Resolução do Parlamento Europeu, de 12 de março de 2015, sobre os ataques e raptos, nomeadamente de assírios, recentemente perpetrados pelo EIIL/Daech no Médio Oriente (2015/2599(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta o Artigo 18.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), de 1948,
– Tendo em conta o Artigo 9.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), de 1950,
– Tendo em conta o artigo 18.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP), de 1966,
– Tendo em conta a Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação Fundadas na Religião ou nas Convicções, de 1981,
– Tendo em conta a Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas Pertencentes a Minorias Nacionais ou Étnicas, Religiosas e Linguísticas, de 1992,
– Tendo em conta a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados,
– Tendo em conta as suas anteriores resoluções sobre o Iraque, a Síria, a Líbia e o Egito, em particular a de 10 de outubro de 2013 sobre os recentes casos de violência e perseguição contra cristãos, nomeadamente em Maaloula (Síria) e em Peshawar (Paquistão), e o caso do Pastor Saeed Abedini (Irão)(1), a de 18 de setembro de 2014 sobre a situação no Iraque e na Síria e a ofensiva do EI, incluindo a perseguição de minorias(2), e a de 12 de fevereiro de 2015 sobre a crise humanitária no Iraque e na Síria, em particular no contexto do EI(3),
– Tendo em conta as diretrizes da UE sobre a promoção e defesa da liberdade de religião ou de crença,
– Tendo em conta as declarações da Vice-Presidente da Comissão / Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (VP/AR) sobre a violência e a perseguição de que são alvo os cristãos e outras comunidades no Médio Oriente, em particular a de 16 de fevereiro de 2015 sobre a decapitação de 21 cristãos coptas de origem egípcia na Líbia,
– Tendo em conta a Comunicação Conjunta da Comissão e da VP/AR ao Parlamento Europeu e ao Conselho intitulada «Estratégia regional da UE para a Síria e o Iraque, bem como para a ameaça do Daech»,
– Tendo em conta a declaração do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de 25 de fevereiro de 2015, que condena o rapto de mais de 100 assírios pelo EIIL,
– Tendo em conta o relatório da Comissão Internacional de Inquérito Independente da ONU sobre a República Árabe Síria intitulado «Rule of Terror: Living under ISIS in Syria», de 14 de novembro de 2014,
– Tendo em conta os relatórios anuais e os relatórios intercalares do Relator Especial das Nações Unidas sobre a liberdade de religião ou crença;
– Tendo em conta o artigo 135.º, n.º 5, e o artigo 123.º, n.º 4, do seu Regimento,
A. Considerando que a promoção da democracia e do respeito dos direitos humanos e das liberdades cívicas são princípios e objetivos fundamentais da União Europeia e constituem uma base comum para as suas relações com países terceiros;
B. Considerando que, de acordo com o direito internacional em matéria de direitos humanos e com o artigo 18.º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, toda e qualquer pessoa tem direito à liberdade de pensamento, de consciência e de religião; que este direito implica a liberdade de mudar de religião ou de convicção, bem como a liberdade de manifestar, individual ou coletivamente, em público ou em privado, a sua religião ou convicção, através do culto, do ensino, de práticas e da celebração de ritos; que, segundo a Comissão dos Direitos do Homem das Nações Unidas, a liberdade de religião ou convicção abrange todas as convicções, incluindo convicções teístas, não teístas e ateias;
C. Considerando que a União Europeia manifestou repetidamente o seu empenho na defesa da liberdade de pensamento, da liberdade de consciência e da liberdade de religião ou convicção e salientou que os governos têm o dever de garantir estas liberdades em todo o mundo;
D. Considerando que as Nações Unidas e outras organizações informaram que o EIIL/Daech e grupos associados cometeram violações graves e generalizadas do direito internacional em matéria de direitos humanos e do direito humanitário na Síria e no Iraque, em particular contra minorias étnicas e grupos religiosos, nomeadamente através de execuções seletivas, conversões forçadas, raptos, venda de mulheres, escravatura de mulheres e crianças, recrutamento de crianças para atentados suicidas, abuso físico e sexual e tortura; que há sérios receios quanto ao destino de todos quantos se encontram ainda sitiados nas zonas controladas pelas forças do EIIL/Daech, dado que não chega quase nenhuma assistência humanitária internacional a essas zonas;
E. Considerando que o EIIL/Daech lançou uma campanha para erradicar todos os vestígios de comunidades religiosas que não as que representam a sua própria interpretação do Islão, executando ou expulsando os seus membros e destruindo os seus locais sagrados e históricos e as suas obras de arte, incluindo património único e insubstituível reconhecido pela UNESCO como património mundial, atos que são descritos por esta organização como «limpeza cultural»;
F. Considerando que, nas zonas sob o seu controlo, o EIIL/Daech está a fazer desaparecer, de forma inaceitável e irreparável, a riqueza de civilizações milenares; que, especialmente no Iraque e na Síria, mas também noutras partes do Médio Oriente, a situação das comunidades cristãs é a tal ponto difícil que a sua própria existência está em risco, e que, se estas comunidades desaparecerem, perder-se-á uma parte importante do património religioso dos países em causa;
G. Considerando que o EIIL/Daech tem por alvo as comunidades cristã, yazidi, turcomana, xiita, shabak, sabeísta, kaka’i e sunita, que não concordam com a sua interpretação do Islão, e outras minorias étnicas e religiosas, mas que algumas destas comunidades já eram alvo de extremistas muito antes do avanço do EIIL/Daech; que os cristãos, em particular, foram deliberadamente alvo de vários grupos extremistas ou jiadistas durante muitos anos, situação que forçou mais de 70 % dos cristãos do Iraque e mais de 700 000 cristãos da Síria a abandonar os seus países;
H. Considerando que, no Iraque, os 250 000 caldeus/assírios/siríacos constituem um grupo étnico-religioso distinto e que se estima que até 40 000 assírios viviam na Síria antes da eclosão da guerra civil no país em 2011;
I. Considerando que, em 15 de fevereiro de 2015, o EIIL/Daech divulgou um vídeo que mostra a decapitação de 21 cristãos coptas de origem egípcia na Líbia; que estes coptas, que eram trabalhadores migrantes oriundos de uma parte desfavorecida do Egito, foram raptados em Sirte, na Líbia;
J. Considerando que, em 23 de fevereiro de 2015, cerca de 220 assírios foram raptadas pelo EIIL/Daech perto de Tell Tamer, na margem sul do rio Khabur, no nordeste da Síria; que, durante a mesma campanha, os extremistas também destruíram propriedades e locais sagrados dos cristãos; que dezenas de assírios foram assassinados durante o ataque do EI; que, em fevereiro de 2015, o EI terá alegadamente emitido uma declaração, em que exigia que as populações das aldeias assírias da província síria de Hasaka pagassem o jizya (um imposto aplicado às comunidades não muçulmanas que data do início do domínio islâmico e que foi abolido em 1856 em todo o império otomano), se convertessem ao Islão ou fossem executadas; que há notícias de ataques graves do EIIL/Daech a cidades assírias cristãs na zona do rio Khabur desde 9 de março de 2015;
K. Considerando que, desde 1 de março de 2015, o EIIL/Daech libertou algumas dezenas de assírios, sobretudo crianças e idosos, na sequência de negociações com chefes tribais, mas que a maioria dos assírios ainda se encontra em cativeiro e que os terroristas ameaçaram matá-los se os bombardeamentos da coligação não pararem;
L. Considerando que há notícias de que, no quadro de uma política deliberada de limpeza cultural e religiosa, o EI destruiu mais de 100 igrejas no Iraque e, pelo menos, 6 igrejas na Síria, bem como várias mesquitas xiitas no Iraque; que, em de fevereiro de 2015, combatentes do EI anunciaram a destruição deliberada de estátuas e outros objetos no museu de Mosul, que remontavam aos antigos impérios assírio e acádio; que o EI arrasou em seguida a antiga cidade assíria de Nimrud e, mais recentemente, terá destruído Hatra, património mundial da UNESCO; que há informações de que o regime sírio bombardeou igrejas em zonas controladas pela oposição, por exemplo em Homs em 2012 e em Idlib em 2013;
M. Considerando que o EIIL/Daech continua a perseguir, mutilar e assassinar, por vezes recorrendo a métodos extremamente cruéis e inimagináveis, membros de minorias étnicas e religiosas, jornalistas, prisioneiros de guerra, ativistas e outros; que outras partes envolvidas no conflito, nomeadamente o regime de Assad, continuam a perpetrar diariamente e em grande escala crimes de guerra e outras violações do direito humanitário internacional e do direito internacional em matéria de direitos humanos;
N. Considerando que o salafismo está na origem da violência do EIIL/Daech, nomeadamente a interpretação Wahabi extrema do Islão;
1. Manifesta a sua consternação e pesar face à brutalidade das ações dos extremistas do EIIL/Daech contra os assírios na Síria e os coptas na Líbia, e condena-as com veemência; manifesta a sua solidariedade para com as famílias das vítimas e a comunidade cristã assíria na Síria e a comunidade cristã copta no Egito, bem como para com todos os outros grupos e indivíduos vítimas da violência do EIIL/Daech;
2. Condena veementemente o EIIL/Daech e as flagrantes violações dos direitos humanos cometidas por este grupo, que são crimes contra a humanidade e crimes de guerra nos termos do Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (TPI) e a que se poderia dar o nome de genocídio; manifesta extrema preocupação com o facto de este grupo terrorista perseguir deliberadamente as comunidades cristã, yazidi, turcomana, xiita, shabak, sabeísta, kaka’i e sunita, que não concordam com a sua interpretação do Islão, como parte dos seus esforços para eliminar as minorias religiosas nas zonas sob o seu controlo; salienta que os autores destes atos não devem ficar impunes e que os responsáveis devem comparecer perante o TPI; recorda, neste contexto, o rapto, não solucionado, dos bispos Yohanna Ibrahim e Paul Yazigi por parte de rebeldes armados na província de Alepo, na Síria, em 22 de abril de 2013;
3. Condena, além disso, as tentativas do EIIL/Daech para exportar a sua ideologia totalitária extremista e a sua violência para outros países da região e não só;
4. Apoia os esforços internacionais de combate ao EIIL/Daech, como a ação militar da coligação internacional coordenada pelos Estados Unidos, e exorta os Estados-Membros da UE que ainda não o fizeram a considerarem formas de contribuir para estes esforços, incluindo a localização e proibição de fundos detidos secretamente pelo EIIL no estrangeiro;
5. Exorta a coligação internacional a intensificar os seus esforços para evitar o rapto de membros de minorias, como o de centenas de cristãos assírios no norte da Síria; sublinha a importância de assegurar um abrigo seguro para os caldeus/assírios/siríacos e outros grupos em risco nas Planícies de Nineveh, no Iraque, uma zona onde muitas minorias étnicas e religiosas têm historicamente uma forte presença e convivem pacificamente;
6. Insta a UE e os seus Estados-Membros a adotarem uma abordagem proativa e preventiva em relação à ameaça de expansão do EIIL/Daech a países e regiões para além do Iraque e da Síria; manifesta a sua profunda preocupação, neste contexto, com a situação na Líbia, quanto mais não seja em razão da sua proximidade geográfica relativamente à UE, bem como a zonas de conflito no continente africano;
7. Insta a UE e os seus Estados-Membros, bem como os parceiros da NATO, a abordarem a questão dos papéis ambivalentes de determinados países no conflito, em particular no caso de terem contribuído ou ainda estarem a contribuir, ativa ou passivamente, para a expansão do EIIL/Daech e de outros grupos extremistas; manifesta a sua profunda preocupação, neste contexto, com o financiamento da difusão da interpretação Wahabi do Islão por entidades públicas e privadas de países da região do Golfo, e insta estes países a porem termo a esse financiamento; exorta, além disso, estes países a deixarem de financiar organizações terroristas a partir dos seus territórios; apela à Turquia para que desempenhe um papel positivo na luta contra o EIIL/Daech e para que permita, sem demora, que as minorias cristãs e outras pessoas perseguidas que abandonam a Síria atravessem a fronteira com a Turquia e procurem um local seguro;
8. Incentiva a cooperação com as forças regionais e locais emergentes, tais como o Governo Regional do Curdistão no Iraque, os grupos curdos noutras regiões (como o YPG que teve o seu papel na libertação de Kobane) e o Conselho Militar siríaco, bem como entidades autónomas locais na região que deram provas de maior empenhamento na defesa dos direitos humanos e da democracia do que os dirigentes dos seus países; louva, em particular, a coragem das forças curdas Peshmerga que tanto fizeram para proteger as minorias ameaçadas;
9. Manifesta-se preocupado com notícias segundo as quais as minorias cristãs não têm acesso aos campos de refugiados na região, por serem demasiado perigosos; exorta a UE a garantir que a sua ajuda ao desenvolvimento chegue a todos os grupos minoritários deslocados devido ao conflito; exorta a UE a aproveitar a experiência das redes bem estabelecidas de igrejas locais e regionais, bem como das organizações internacionais de ajuda humanitária associadas às igrejas, para prestar assistência financeira ou de outra natureza e garantir que todos os grupos minoritários beneficiem da proteção e do apoio da ajuda europeia;
10. Considera indispensável que o Conselho e o Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) comecem a trabalhar com os parceiros internacionais e regionais em relação a um cenário pós-EIIL/Daech, tendo em conta a necessidade urgente de um diálogo cultural e religioso e de reconciliação;
11. Denuncia a destruição de locais culturais e de obras de arte pelo EIIL/Daech na Síria e no Iraque, o que constitui um ataque ao património cultural de todos os habitantes destes países e da humanidade em geral;
12. Insta a UE e os Estados-Membros a cooperarem com os parceiros internacionais e locais para salvaguardar, na medida do possível, o património religioso e cultural assírio, e não só, dos territórios ocupados pelo EIIL/Daech; exorta, além disso, o Conselho a tomar medidas contra o comércio ilícito de objetos antigos proveniente desses territórios;
13. Confirma e apoia o direito inalienável de todas as minorias religiosas e étnicas que vivem no Iraque e na Síria continuarem a viver nas suas pátrias tradicionais e históricas com dignidade, igualdade e em segurança, e a professarem livremente a sua religião; exorta, neste contexto, todos os Estados membros das Nações Unidas a pronunciam-se claramente contra a violência e, em particular, a favor dos direitos das minorias; considera que, para acabar com o sofrimento e o êxodo dos cristãos e de outras populações indígenas da região, é necessária uma declaração clara e inequívoca dos líderes políticos e religiosos regionais em apoio da continuação da sua presença enquanto cidadãos dos seus países e em condições de plena igualdade de direitos;
14. Rejeita sem reservas, considerando-o ilegítimo, o anúncio dos líderes do EIIL/Daech relativo à instauração de um califado nas zonas que controla atualmente; salienta que a criação e a expansão do «califado islâmico», bem como as atividades desenvolvidas por outros grupos extremistas no Médio Oriente, constituem uma ameaça direta à segurança na região e nos países europeus;
15. Confirma o seu empenho na defesa da liberdade de pensamento, de consciência e de religião ou de convicção como um direito humano fundamental, garantido por instrumentos jurídicos internacionais a que a maioria dos países do mundo aderiram e que são reconhecidos como tendo valor universal;
16. Apoia todas as iniciativas, incluindo as da UE, destinadas a promover o diálogo e o respeito mútuo entre comunidades; apela a todas as autoridades religiosas para que promovam a tolerância e tomem iniciativas contra o ódio e a radicalização violenta e extremista;
17. Insta a UE a continuar a explorar políticas de luta contra o terrorismo, no quadro dos direitos humanos, com exceção das já em vigor e a continuar a trabalhar com os Estados-Membros no sentido de reforçar as políticas de luta contra a radicalização em solo europeu, a difusão dos discursos de ódio e o incitamento à violência na Internet; exorta, além disso, os Estados‑Membros da UE a trabalharem em conjunto com o Conselho de Segurança das Nações Unidas e a Assembleia Geral da ONU, no intuito de impedir a propagação de ideologias extremistas e jiadistas em todo o mundo;
18. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, à Vice‑Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, aos governos e parlamentos dos Estados-Membros, à Coligação Nacional Síria, ao Governo e ao Parlamento do Iraque, ao Governo Regional do Curdistão no Iraque, ao Presidente da República Árabe do Egito, ao Conselho dos Deputados de Tobruk, na Líbia, e ao Governo líbio, à Liga dos Estados Árabes, ao Secretário-Geral das Nações Unidas e ao Conselho dos Direitos do Homem das Nações Unidas.