Resolução do Parlamento Europeu, de 10 de março de 2016, sobre a República Democrática do Congo (2016/2609(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta as suas resoluções anteriores sobre a República Democrática do Congo (RDC), em particular as de 9 de julho de 2015(1) e 17 de dezembro de 2015(2),
– Tendo em conta o comunicado de imprensa conjunto, de 16 de fevereiro de 2016, da União Africana, das Nações Unidas, da União Europeia e da Organização Internacional da Francofonia sobre a necessidade de um diálogo político inclusivo na RDC e o seu empenhamento em apoiar os esforços dos intervenientes congoleses na via da consolidação da democracia no país,
– Tendo em conta a declaração local da UE de 19 de novembro de 2015, após o lançamento do diálogo nacional na RDC,
– Tendo em conta a declaração de 9 de novembro de 2015 do Presidente do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a situação na RDC,
– Tendo em conta a declaração local da UE de 21 de outubro de 2015 sobre a situação dos direitos humanos na RDC,
– Tendo em conta a declaração de 12 de outubro de 2015 do porta-voz do Serviço Europeu para a Ação Externa sobre a demissão do chefe da Comissão Eleitoral na RDC,
– Tendo em conta as resoluções do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a RDC, em particular a resolução 2198 (2015) sobre a renovação do regime de sanções sobre a RDC e o mandato do Grupo de Peritos, e a resolução 2211 (2013), que renovou o mandato da Missão de Estabilização da ONU na RDC (MONUSCO),
– Tendo em conta o comunicado de imprensa conjunto de 2 de setembro de 2015 da Equipa de Enviados e Representantes da Comunidade Internacional para a região dos Grandes Lagos de África sobre as eleições na RDC,
– Tendo em conta o relatório anual de 27 de julho de 2015 do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos do Homem sobre a situação dos direitos humanos e as atividades do Gabinete conjunto das Nações Unidas para os Direitos do Homem na RDC (UNJHRO),
– Tendo em conta a declaração de 25 de janeiro de 2015 da Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (VP/HR), Federica Mogherini, na sequência da adoção da nova lei eleitoral na RDC,
– Tendo em conta o relatório de 12 de janeiro de 2015 do Grupo de Peritos das Nações Unidas para a RDC,
– Tendo em conta a Declaração de Nairobi, de dezembro de 2013,
– Tendo em conta Acordo-Quadro para a Paz, Segurança e Cooperação para a RDC e a Região, assinado em Adis Abeba em fevereiro de 2013,
– Tendo em conta a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, de 1981,
– Tendo em conta a Carta Africana sobre a Democracia, as Eleições e a Governação,
– Tendo em conta a Constituição congolesa, de 18 de fevereiro de 2006,
– Tendo em conta o Acordo de Cotonu,
– Tendo em conta o artigo 135.º, n.º 5, e o artigo 123.º, n.º 4, do seu Regimento,
A. Considerando que as próximas eleições presidenciais e legislativas, cuja realização está prevista para novembro de 2016, poderão constituir uma nova oportunidade para a transição democrática do poder;
B. Considerando que o cargo de Presidente da RDC está constitucionalmente limitado a dois mandatos;
C. Considerando que o Presidente Kabila, no poder desde 2001, foi acusado pelos seus opositores de utilizar meios técnicos e administrativos para tentar atrasar as eleições e permanecer no poder após o final do seu mandato, e ainda não declarou publicamente que se demitirá no final do mesmo; considerando que tal causou crescente tensão política, agitação e violência em todo o país;
D. Considerando que foram expressas dúvidas sobre a independência e a imparcialidade da Comissão Eleitoral Nacional Independente (CENI);
E. Considerando que, desde janeiro de 2015, funcionários dos serviços de informações e segurança congoleses têm reprimido ativistas pacíficos, dirigentes políticos e outras pessoas que se opõem às tentativas do Presidente Kabila para alterar a Constituição a fim de permanecer no poder após o limite de dois mandatos estabelecido pela Constituição; considerando que grupos de direitos humanos estão constantemente a transmitir informações sobre a degradação da situação dos direitos humanos e da liberdade de expressão e de reunião na RDC, incluindo a utilização de força excessiva contra manifestantes pacíficos e um aumento dos julgamentos por motivos políticos; considerando que a MONUSCO registou mais de 260 violações dos direitos humanos relacionadas com as eleições, essencialmente contra opositores políticos, a sociedade civil e jornalistas durante o último ano; considerando que o UNJHRO na RDC declarou ter documentado mais de 400 casos de violações dos direitos humanos, incluindo 52 detenções, desde o início de 2016;
F. Considerando que, em junho de 2015, o Presidente Kabila anunciou o lançamento de um diálogo nacional; considerando que os preparativos formais para esse diálogo ainda não começaram, uma vez que os dois principais grupos da oposição decidiram não participar por considerarem que se trata de uma tática dilatória;
G. Considerando que, em setembro de 2015, sete altos responsáveis políticos foram expulsos da coligação no poder na RDC por terem assinado uma carta em que instavam o Presidente Kabila a respeitar a Constituição e a não permanecer no poder após o termo do seu mandato; considerando que, no mesmo mês, eclodiram confrontos violentos em Kinshasa, onde uma concentração que se opunha a qualquer proposta no sentido de um terceiro mandato inconstitucional foi violentamente atacada;
H. Considerando que entre as pessoas detidas arbitrariamente se encontram Fred Bauma e Yves Makwambala, ativistas dos direitos humanos do movimento Filimbi ("apito"), ambos detidos por terem participado num seminário destinado a incentivar os jovens congoleses a exercer de forma pacífica e responsável os seus deveres cívicos, e que estão presos há 11 meses, tendo a sua libertação já sido solicitada pelo Parlamento Europeu na sua resolução de 9 de julho de 2015;
I. Considerando que os dirigentes dos principais partidos da oposição do Congo, das organizações não governamentais e dos movimentos de jovens pró-democracia convidaram os congoleses a não ir ao trabalho nem à escola em 16 de fevereiro de 2016, por ocasião do "Dia da Cidade Morta", em memória das pessoas assassinadas durante uma marcha pró-democracia em 16 de fevereiro de 1992, e a protestar contra os atrasos na organização das eleições presidenciais e o alegado desrespeito da Constituição pelo Governo;
J. Considerando que oito jovens ativistas e pelo menos 30 apoiantes da oposição política foram detidos em 16 de fevereiro de 2016 ou à volta desta data no contexto desta greve nacional, enquanto outros ativistas receberam ameaças por SMS provenientes de números de telefone desconhecidos, e que o ministro do Emprego, Willy Makiashi, proibiu os funcionários públicos de participar na greve; considerando que seis membros do movimento LUCHA foram condenados a uma pena de seis meses de prisão; considerando que os comerciantes e os funcionários que respeitaram o "Dia da Cidade Morta" viram as suas lojas seladas ou foram objeto de sanções disciplinares;
K. Considerando que a União Africana, as Nações Unidas, a União Europeia e a Organização Internacional da Francofonia salientaram conjuntamente a importância do diálogo e da procura de um acordo entre os atores políticos que respeite a democracia e o Estado de direito, e exortaram todos os intervenientes políticos congoleses a alargar a sua plena cooperação aos mediadores nomeados pela comunidade internacional;
L. Considerando que a situação é agravada pela persistência e consolidação da impunidade na RDC; considerando que a situação de segurança na RDC continua a deteriorar-se, em especial na parte oriental do país, devido à violência causada por mais de 30 grupos armados, estrangeiros e nacionais, com constantes relatos de violações dos direitos humanos e do direito internacional, incluindo ataques dirigidos especificamente contra civis, violência generalizada de cariz sexual e baseada no género, recrutamento sistemático e abuso de crianças por grupos armados e execuções extrajudiciais;
M. Considerando que se assistiu recentemente a uma deterioração da liberdade dos meios de comunicação social na RDC; considerando que funcionários governamentais têm bloqueado a liberdade de expressão, encerrando meios de comunicação social (visando especificamente os que transmitiram notícias sobre os protestos), serviços de mensagens de texto e a Internet; considerando que em fevereiro de 2016 o Governo encerrou dois canais de televisão privados em Lubumbashi; considerando que, no seu último relatório anual publicado em novembro de 2015, a organização Jornalistas em Perigo, parceira da Repórteres sem Fronteiras, apresentou uma lista de 72 casos de ataques a jornalistas e meios de comunicação social na RDC e revelou que 60 % das violações da liberdade de imprensa são perpetradas por agentes dos serviços militares ou de segurança, a Agência Nacional de Informações (ANR) ou a polícia; considerando que a transmissão das emissões de Radio France International foi suspensa para coincidir com o protesto do "Dia da Cidade Morta";
N. Considerando que o Programa Indicativo Nacional 2014-2020 para a RDC, com 620 milhões de euros de financiamento proveniente do 11.º Fundo Europeu de Desenvolvimento, confere prioridade ao reforço da governação e do Estado de direito, incluindo reformas do sistema judiciário, da polícia e das forças armadas;
1. Solicita às autoridades da RDC que se comprometam expressamente a respeitar a Constituição e a assegurar a rápida realização de eleições até ao final de 2016, em plena conformidade com a Carta Africana sobre a Democracia, as Eleições e a Governação, bem como a garantir um ambiente propício a eleições transparentes, credíveis e inclusivas; salienta que o êxito da realização das eleições será crucial para a estabilidade e o desenvolvimento a longo prazo do país;
2. Manifesta a sua profunda preocupação com a deterioração da situação da segurança e dos direitos humanos na RDC, em particular com os relatos constantes de uma violência política crescente e as graves restrições e intimidação com que se deparam os defensores dos direitos humanos, os opositores políticos e os jornalistas na perspetiva do próximo ciclo eleitoral; insiste em que cabe ao Governo a responsabilidade de evitar qualquer agravamento da atual crise política ou escalada de violência e de respeitar, proteger e promover os direitos civis e políticos dos cidadãos;
3. Condena firmemente qualquer utilização da força contra manifestantes pacíficos e desarmados; recorda que a liberdade de expressão, de associação e de reunião constitui a base de uma vida política e democrática dinâmica; condena veementemente as crescentes restrições do espaço democrático e a repressão que visa especificamente membros da oposição, a sociedade civil e os meios de comunicação social; apela à libertação imediata e incondicional de todos os presos políticos, incluindo Yves Makwambala, Fred Bauma e outros ativistas e apoiantes do Filimbi e do LUCHA, bem como o defensor dos direitos humanos Christopher Ngoyi;
4. Considera que a luta contra a impunidade é uma condição indispensável para o restabelecimento da paz na RDC; solicita que seja lançada uma investigação completa, rigorosa e transparente pelo Governo da RDC, juntamente com os parceiros internacionais, sobre as violações dos direitos humanos que ocorreram durante os protestos relacionados com as eleições, com vista a identificar quaisquer ações ilegais ou negação de direitos ou liberdades; apela a que sejam tomadas medidas a fim de assegurar que os responsáveis pelas violações dos direitos humanos, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e pela violência sexual contra as mulheres, bem como os responsáveis pelo recrutamento de crianças-soldados sejam denunciados, identificados, julgados e punidos em conformidade com o direito penal nacional e internacional;
5. Solicita à VP/AR e aos Estados-Membros que façam pleno uso de todos os instrumentos políticos, incluindo as recomendações formuladas no relatório final da missão de observação eleitoral da UE de 2011 e no relatório da missão de acompanhamento de 2014, e exerçam pressão política ao mais alto nível para impedir a propagação da violência eleitoral na RDC e uma maior desestabilização na região dos Grandes Lagos;
6. Toma nota da disponibilidade da UE e da comunidade internacional para apoiar o processo eleitoral congolês, desde que seja publicado um calendário eleitoral válido e sejam respeitadas as disposições constitucionais; considera que este apoio deve centrar-se no recenseamento dos eleitores, na formação e na garantia da segurança das eleições; insiste em que a natureza e a dimensão do apoio da UE ao processo eleitoral na RDC devem depender dos progressos realizados na aplicação das recomendações das Missões de Observação Eleitoral de 2011 e 2014, em particular no que se refere às garantias de independência da CENI, à revisão dos cadernos eleitorais, aos requisitos orçamentais e ao respeito do calendário constitucional;
7. Convida as autoridades congolesas a ratificarem a Carta Africana da Democracia, das Eleições e da Governação com a maior brevidade;
8. Salienta o papel crucial da União Africana (UA) na prevenção de uma crise política na África Central e solicita aos Estados-Membros da UA, em particular à África do Sul, que se comprometam a promover o respeito da Constituição da RDC; insta a UE a utilizar todos os seus instrumentos diplomáticos e económicos, incluindo a próxima assinatura dos Acordos de Parceria Económica, para alcançar este objetivo;
9. Recorda que a plena participação da oposição, da sociedade civil independente e dos peritos eleitorais na CENI é um fator importante para a legitimação do processo eleitoral; recorda que a CENI deve ser uma instituição imparcial; salienta que as autoridades devem colocar à disposição da CENI os recursos financeiros necessários para permitir um processo global e transparente;
10. Insta a VP/AR a intensificar o diálogo com as autoridades da RDC nos termos do artigo 8.º do Acordo de Cotonu, com o objetivo de obter esclarecimentos definitivos sobre o processo eleitoral; recorda o compromisso assumido pela RDC no âmbito do Acordo de Cotonu de respeitar a democracia, o Estado de direito e os princípios relativos aos direitos humanos, que incluem a liberdade de expressão e dos meios de comunicação social, a boa governação e a transparência nos cargos públicos; insta o Governo da RDC a respeitar estas disposições, em conformidade com os artigos 11.º-B, 96.º e 97.º do Acordo de Cotonu e, se tal não for possível, solicita à Comissão Europeia que lance o procedimento aplicável em conformidade com o disposto nos artigos 8.º, 9.º e 96.º do Acordo de Cotonu;
11. Exorta a UE a ponderar a possibilidade de impor sanções específicas aos responsáveis pela violenta repressão na RDC, incluindo a proibição de viajar e o congelamento de bens, a fim de contribuir para evitar novos atos de violência;
12. Exorta a Delegação da UE a acompanhar a evolução da situação e a utilizar todas as ferramentas e todos os instrumentos adequados, nomeadamente o Instrumento Europeu para a Democracia e os Direitos Humanos, a fim de apoiar os defensores dos direitos humanos e os movimentos pró-democracia;
13. Solicita que seja novamente designado um relator das Nações Unidas sobre os direitos humanos na RDC;
14. Recorda que a paz e a segurança são condições indispensáveis para eleições bem sucedidas; toma nota, a este respeito, da renovação do mandato da MONUSCO e apela ao reforço das suas competências no domínio da proteção civil no contexto eleitoral;
15. Reitera a sua profunda preocupação com a alarmante situação humanitária na RDC, causada em particular pelos violentos conflitos armados nas províncias orientais do país; solicita à UE e aos seus Estados-Membros que mantenham o apoio ao povo da RDC com vista a melhorar as condições de vida das populações mais vulneráveis e a fazer face às consequências da deslocação, da insegurança alimentar, das epidemias e das catástrofes naturais;
16. Condena os contínuos episódios de violência sexual no leste do Congo; observa que as autoridades congolesas instruíram nos últimos meses 20 processos por violência sexual no leste do Congo, tendo condenado 19 oficiais do exército, mas que ainda há muito a fazer; encoraja vivamente as autoridades congolesas a prosseguir a sua luta contra a impunidade, investigando os casos de violência sexual e processando os seus autores;
17. Congratula-se com a decisão das autoridades congolesas de rever os processos de adoção bloqueados desde 25 de setembro de 2013; toma nota dos trabalhos do Comité Interministerial Congolês sobre a emissão esporádica de autorizações de saída para crianças adotadas; exorta o Comité Interministerial a prosseguir o seu trabalho de forma diligente e coerente, numa atmosfera serena; insta a delegação da UE e os Estados-Membros a acompanhar de perto a situação;
18. Solicita à União Africana e à UE que assegurem um diálogo político permanente entre os países da região dos Grandes Lagos a fim de evitar uma maior desestabilização;
19. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, à Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, à União Africana, ao Presidente, ao Primeiro-Ministro e ao Parlamento da RDC, ao Secretário-Geral das Nações Unidas, ao Conselho dos Direitos do Homem da ONU e à Assembleia Parlamentar Paritária ACP-UE.