Resolução do Parlamento Europeu, de 6 de outubro de 2016, sobre o Ruanda, nomeadamente o caso de Victoire Ingabire (2016/2910(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta a sua resolução, de 23 de maio de 2013, sobre o Ruanda: o caso de Victoire Ingabire(1),
– Tendo em conta a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos (CADHP),
– Tendo em conta a Carta Africana sobre a Democracia, as Eleições e a Governação,
– Tendo em conta os princípios e as orientações em matéria de direito a um processo equitativo e a assistência judiciária em África,
– Tendo em conta a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes,
– Tendo em conta o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, de 1966, ratificado pelo Ruanda em 1975,
– Tendo em conta o resultado da Revisão Periódica Universal de 2015 relativamente ao Ruanda e as observações finais de 2016 do Comité dos Direitos do Homem das Nações Unidas,
– Tendo em conta o Acordo de Cotonu,
– Tendo em conta a Declaração da Alta Representante, Federica Mogherini, em nome da UE, sobre a reforma constitucional no Ruanda, de 3 de dezembro de 2015,
– Tendo em conta a declaração conjunta local da União, de 18 de dezembro de 2015, sobre o referendo relativo ao projeto de constituição no Ruanda,
– Tendo em conta o comunicado de imprensa, de 16 de março de 2016, das Forças Democráticas Unificadas sobre o recurso interposto pela prisioneira política Victoire Ingabire Umuhoza,
– Tendo em conta o relatório de 2015 da Freedom House sobre o Ruanda,
– Tendo em conta o relatório da Amnistia Internacional intitulado «Rwanda 2015/2016» [Ruanda 2015/2016],
– Tendo em conta o relatório da Amnistia Internacional intitulado «Justice in jeopardy: The first instance trial of Victoire Ingabire» [A justiça em perigo: o processo na primeira instância de Victoire Ingabire], de 2013,
– Tendo em conta a resposta da Vice-Presidente/Alta Representante Catherine Ashton, de 4 de fevereiro de 2013, à pergunta escrita E-010366/2012 sobre Victoire Ingabire,
– Tendo em conta a declaração da Human Rights Watch, de 29 de setembro de 2016, intitulada «Rwanda: Opposition Activist Missing» [Ruanda: Ativista da oposição desaparecida],
– Tendo em conta o relatório de 2014 do Relator Especial das Nações Unidas para a liberdade de associação e de reunião pacífica,
– Tendo em conta o artigo 135.º, n.º 5, e o artigo 123.º, n.º 4, do seu Regimento,
A. Considerando que o Ruanda é um dos poucos países africanos com um papel preponderante na aplicação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM), em particular no tocante à igualdade dos géneros, à emancipação das mulheres, à educação primária universal, à mortalidade infantil e materna, à prevalência do VIH e à sustentabilidade ambiental;
B. Considerando que o forte crescimento económico foi acompanhado de uma melhoria significativa das condições de vida, tal como demonstrado pelo facto de a mortalidade infantil ter registado uma diminuição de dois terços e de quase todas as crianças estarem inscritas no ensino primário;
C. Considerando que foram envidados esforços económicos e políticos no sentido de melhorar a economia do país e de a tornar mais industrializada e orientada para os serviços;
D. Considerando que, em 30 de outubro de 2012, Victoire Ingabire, Presidente das Forças Democráticas Unificadas (FDU), foi condenada a oito anos de prisão por conspiração contra as autoridades através de atos terroristas e por minimização do genocídio de 1994, por causa das suas relações com as Forças Democráticas de Libertação do Ruanda (FDLR);
E. Considerando que, em setembro de 2016, foi negada a uma delegação do Parlamento Europeu a possibilidade de se encontrar com Victoire Ingabire, líder da oposição detida; considerando que, embora a visita estivesse relacionada com o papel das mulheres na sociedade e a sua emancipação, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação considerou não haver «motivos especiais para autorizar que a senhora Victoire Ingabire, reclusa sujeita às disposições e diretrizes nacionais em matéria de detenção, receba uma visita dos deputados ao Parlamento Europeu em missão oficial»;
F. Considerando que a missão salientou que subsistem importantes desafios, nomeadamente em matéria de acesso à educação nas zonas rurais, de igualdade de direitos de propriedade e de acesso a empregos não agrícolas, e que a situação em matéria de direitos humanos, em particular a participação política e a liberdade de expressão no Ruanda, continua a ser preocupante, enquanto a sociedade civil independente permanece muito fraca;
G. Considerando que muitas organizações de direitos humanos denunciaram o processo na primeira instância de Victoire Ingabire, tendo em conta as graves irregularidades registadas e o tratamento iníquo de que a acusada foi vítima; considerando que, no seu relatório, a Amnistia Internacional destaca as declarações públicas prejudiciais do Presidente ruandês antes do julgamento de Victoire Ingabire, bem como a preponderância concedida às confissões de prisioneiros de Camp Kami, onde alegadamente se recorre à tortura; considerando que, depois de terem testemunhado contra Victoire Ingabire em tribunal em 2012, quatro testemunhas da acusação e coarguidos confessaram ao Supremo Tribunal, em 2013, que os seus testemunhos tinham sido falsificados;
H. Considerando que, em 13 de setembro de 2012, Victoire Ingabire Umuhoza foi nomeada – em conjunto com outras duas personalidades políticas ruandesas, a saber, Bernard Ntaganda e Deogratias Mushyayidi – para o Prémio Sakharov de 2012 do Parlamento Europeu para a Liberdade de Pensamento;
I. Considerando que, em 2015, Victoire Ingabire interpôs recurso para o Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos, acusando o Governo ruandês de violar os seus direitos; considerando que, em março de 2015, o Ruanda deixou de reconhecer a jurisdição deste tribunal, afirmando que os tribunais ruandeses eram capazes de tratar todos os casos do país; considerando que, em 29 de fevereiro de 2016, o Governo ruandês retirou a respetiva declaração ao abrigo da qual é possível apresentar queixas diretamente junto do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos, apenas alguns dias antes da audiência relativa ao caso apresentado por Victoire Ingabire contra o Governo ruandês;
J. Considerando que, de acordo com o partido de Victoire Ingabire – as Forças Democráticas Unificadas (FDU-Inkingi) –, as condições de detenção de Victoire Ingabire se deterioraram substancialmente desde abril de 2016; considerando que está a ser negado a Victoire Ingabire o direito a refeições vindas do exterior e adaptadas ao seu regime alimentar, e que o seu certificado médico foi declarado inválido;
K. Considerando que, entre outros problemas, as FDU-Inkingi ainda não se conseguiram registar legalmente como partido político, e que muitos dos seus membros têm sido ameaçados, detidos e presos;
L. Considerando que vários membros de partidos políticos da oposição estão detidos em prisões; considerando que Illuminée Iragena, enfermeira e ativista política associada às FDU-Inkingi, está desaparecida há cinco meses e que se receia pela sua segurança; considerando que Léonille Gasengayire, o tesoureiro das FDU-Inkingi, foi detido em 23 de agosto de 2016 e acusado de incitação à insurreição pública;
M. Considerando que o Ruanda ocupa o 161.º lugar entre 180 países no Índice Mundial da Liberdade de Imprensa; considerando que a liberdade de imprensa tem continuado a deteriorar-se, sendo frequente que os jornalistas independentes sejam intimidados, ameaçados e detidos; considerando que os jornalistas estrangeiros e exilados são cada vez mais alvo de tentativas de intimidação ilícitas, violência e desaparecimentos forçados por criticarem, no âmbito do respetivo trabalho, dirigentes importantes;
N. Considerando que, em outubro de 2014, o Governo suspendeu indefinidamente o serviço radiofónico em língua quiniaruanda (Kinyarwanda) da British Broadcasting Corporation (BBC), na sequência de difusão de um documentário televisivo controverso da BBC sobre o genocídio ocorrido no Ruanda em 1994;
O. Considerando que a consolidação da democracia, incluindo a garantia da independência do poder judicial e a participação dos partidos da oposição, é fundamental, nomeadamente tendo em vista a realização de eleições presidenciais em 2017;
P. Considerando que as falhas do sistema judiciário ruandês durante o processo penal de Victoire Ingabire puseram em causa a capacidade da justiça ruandesa para julgar casos políticos de grande visibilidade;
Q. Considerando que o Ruanda é um interveniente de relevo na região dos Grandes Lagos e pode assumir um papel fundamental no processo de estabilização, incluindo através da luta contra o comércio ilícito de minerais e outros recursos naturais; considerando que o relatório de 2015 do grupo de peritos das Nações Unidas sobre a República Democrática do Congo (RDC) recomenda ao Governo do Ruanda que investigue e leve a julgamento as pessoas que participem no comércio ilícito de estanho, tântalo e tungsténio, bem como no branqueamento de minerais no Ruanda provenientes da RDC;
1. Condena veementemente os julgamentos de cariz político, as ações judiciais contra opositores políticos e as sentenças previamente definidas; exorta o Governo do Ruanda a alcançar no domínio dos direitos humanos o mesmo nível de progresso económico e social, a fim de dar um passo decisivo no sentido de se tornar uma democracia moderna e inclusiva; insta as autoridades ruandesas a garantirem que o processo de recurso interposto por Victoire Ingabire seja equitativo e respeite as normas aplicáveis ao abrigo da legislação ruandesa e do Direito Internacional; salienta que os julgamentos, bem como as acusações proferidas contra pessoas acusadas, não podem assentar numa legislação vaga e imprecisa nem ser utilizados de forma abusiva, como no caso de Victoire Ingabire;
2. Manifesta a sua profunda preocupação com o indeferimento do recurso pelo Supremo Tribunal do Ruanda, a sentença em que Victoire Ingabire é condenada a 15 anos de prisão e o agravamento das suas condições de detenção; considera que o processo de recurso decorrido no Ruanda não respeitou as normas internacionais, incluindo o princípio da presunção de inocência de Victoire Ingabire;
3. Realça que a decisão de deixar de reconhecer a jurisdição do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos, tomada em março de 2016, apenas alguns dias antes da audiência relativa ao processo de recurso de Victoire Ingabire, não é uma coincidência e visa limitar o acesso direto de pessoas singulares e de ONG a esta jurisdição;
4. Recorda às autoridades ruandesas que a União, no âmbito do diálogo político oficial com o Ruanda ao abrigo do artigo 8.º do Acordo de Cotonu, manifestou as suas preocupações relativamente ao respeito pelos direitos humanos e ao direito a um julgamento equitativo; solicita que o caso de Victoire Ingabire seja revisto imediatamente e de forma imparcial, com base em factos, em conformidade com o Direito aplicável e sem restrições, influências indevidas, pressões ou ameaças; apela para que sejam respeitados os direitos de Victoire Ingabire enquanto estiver presa, incluindo o seu acesso a representação legal e a uma alimentação e tratamento adequados;
5. Condena todo e qualquer ato de intimidação, a prisão, a detenção e o julgamento de líderes, membros e ativistas de partidos da oposição, bem como de jornalistas e outras pessoas encaradas como críticos do Governo ruandês, pela simples razão de manifestarem as respetivas opiniões; exorta as autoridades ruandesas, neste contexto, a reverem e a adaptarem a legislação nacional no sentido de garantir a liberdade de expressão, em particular os artigos 451.º e 463.º do código penal, que limitam a liberdade de expressão;
6. Insta o Governo ruandês a manifestar-se disponível para investigar alegados abusos cometidos contra ativistas e jornalistas e para pôr os centros de detenção militar em conformidade com a legislação ruandesa e as normas internacionais; exorta as autoridades ruandesas a libertarem imediatamente todas as pessoas e quaisquer outros ativistas detidos ou condenados unicamente por terem exercido o respetivo direito à liberdade de expressão, associação e reunião pacífica, e a garantirem a separação dos poderes executivo, legislativo e judicial, em particular a independência da justiça;
7. Solicita às autoridades ruandesas que aumentem os esforços no sentido de investigar os casos de Illuminée Iragena, John Ndabarasa, Léonille Gasangayire e de outras pessoas em que haja suspeitas de desaparecimento forçado, e que revelem o paradeiro destas pessoas, libertem ou levem a julgamento as pessoas que estiverem detidas e garantam a equidade dos julgamentos de pessoas que sejam ou se supõe que sejam opositores ao Governo ou críticos do Governo, incluindo Frank Rusagara, Joel Mutabazi, Kizito Mihigo e respetivos coacusados;
8. Exorta as autoridades ruandesas a garantirem a realização de eleições pacíficas, credíveis e transparentes em 2017, e solicita ao Governo que colabore com a oposição no período que precede as eleições; manifesta o seu apoio ao envio de uma missão de observação eleitoral a longo prazo no âmbito das eleições presidenciais de 2017, que preste especial atenção ao espaço político e às liberdades fundamentais;
9. Recorda às autoridades ruandesas que a democracia se baseia em governos pluralistas, numa oposição que esteja ativa, na independência dos meios de comunicação e da justiça, no respeito pelos direitos humanos e na liberdade de expressão e de reunião; solicita, neste contexto, ao Ruanda que abra o seu espaço político, esteja à altura destes princípios e melhore o seu registo em matéria de direitos humanos; espera que o Ruanda dê cumprimento às recomendações de 2014 do Relator Especial das Nações Unidas para a liberdade de associação e reunião pacífica;
10. Insta as autoridades ruandesas a procederem, com caráter de urgência, à revisão da sua declaração que permite às pessoas singulares e às ONG apresentar queixas junto do Tribunal Africano dos Direitos Humanos e dos Povos, e ao seu restabelecimento para que volte a entrar em vigor;
11. Solicita à União e aos seus parceiros internacionais que continuem a apoiar o trabalho dos ruandeses no sentido de construir a paz e a estabilidade no país e em toda a região;
12. Insta a Comissão a continuar a avaliar regularmente o apoio concedido pela União às instituições públicas ruandesas, a fim de garantir que este apoio promove plenamente os direitos humanos, a liberdade de expressão e de associação, o pluralismo político e uma sociedade civil independente;
13. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, à Vice-Presidente/Alta Representante Federica Mogherini, ao Conselho de Segurança das Nações Unidas, ao Secretário-Geral das Nações Unidas, às instituições da União Africana, à Comunidade da África Oriental, à Assembleia Parlamentar Paritária ACP‑UE, aos Estados-Membros da União, aos defensores de Victoire Ingabire e ao Presidente do Ruanda.