Resolução do Parlamento Europeu, de 26 de outubro de 2016, sobre ácidos gordos trans (AGT) (2016/2637(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta o Regulamento (UE) n.º 1169/2011 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativo à prestação de informação aos consumidores sobre os géneros alimentícios(1), nomeadamente o artigo 30.º, n.º 7,
– Tendo em conta o relatório da Comissão ao Parlamento Europeu e ao Conselho, de 3 de dezembro de 2015, sobre gorduras trans nos géneros alimentícios e no regime alimentar geral da população da União (COM(2015)0619),
– Tendo em conta o relatório do Centro Comum de Investigação intitulado «Trans fatty acids in Europe: where do we stand? A synthesis of the evidence: 2003-2013» (Ácidos gordos trans na Europa: qual é a situação? Uma síntese dos elementos de prova: 2003-2013),
– Tendo em conta o parecer científico da Autoridade Europeia para a Segurança dos Alimentos (AESA), de 2009, que proporciona recomendações em matéria de ingestão alimentar de AGT,
– Tendo em conta as publicações da OMC, intituladas «The effectiveness of policies for reducing dietary transfat: a systematic review of the evidence»(2) (A eficácia das políticas de redução dos ácidos gordos trans alimentares: uma revisão sistemática dos elementos de prova), «Eliminating trans fats in Europe – A policy brief»(3) (Eliminar os ácidos gordos trans na Europa – Nota informativa) e «Effect of trans-fatty acid intake on blood lipids and lipoproteins: a systematic review and meta-regression analysis»(4) (Efeito da ingestão de ácidos gordos trans nos lípidos no sangue e nas lipoproteínas: uma revisão sistemática e análise de meta-regressão),
– Tendo em conta as perguntas dirigidas ao Conselho e à Comissão sobre ácidos gordos trans (O-000105/2016 – B8-1801/2016 e O-000106/2016 – B8-1802/2016),
– Tendo em conta a proposta de resolução da Comissão do Ambiente, da Saúde Pública e da Segurança Alimentar,
– Tendo em conta o artigo 128.º, n.º 5, e o artigo 123.º, n.º 2, do seu Regimento,
A. Considerando que os ácidos gordos trans (AGT) são um tipo específico de gorduras insaturada;
B. Considerando que embora os AGT se encontrem naturalmente nos alimentos derivados de ruminantes, como os produtos lácteos e a carne, e também em algumas plantas e produtos de origem vegetal (alho-porro, ervilhas, alface, óleo de colza), estão essencialmente presentes nos óleos vegetais parcialmente hidrogenados de produção industrial (óleos vegetais que são alterados com adição de átomos de hidrogénio e utilizados para fritar e cozer e em alimentos transformados, de forma a prolongar o prazo de validade);
C. Considerando que, por conseguinte, a ingestão de AGT é sobretudo associada ao consumo de óleos minerais parcialmente hidrogenados, produzidos industrialmente, utilizados pelo setor numa vasta gama de produtos alimentares e de bebidas (tanto géneros alimentícios pré-embalados como géneros alimentícios não pré-embalados, tais como os vendidos a granel e os alimentos servidos por serviços de restauração);
D. Considerando que a EFSA concluiu, em 2010, que os AGT provenientes de ruminantes têm efeitos semelhantes aos contidos em produtos industriais;
E. Considerando que a gordura de ruminantes contém entre 3 e 6 % de AGT;
F. Considerando que o consumo humano de AGT naturais provenientes de ruminantes é geralmente baixo e que a OMC indica que estes AGT naturais não são suscetíveis de constituir um risco para a saúde na vida real, dada a sua ingestão comparativamente baixa;
G. Considerando que a presente resolução apenas diz respeito aos ácidos gordos produzidos industrialmente;
H. Considerando que muitos restaurantes e estabelecimentos de restauração rápida recorrem aos AGT para fritar os alimentos, dado que estas gorduras são baratas e podem ser reutilizadas várias vezes nas fritadeiras industriais;
I. Considerando que são aditados ou formados AGT adicionais durante a preparação de determinados alimentos (por exemplo biscoitos, bolos, snacks salgados e alimentos fritos);
J. Considerando que o consumo frequente de óleos vegetais parcialmente hidrogenados de produção industrial tem sido associado a um aumento do risco de doenças cardiovasculares (mais do que qualquer outro fator), infertilidade, endometriose, cálculos biliares, doença de Alzheimer, diabetes, obesidade e alguns tipos de cancro;
K. Considerando que as autoridades europeias devem tomar todas as medidas necessárias para combater as causas da obesidade;
L. Considerando que o consumo elevado de AGT aumenta o risco de desenvolvimento de doenças coronárias (mais do que qualquer outro nutriente por valor calórico) – uma doença que, segundo as estimativas prudentes, é responsável por cerca de 660 mil mortes por ano na UE, ou seja, cerca de 14 % da mortalidade total;
M. Considerando que a EFSA recomenda que o consumo de AGT deve ser o mais baixo possível no contexto de uma dieta adequada do ponto de vista nutricional(5);
N. Considerando que a OMS recomenda, mais especificamente, que o consumo dos AGT seja inferior a 1 % da dose diária de energia(6);
O. Considerando que a US Food and Drug Administration (FDA, Agência Federal dos Produtos Alimentares e Farmacêuticos dos EUA) concluiu, em junho de 2015, que os óleos parcialmente hidrogenados não são «geralmente reconhecidos como seguros» para utilização na alimentação humana;
P. Considerando que, apesar da disponibilidade limitada de dados a nível da UE, um estudo recente compilou dados de apenas nove Estados-Membros e registou que o consumo médio diário de AGT é inferior a 1 % da dose diária de energia, tendo, no entanto, sido registados subgrupos específicos da população com consumos superiores em alguns desses Estados-Membros(7);
Q. Considerando que a análise dos dados públicos mais recentes confirma que, apesar da relatada redução de AGT em certos alimentos, ainda há géneros alimentícios com níveis elevados de AGT, ou seja, acima de 2 g de AGT por 100 g de matérias gordas (como bolachas ou pipocas, com valores a rondarem os 40-50 g de AGT/100 g de gordura, e géneros alimentícios não pré-embalados como, por exemplo, produtos de padaria) em alguns mercados de produtos alimentares da UE;
R. Considerando que estudos internacionais demonstram que as políticas destinadas a limitar o teor de AGT nos alimentos implicam a redução dos níveis de AGT, sem aumentar o teor total de gorduras; considerando que tais políticas são possíveis, viáveis e suscetíveis de ter um efeito positivo na saúde pública;
S. Considerando que o facto de, infelizmente, apenas um em cada três consumidores da UE dispor de conhecimentos sobre os AGT demonstra que as medidas de rotulagem não são eficazes e que têm de ser tomadas medidas para sensibilizar a opinião pública através do sistema de ensino e de campanhas nos meios de comunicação;
T. Considerando que a legislação da UE não regulamenta o teor de AGT nos produtos alimentares, nem sequer impõe a sua rotulagem;
U. Considerando que na Áustria, na Dinamarca, na Letónia e na Hungria vigora legislação que limita o teor de AGT nos géneros alimentícios, enquanto que a maioria dos outros Estados-Membros optou por medidas voluntárias, como a autorregulação, recomendações nutricionais ou critérios de composição para produtos tradicionais específicos;
V. Considerando que há provas de que a introdução, na Dinamarca, em 2003, de limites legais para os AGT industriais (impondo um limite nacional de 2 % do teor de AGT em óleos e gorduras) foi um êxito, contribuindo para uma redução significativa das mortes causadas por doenças cardiovasculares(8);
W. Considerando que a única forma de os consumidores identificarem os produtos que possam conter AGT consiste em verificar se da lista de ingredientes dos alimentos pré-embalados constam óleos parcialmente hidrogenados; considerando que, nos termos das normas atualmente em vigor na UE, a diferença entre óleos parcialmente hidrogenados (que contêm AGT, entre outros ácidos gordos) e óleos totalmente hidrogenados (sem AGT, contendo apenas ácidos gordos saturados) pode causar confusão aos consumidores, dado que o Regulamento (UE) n.º 1169/2011 exige que estas informações constem da lista de ingredientes de alimentos pré-embalados;
X. Considerando que estudos recentes demonstraram que as pessoas com um estatuto socioeconómico mais elevado têm regimes alimentares mais saudáveis do que as pessoas com um estatuto socioeconómico mais baixo e que esta diferença tem vindo a aumentar, à medida que aumentam as desigualdades sociais;
Y. Considerando, em especial, que os AGT tendem a ser utilizados em alimentos mais baratos e que, uma vez que as pessoas com rendimentos mais baixos estão mais expostas a alimentos com elevado teor de AGT, o potencial de crescentes desigualdades em matéria de saúde aumenta;
Z. Considerando que devem ser tomadas decisões adequadas a nível da UE para reduzir o consumo de AGT industriais;
AA. Considerando que determinadas organizações no domínio da saúde, assim como grupos de consumidores, associações de profissionais de saúde e empresas de alimentos apelaram(9) à Comissão para que apresente uma proposta legislativa no sentido de limitar o teor de AGT industriais nos géneros alimentícios, de forma a que fique a um nível semelhante ao estabelecido pelas autoridades dinamarquesas (ou seja, 2 g de AGT por 100 g de matérias gordas);
1. Relembra que a questão dos AGT constitui uma prioridade para o Parlamento e reitera a sua preocupação com os riscos que os AGT representam para a saúde humana;
2. Salienta que os Estados-Unidos anunciaram que, a partir de meados de 2018 e tendo em conta as conclusões de 2015 de que as gorduras trans não são, geralmente, consideradas seguras, os produtores de alimentos terão de retirar os óleos parcialmente hidrogenados dos produtos que são vendidos no mercado daquele país;
3. Recorda as provas de que os limites em termos de AGT podem trazer benefícios rápidos e significativos em termos de saúde; salienta, neste contexto, o sucesso da experiência na Dinamarca, que introduziu, em 2003, um limite nacional de 2 % de AGT em óleos e gorduras;
4. Salienta que a maior parte da população da UE – em particular as camadas mais vulneráveis – não dispõe de informação sobre os AGT e as respetivas consequências para a saúde, o que pode impedir os consumidores de fazer escolhas informadas;
5. Está preocupado com o facto de os grupos vulneráveis, entre os quais os cidadãos com menos habilitações e com estatuto socioeconómico mais baixo, bem como as crianças, serem mais propensos a consumir alimentos com um teor mais elevado de AGT;
6. Reconhece que as estratégias de redução de AGT parecem estar associadas a reduções significativas do teor de AGT nos géneros alimentícios e lamenta a ausência de uma abordagem relacionada com os AGT harmonizada ao nível da UE; salienta que as ações individuais dos Estados‑Membros irão criar uma «manta de retalhos» de regulamentação, o que pode dar origem, em matéria de saúde, a efeitos diferentes de um Estado-Membro para outro e, além disso, prejudicar o bom funcionamento do mercado único e a inovação na indústria alimentar;
7. Considera que as medidas não devem ser tomadas exclusivamente a nível nacional e que as medidas da UE são necessárias para que o nível médio de ingestão de AGT seja consideravelmente reduzido;
8. Salienta que, segundo a OMS(10), a rotulagem dos ácidos gordos trans é suscetível de ser a medida cuja aplicação eficaz é a mais dispendiosa, enquanto que o impacto financeiro da proibição de ácidos gordos trans têm sido mínimo em países que aplicaram tais proibições, dada a baixa taxa de execução e os custos de acompanhamento;
9. Considera que a falta de conhecimentos dos consumidores no que respeita aos efeitos prejudiciais dos AGT na saúde faz da rotulagem obrigatória um instrumento importante mas insuficiente, em comparação com os limites obrigatórios, na tentativa de reduzir o consumo de AGT dos cidadãos da UE;
10. Salienta igualmente, a este respeito, que uma estratégia em matéria de rotulagem dos AGT apenas se aplica a determinados tipos de alimentos, não abrangendo os alimentos não embalados, nem os alimentos servidos por restaurantes;
11. Solicita à Comissão Europeia que estabeleça o mais rapidamente possível um limite legal para os AGT industriais (tanto enquanto ingrediente como produto final) em todos os produtos alimentares, a fim de reduzir o seu consumo por todos os grupos da população;
12. Solicita que essa proposta seja apresentada no prazo de dois anos;
13. Solicita que essa proposta seja acompanhada de uma avaliação de impacto destinada a calcular os custos da reformulação industrial que possam resultar da imposição de limites obrigatórios e a avaliar o risco de esses custos serem suportados pelos consumidores;
14. Assinala, a este respeito, o anúncio da Comissão de que irá realizar uma avaliação de impacto aprofundada para avaliar os custos e benefícios das diferentes opções em matéria de limites e insta a Comissão a ter especificamente em conta o efeito destes nas PME;
15. Insta o setor da indústria alimentar a privilegiar soluções alternativas que respeitem as normas de saúde e ambientais como, por exemplo, a utilização de óleos melhorados, os novos processos de modificação de gorduras ou a combinação de ingredientes de substituição dos AGT (fibras, celuloses, amidos, misturas proteicas, etc.);
16. Convida ainda a Comissão a colaborar com os Estados-Membros com vista a aumentar os conhecimentos no domínio da nutrição, incentivando os consumidores e permitindo-lhes fazer escolhas alimentares mais saudáveis, e a colaborar com a indústria para promover a reformulação dos seus produtos;
17. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho e à Comissão.
Mouratidou et al. «Trans Fatty acids in Europe: where do we stand?» (Ácidos gordos trans na Europa: qual é a situação?) JRC Science and Policy Reports 2014 doi:10.2788/1070.
Brandon J. et al. «Denmark’s policy on artificial trans fat and cardiovascular disease» (A política da Dinamarca em matéria de ácidos gordos trans artificiais e doenças cardiovasculares), Am J Prev Med 2015 (impresso).