião e consciência implica o direito à crença e à prática religiosa, bem como à ausência tanto da crença como da prática religiosa, o direito a escolher ou a promover crenças religiosas enquanto parte integrante da liberdade de expressão, e o direito a alterar ou abandonar a crença individual; espera que todos estes aspetos estejam presentes nas iniciativas da UE sobre o diálogo intercultural;
25. Propõe aos líderes religiosos das três religiões abraâmicas (judaica, cristã e muçulmana) a realização de um diálogo inter-religioso, num espírito de unidade e tolerância face a todas as suas diferentes expressões organizadas;
Credibilidade, coerência e consistência da política da UE
26. Considera que a eficácia da ação da UE assenta na sua exemplaridade e consistência entre práticas internas e ações externas;
27. Apela a todos os Estados-Membros para que revoguem quaisquer leis vigentes contrárias à liberdade fundamental de religião e de consciência e à liberdade de expressão;
28. Salienta que é importante que a UE promova o respeito pela liberdade de expressão, pela liberdade de religião ou crença, pela liberdade de imprensa e pela liberdade de acesso aos meios de comunicação social e às novas tecnologias da informação nas suas ações externas e que proteja e promova ativamente a liberdade digital das pessoas;
29. Apela à coerência da política da UE relativa aos direitos humanos com base em padrões comuns fundamentais e numa abordagem construtiva e centrada nos resultados; insiste em que, face a violações dos direitos humanos, a UE deve fazer uso de um vasto leque de ferramentas ao seu dispor, incluindo sanções;
30. Reafirma o seu apoio à inclusão em todos os acordos da UE com países terceiros da condicionalidade recíproca e de cláusulas políticas relativas aos direitos humanos e à democracia, enquanto reafirmação comum do comprometimento comum a estes valores e independentemente do estado de proteção dos direitos humanos num determinado país, com salvaguardas apropriadas para assegurar que o mecanismo de suspensão não pode ser abusado por nenhum dos lados;
Recomendações dirigidas ao Serviço Europeu de Ação Externa e à Comissão
31. Insta o Serviço Europeu para a Ação Externa e as delegações da UE em todo o mundo a interagirem mais com países terceiros e organizações regionais, com vista a promover o diálogo intercultural e inter-religioso;
32. Espera que, nas suas declarações políticas, os representantes da UE deixem claro que interpretações fundamentalistas de qualquer religião ou fé que permitam a violência e a repressão contra seguidores de outras crenças são incompatíveis com os valores da UE e com os direitos humanos universais e devem ser combatidas com a mesma assertividade que seria qualquer regime político repressivo;
33. Apela à UE para que faça da cultura uma componente ainda mais marcante do diálogo político com as regiões e países parceiros de todo o mundo, promova o intercâmbio cultural e integre sistematicamente a cultura nos projetos e programas de desenvolvimento; neste sentido, salienta a necessidade de haver uma racionalização das operações internas no seio da Comissão entre as diversas DG, nomeadamente as que se ocupam das relações externas (política externa, alargamento, comércio, desenvolvimento), da educação, da cultura e da agenda digital;
34. Salienta a importância de proporcionar ao pessoal da UE formação adequada nesta matéria e sublinha o trabalho relevante de muitas organizações, tais como a Fundação Anna Lindh e o Centro de Diálogo KAICIID em Viena;
35. Reconhece que a Internet e as tecnologias da comunicação são um veículo fundamental para facilitar a liberdade de expressão, o pluralismo, o intercâmbio de informações, o ensino, os direitos humanos, o desenvolvimento, a liberdade de reunião, a democracia e a interação e inclusão interculturais e inter-religiosas, fomentando dessa forma a tolerância e a compreensão; insta, por conseguinte, a Comissão a aplicar as recomendações previstas no relatório relativo a uma estratégia para a liberdade digital no âmbito da política externa da UE;
36. Realça as múltiplas possibilidades proporcionadas pelas novas tecnologias para promover o diálogo intercultural e inter-religioso, bem como os princípios e os valores da UE; encoraja todos os chefes das delegações da UE a utilizarem em pleno as ferramentas diplomáticas digitais através de uma presença ativa e consistente nas redes sociais; insta o SEAE a explorar as possibilidades de novos programas virtuais;
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37. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, à Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, ao Representante Especial da UE para os Direitos Humanos e aos governos dos Estados-Membros.