Resolução do Parlamento Europeu, de 23 de novembro de 2016, sobre as línguas gestuais e os intérpretes profissionais de língua gestual (2016/2952(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta os artigos 2.º, 5.º, 9.º, 10.º, 19.º, 168.º e 216.º, n.º 2, do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE) e os artigos 2.º e 21.º do Tratado da União Europeia (TUE),
– Tendo em conta a Carta dos Direitos Fundamentais da UE,
– Tendo em conta a sua resolução, de 17 de junho de 1988, sobre linguagens gestuais para pessoas portadoras de deficiência auditiva(1) e a sua resolução, de 18 de novembro de 1998, sobre linguagens gestuais(2),
– Tendo em conta a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (CDPD), bem como a sua entrada em vigor na UE em 21 de janeiro de 2011, em conformidade com a Decisão 2010/48/CE do Conselho, de 26 de novembro de 2009, relativa à celebração, pela Comunidade Europeia, da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência(3),
– Tendo em conta a sua resolução, de 7 de julho de 2016, sobre a aplicação da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, em especial no que se refere às observações finais da Comissão CDPD das Nações Unidas(4),
– Tendo em conta o Comentário Geral n.º 4 (2016) do Comité da ONU para os Direitos das Pessoas com Deficiência sobre o direito a uma educação inclusiva(5),
– Tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos,
– Tendo em conta a Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional («Diretiva relativa à igualdade no emprego»)(6),
– Tendo em conta a Diretiva 2005/36/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 7 de setembro de 2005, relativa ao reconhecimento das qualificações profissionais(7),
– Tendo em conta a sua resolução, de 12 de abril de 2016, sobre «Erasmus+ e outros instrumentos para fomentar a mobilidade no ensino e na formação profissionais – uma abordagem de aprendizagem ao longo da vida»(8),
– Tendo em conta o documento de orientação política do Fórum Europeu da Juventude sobre a igualdade e a não discriminação(9),
– Tendo em conta a proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 2 de dezembro de 2015, relativa à aproximação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas dos Estados-Membros no que respeita aos requisitos de acessibilidade dos produtos e serviços (COM(2015)0615),
– Tendo em conta a proposta de diretiva do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de dezembro de 2012, relativa à acessibilidade dos sítios Web dos organismos do setor público (COM(2012)0721),
– Tendo em conta a Diretiva 2010/64/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal(10),
– Tendo em conta as Orientações em Matéria de Resultados de Aprendizagem e Avaliação do Fórum Europeu de Intérpretes de Língua Gestual (efsli) para a igualdade de oportunidades de formação para os intérpretes de língua gestual e a prestação de serviços de qualidade às pessoas surdas em toda a União(11),
– Tendo em conta as orientações do efsli/EUD em matéria de intérpretes de língua gestual para as reuniões internacionais ou a nível europeu(12),
– Tendo em conta as orientações da AIIC para os intérpretes de língua falada que trabalham em equipas mistas(13),
– Tendo em conta o relatório do efsli sobre o direito a serviços de interpretação em língua gestual no âmbito do emprego ou de estudos no estrangeiro(14),
– Tendo em conta o artigo 123.º, n.º 2, do seu Regimento,
A. Considerando que, como cidadãos de pleno direito, todas as pessoas com deficiência, em particular as mulheres e as crianças, incluindo as pessoas surdas e as pessoas com deficiência auditiva, incluindo as que utilizam e as que não utilizam a língua gestual, beneficiam dos mesmos direitos e têm o direito inalienável à dignidade, à igualdade de tratamento, à vida independente, à autonomia e à plena participação na sociedade;
B. Considerando que o TFUE estabelece que a União, na definição e execução das suas políticas e ações, tem por objetivo combater a discriminação em razão da deficiência (artigo 10.º) e que lhe atribui poderes para adotar legislação para combater esse tipo de discriminação (artigo 19.º);
C. Considerando que os artigos 21.º e 26.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia proíbem explicitamente a discriminação em razão da deficiência e garantem a igualdade de participação na sociedade das pessoas com deficiência;
D. Considerando que existem cerca de um milhão de utilizadores de língua gestual na UE(15) e 51 milhões de cidadãos com deficiência auditiva(16), muitos dos quais são também utilizadores de língua gestual;
E. Considerando que as línguas gestuais nacionais e regionais são línguas naturais de pleno direito, com a sua própria gramática e sintaxe, tal como as línguas faladas(17);
F. Considerando que a política de multilinguismo da UE promove a aprendizagem de línguas estrangeiras e que um dos seus objetivos é que todos os europeus falem duas línguas para além da sua língua materna; considerando que a aprendizagem e a promoção das línguas gestuais nacionais e regionais poderiam apoiar este objetivo;
G. Considerando que a acessibilidade é uma condição prévia para que as pessoas com deficiência possam viver de forma independente e participar de forma plena e igual na sociedade(18);
H. Considerando que a acessibilidade não se limitar apenas à acessibilidade física do ambiente, mas é extensível à acessibilidade da informação e comunicação, incluindo sob a forma do fornecimento de conteúdos em língua gestual(19);
I. Considerando que as tarefas e missões dos intérpretes profissionais de língua gestual são iguais às dos intérpretes de língua falada;
J. Considerando que a situação dos intérpretes de língua gestual é diferente de Estado-Membro para Estado-Membro, desde um apoio familiar informal até intérpretes profissionais, diplomados do ensino superior e plenamente qualificados;
K. Considerando que faltam intérpretes qualificados e profissionais de língua gestual em todos os Estados-Membros e que a relação entre utilizadores de língua gestual e intérpretes de língua gestual varia entre 8:1 e 2500:1, sendo a média de 160:1(20);
L. Considerando que foi apresentada uma petição(21) que solicita que o Parlamento permita apresentar petições nas línguas gestuais nacionais e regionais da UE;
M. Considerando que a Declaração de Bruxelas sobre as Línguas Gestuais na União Europeia(22) promove uma abordagem não discriminatória em relação à utilização de uma língua gestual, conforme previsto na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, que foi ratificada pela UE e por todos os Estados-Membros da UE exceto um;
N. Considerando que o nível e a qualidade da legendagem nos canais de televisão públicos e privados variam consideravelmente de Estado-Membro para Estado-Membro, desde menos de 10 % a quase 100 %, com um nível de qualidade muito variável(23); considerando que faltam dados, na maior parte dos Estados-Membros, sobre o nível de interpretação em língua gestual na televisão;
O. Considerando que o desenvolvimento de novas tecnologias linguísticas poderia beneficiar os utilizadores de língua gestual;
P. Considerando que, nos termos da CDPD, a recusa de adaptações razoáveis, constitui uma discriminação e que, nos termos da diretiva relativa à igualdade no emprego, devem ser realizadas adaptações razoáveis para garantir o respeito do princípio da igualdade de tratamento;
Q. Considerando que não existe atualmente nenhuma possibilidade de comunicação direta das pessoas surdas, com surdocegueira ou com deficiência auditiva com os deputados do Parlamento Europeu e os funcionários das instituições da União Europeia e, vice-versa, das pessoas surdas ou com deficiência auditiva do interior para o exterior das instituições da UE;
Intérpretes qualificados e profissionais de língua gestual
1. Salienta a necessidade de intérpretes qualificados e profissionais de língua gestual, que só pode ser satisfeita com a seguinte abordagem:
a)
Reconhecimento oficial das línguas gestuais nacionais e regionais nos Estados-Membros e nas instituições da UE,
b)
Formação académica (universitária ou similar, equivalente a 3 anos de estudos a tempo inteiro, correspondente à formação necessária aos intérpretes de língua falada)(24),
c)
Registo (sistema de acreditação oficial e controlo de qualidade, como o desenvolvimento profissional contínuo),
d)
Reconhecimento formal da profissão;
2. Reconhece que a prestação de serviços de interpretação de língua gestual de elevada qualidade:
a)
Depende de uma análise objetiva da qualidade, que envolva todos os atores,
b)
Tem por base as qualificações profissionais,
c)
Envolve a intervenção de especialistas representantes das pessoas surdas,
d)
Depende da disponibilidade de recursos suficientes para formar e contratar intérpretes de língua gestual;
3. Reconhece que a interpretação em língua gestual é um serviço profissional que exige uma remuneração adequada;
Distinção entre acessibilidade e adaptações razoáveis(25)
4. Está ciente de que a acessibilidade se traduz em benefícios para determinados grupos e se baseia num conjunto de normas que são aplicadas de forma gradual;
5. Está consciente de que a desproporcionalidade das medidas ou os seus encargos indevidos não são aduzíveis para justificar a não adoção das medidas de acessibilidade;
6. Reconhece que as medidas de adaptação razoável se referem a uma pessoa e são complementares ao dever de adotar as medidas de acessibilidade;
7. Observa também que uma pessoa pode solicitar a adoção de medidas de adaptação razoável, mesmo que o dever de adotar as medidas de acessibilidade tenha sido cumprido;
8. Entende que a prestação do serviço de interpretação em língua gestual pode constituir uma medida de acessibilidade ou uma medida de adaptação razoável, consoante a situação;
Acessibilidade
9. Salienta que as pessoas surdas, com surdocegueira ou com deficiência auditiva devem ter acesso à mesma informação e comunicação que os seus pares, através da interpretação em língua gestual, da legendagem, da transcrição da fala para escrita e/ou formas alternativas de comunicação oral, incluindo intérpretes orais;
10. Salienta que os serviços públicos e estatais, incluindo os seus conteúdos em linha, devem ser acessíveis através de intermediários em pessoa, como intérpretes em língua gestual in loco, mas também através de serviços alternativos pela Internet e à distância, se adequado;
11. Reitera o seu compromisso de tornar o processo político tão acessível quanto possível, incluindo através da disponibilização de intérpretes profissionais de língua gestual; observa que isto inclui as eleições, as consultas públicas e outros eventos, se adequado;
12. Salienta o papel crescente das tecnologias linguísticas na garantia da igualdade de acesso para todos ao espaço digital;
13. Reconhece a importância de adotar normas mínimas para garantir a acessibilidade, em especial tendo em conta as tecnologias novas e emergentes, como a prestação de serviços de interpretação de língua gestual e de serviços de legendagem na Internet;
14. Observa que, ao mesmo tempo que a prestação de cuidados de saúde é da competência dos Estados-Membros, estes devem responder às necessidades dos doentes surdos, com surdocegueira e com deficiência auditiva, por exemplo facultando intérpretes profissionais de língua gestual e sensibilizando o pessoal através de ações de formação, com particular atenção para as mulheres e crianças;
15. Reconhece que a igualdade de acesso à justiça para as pessoas surdas, com surdocegueira ou com deficiência auditiva só pode ser assegurada por meio de intérpretes profissionais de língua gestual devidamente qualificados;
16. Está consciente da importância de dispor de serviços que assegurem uma interpretação e uma tradução exatas e precisas, em especial em tribunal e noutros contextos jurídicos; reitera, por conseguinte, a importância de dispor de intérpretes profissionais, especializados e altamente qualificados de língua gestual, em particular nesses contextos;
17. Salienta a necessidade de aumentar o apoio e de medidas específicas, como a interpretação em língua gestual e informações textuais acessíveis, em tempo real sobre a ocorrência de desastres, para as pessoas com deficiência, em situações de conflito armado, emergências humanitárias e ocorrência de desastres naturais(26);
Emprego, educação e formação
18. Observa que devem ser tomadas medidas de adaptação razoável, incluindo a disponibilização de intérpretes profissionais de língua gestual, com vista a assegurar a igualdade de acesso ao emprego, à educação e à formação;
19. Salienta que devem ser disponibilizadas informações equilibradas e holísticas sobre a língua gestual e o que significa ser surdo, para que os pais possam fazer escolhas conscientes no superior interesse dos seus filhos;
20. Salienta que os programas de intervenção precoce são essenciais no desenvolvimento das competências de vida das crianças, incluindo as competências linguísticas; observa, além disso, que esses programas devem incluir, de preferência, pessoas surdas como exemplos;
21. Salienta que os estudantes surdos, com surdocegueira ou com deficiência auditiva e os seus pais devem ter a possibilidade de aprender a língua gestual nacional ou regional do seu ambiente no ensino pré-escolar e na escola(27);
22. Salienta que a língua gestual deveria ser incluída nos currículos escolares, de forma a sensibilizar as pessoas para a língua gestual e aumentar a sua utilização;
23. Salienta que devem ser tomadas medidas para reconhecer e promover a identidade linguística das pessoas surdas(28);
24. Exorta os Estados-Membros a incentivar a aprendizagem da língua gestual como a das línguas estrangeiras;
25. Salienta que a existência de intérpretes qualificados de língua gestual e de pessoal docente com competências em língua gestual e com capacidade para trabalhar eficazmente em contextos educativos inclusivos bilingues é um fator essencial para a obtenção de bons resultados académicos por parte das crianças e dos jovens adultos surdos, que se traduz em melhores resultados escolares e taxas de desemprego mais baixas, a longo prazo;
26. Chama a atenção para a grande falta de manuais bilingues gestuais e de materiais didáticos em formatos e línguas acessíveis;
27. Insta a que o princípio da livre circulação das pessoas surdas, com surdocegueira e com deficiência auditiva na UE seja garantido, em especial no contexto do programa Erasmus+ e dos programas de mobilidade afins, assegurando que os participantes não sejam sobrecarregados de forma desproporcionada, devido à necessidade de providenciar os seus próprios meios de interpretação;
28. Congratula-se com o projeto-piloto «Cartão Europeu de Pessoas com Deficiência»; lamenta a exclusão da interpretação em língua gestual deste projeto, dado que isto obsta significativamente à liberdade de circulação dos trabalhadores e estudantes surdos, com surdocegueira e com deficiência auditiva na UE;
Instituições da União Europeia
29. Reconhece que as instituições da UE devem ser um exemplo de boas práticas para o seu pessoal, os seus eleitos e os seus estagiários e perante os cidadãos da UE, no que diz respeito à adoção das medidas de adaptação razoável e das medidas de acessibilidade, o que inclui a disponibilização de interpretação em língua gestual;
30. Congratula-se com o facto de as instituições da UE já assegurarem uma acessibilidade ad hoc nos eventos públicos e nas reuniões das comissões; considera que a legendagem e a transcrição da fala para escrita devem ser consideradas medidas alternativas mas igualmente válidas e necessárias para as pessoas com deficiência auditiva que não utilizam a língua gestual, e que estas medidas são também relevantes para os trabalhadores das instituições da UE, na perspetiva da adoção de medidas de adaptação razoável nos termos do artigo 5.º da Diretiva 2000/78/CE, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional;
31. Reconhece que existem disposições nas instituições da UE com vista a assegurar a interpretação em língua gestual, através dos respetivos serviços de interpretação, para efeitos de acessibilidade; insta as instituições a utilizar também estas disposições para as adaptações razoáveis necessárias ao seu pessoal e/ou aos seus eleitos, minimizando assim os encargos administrativos pessoais e os suportados pelas instituições;
32. Exorta vivamente as instituições a conceder formalmente o mesmo estatuto aos intérpretes de língua gestual que aos intérpretes de língua falada, no que diz respeito aos serviços de interpretação prestados às instituições e/ou ao seu pessoal e aos seus eleitos, incluindo o acesso a apoio tecnológico, ao material preparatório e aos documentos;
33. Exorta o Eurostat a assegurar o fornecimento de estatísticas sobre as pessoas surdas, com surdocegueira e com deficiência auditiva que utilizam a língua gestual às instituições da UE, para que estas possam definir, aplicar e analisar melhor a sua política para as pessoas com deficiência e a sua política linguística;
34. Insta o Serviço de Visitantes do Parlamento a responder às necessidades dos visitantes surdos, com surdocegueira e com deficiência auditiva, facultando-lhes um acesso direto numa língua gestual nacional ou regional e serviços de transcrição da fala para escrita;
35. Convida as instituições a aplicarem integralmente o projeto-piloto INSIGN da EU, que responde à decisão do Parlamento de 12 de dezembro de 2012 relativa à implementação de uma aplicação e de um serviço de língua gestual em tempo real e que visa melhorar a comunicação entre as pessoas surdas e com deficiência auditiva e as instituições da UE(29);
o o o
36. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão e aos governos e parlamentos dos Estados-Membros.
Brentari, D., ed. (2010) Sign Languages. Cambridge University Press.Pfau, R., Steinbach M. & Bencie W., eds. (2012) Sign Language: An International Handbook. De Gruyter.
EFHOH (2015). «State of subtitling access in EU» (estado do acesso à de legendagem na UE). Disponível em: http://media.wix.com/ugd/c2e099_0921564404524507bed2ff3648781a3c.pdf
Efsli (2013), Learning Outcomes for Graduates of a Three Year Interpreting Training Programme (resultados de aprendizagem para os diplomados de um programa de formação em interpretação de três anos).
Comentário Geral n.º 4, Comité dos Direitos das Pessoas com Deficiência, CRPD/C/GC/4, disponível em: http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/CRPD/GC/RighttoEducation/CRPD-C-GC-4.doc