Resolução do Parlamento Europeu, de 18 de maio de 2017, sobre o Sudão do Sul (2017/2683(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta as suas resoluções anteriores sobre o Sudão e o Sudão do Sul,
– Tendo em conta a declaração de 8 de maio de 2017 da Troica (Estados Unidos, Reino Unido e Noruega) e da UE sobre a situação no Sudão do Sul,
– Tendo em conta a declaração de 29 de abril de 2017 do porta-voz do Secretário-Geral das Nações Unidas sobre o Sudão do Sul,
– Tendo em conta o relatório final de 13 de abril de 2017 do Grupo de Peritos do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre o Sudão do Sul,
– Tendo em conta a declaração de 25 de março de 2017 na sequência da 30.ª cimeira extraordinária da Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD) sobre o Sudão do Sul,
– Tendo em conta o resultado da 34.ª sessão do Conselho dos Direitos Humanos, reunido em Genebra entre os dias 27 de fevereiro de 24 de março de 2017,
– Tendo em conta a declaração de 23 de março de 2017 do Presidente do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre o Sudão do Sul,
– Tendo em conta a declaração da Comissão ao Parlamento Europeu de 1 de fevereiro de 2017,
– Tendo em conta a Resolução 2327 (2016) do Conselho de Segurança das Nações Unidas de 16 de dezembro de 2016,
– Tendo em conta as conclusões do Conselho Europeu sobre o Sudão do Sul de 12 de dezembro de 2016,
– Tendo em conta o relatório humanitário do Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários das Nações Unidas de 9 de maio de 2017,
– Tendo em conta o Acordo da IGAD sobre a Resolução do Conflito na República do Sudão do Sul (ARCSS) de 17 de agosto de 2015,
– Tendo em conta o Acordo de Paz Global para o Sudão (CPA) de 2005,
– Tendo em conta o Acordo de Cotonu revisto,
– Tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos do Homem,
– Tendo em conta o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos,
– Tendo em conta a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos,
– Tendo em conta o Tratado sobre o Comércio de Armas,
– Tendo em conta o artigo 135.º, n.º 5, e o artigo 123.º, n.º 4, do Regimento,
A. Considerando que o Sudão do Sul tem vindo a ser palco de uma guerra civil que já dura há 3 anos e que irrompeu depois de Slava Kiir, Presidente do país e membro do grupo étnico Dinka, ter acusado o seu Vice-Presidente deposto, Riek Machar, de etnia Nuer, de tentativa de golpe de Estado; que Riel Machar negou estar envolvido nessa tentativa de golpe;
B. Considerando que, apesar da assinatura do ARCSS, em agosto de 2015, continua a verificar-se um total desrespeito pelos direitos humanos internacionais e pelo direito humanitário, assim como a falta de responsabilização por violações e abusos perpetrados durante o conflito;
C. Considerando que, em resultado da guerra civil, o país está a ser atingido pela fome e a assistir ao colapso da sua economia, que 3,6 milhões de pessoas foram forçadas a deixar as suas casas e 4,9 milhões de pessoas se encontram em situação de insegurança alimentar; considerando que as necessidades humanitárias continuam a aumentar e a atingir níveis alarmantes, estimando-se que 7,5 milhões de pessoas necessitam de ajuda humanitária e que mais de um milhão de pessoas estão atualmente a ser alojadas em abrigos fornecidos pelas Nações Unidas; considerando que as agências das Nações Unidas reforçaram o seu apelo para o envio de ajuda humanitária, estimando em 1,4 mil milhões de dólares o montante necessário para ajudar a aliviar níveis de sofrimento «inimagináveis»; considerando que, até agora, apenas 14 % dessas necessidades estão a ser colmatadas;
D. Considerando que, nas condições atuais, até ao final de 2017, metade da população do país terá sido deslocada ou perdido a vida; considerando que se desconhece o número de pessoas que foram mortas em resultado da violência;
E. Considerando que, de acordo com o mais recente relatório do Grupo de Peritos das Nações Unidas, o Governo do Sudão do Sul é um dos principais responsáveis por atos de violência e violações dos direitos humanos no país, considerando-se que a fome, provocada pelo Homem, resulta em grande parte do facto de o Governo desperdiçar dinheiro na compra de armas;
F. Considerando que, nas últimas semanas, as ofensivas perpetradas pelo Governo em Yuai, Waaat, Tonga e Kodok tiveram consequências humanitárias devastadoras, provocando a deslocação de entre 50 mil e 100 mil pessoas; considerando que esses eventos ocorrem na sequência da morte de vários civis no dia em 8 de abril de 2017, na cidade ocidental de Wau, num ato de punição coletiva motivado por origens étnicas e opiniões políticas; considerando que as forças governamentais continuam a visar a população civil, em violação do direito dos conflitos armados, e que se opuseram à missão da ONU destinada a proteger civis;
G. Considerando que o Governo provocou a destruição de hospitais e clínicas, o que constitui um crime de guerra; considerando que hospitais e clínicas tiveram de encerrar devido ao roubo de equipamentos, o que deixou as pessoas sem acesso a cuidados médicos vitais;
H. Considerando que, no Sudão do Sul, cerca de uma em cada três escolas foi destruída, danificada, ocupada ou encerrada, o que terá um impacto significativo na educação de toda uma geração de crianças; que, de acordo com as estimativas, mais de 600 mil crianças com menos de cinco anos de idade sofrem de malnutrição aguda;
I. Considerando que cerca de dois milhões de crianças fugiram do país, o que representa 62 % dos refugiados que deixaram o Sudão do Sul, e que o conflito provoca nessas crianças traumas insuportáveis, stress e turbulências emocionais; considerando que cerca de 17 mil crianças, na sua maioria rapazes, foram recrutadas ou utilizadas como soldados por forças e grupos armados no país; que, milhares de crianças foram assassinadas, deslocadas ou ficaram órfãs;
J. Considerando que as mulheres e as raparigas são sistematicamente violadas e raptadas como arma de guerra, e que, de acordo com o resultado de um inquérito das Nações Unidas, 70 % das mulheres que vivem em campos para pessoas deslocadas internamente em Juba foram violadas, na sua grande maioria, pela polícia ou por soldados;
K. Considerando que, devido à instabilidade que reina nos países vizinhos, o Sudão do Sul acolhe também 270 mil refugiados do Sudão, da República Democrática do Congo (RDC), da Etiópia, e da República Centro-Africana (RCA);
L. Considerando que, em junho de 2016, a Organização Mundial da Saúde declarou um surto de cólera que já afetou milhares de pessoas e que, de acordo com as informações disponíveis, se tem vindo a alastrar nas últimas semanas; considerando que muitas mortes provocadas pela cólera, pelo sarampo, pela malária, pela diarreia e as doenças respiratórias agudas são resultado da pobreza extrema e das condições de vida lamentáveis no país e que muitas mortes poderiam ter sido evitadas se as pessoas tivessem acesso a cuidados de saúde;
M. Considerando que o ARCSS prevê que o mandato do Governo de Transição de Unidade Nacional (TGNU) cesse funções na sequência das eleições de agosto de 2018;
N. Considerando que, de acordo com a ONU e outros relatórios credíveis, intermediários baseados em Estados-Membros da UE e num grande número de países terceiros transferiram helicópteros e metralhadoras a fações armadas no Sudão do Sul, e que disponibilizaram ainda apoio logístico militar; considerando que o arrastamento do conflito provocou o aparecimento de novos grupos armados e a militarização da sociedade;
O. Considerando que o número de ataques contra comboios e pessoal humanitário é extremamente preocupante; considerando que, desde dezembro de 2013, pelo menos 79 trabalhadores humanitários foram mortos; considerando que, mais recentemente, em março de 2017, seis trabalhadores humanitários e os respetivos motoristas foram mortos naquele que foi considerado o ataque contra trabalhadores de ajuda humanitária mais mortífero até à data;
P. Considerando que, em 21 de fevereiro de 2017, a Comissão anunciou um pacote de ajuda de emergência no valor de 82 milhões de euros na sequência do surto de fome; considerando que a UE é um dos principais doadores do país, tendo estado, em 2016, na origem de mais de 40 % do financiamento destinado a ajuda humanitária e ao apoio de programas de salvamento, e que disponibilizou 381 milhões de euros em ajuda humanitária desde o início do conflito, em 2013;
1. Manifesta profunda preocupação face ao conflito em curso no Sudão do Sul; solicita que se ponha imediatamente termo a todas as operações militares e recorda, mais uma vez, ao Presidente Salva Kiir, bem como ao antigo Vice-Presidente, Riek Machar, as obrigações que lhes incumbem por força do ARCSS; insta o Presidente Kiir a cumprir imediatamente o seu compromisso no sentido de um cessar-fogo unilateral, como transmitido aos Chefes de Estado da IGAD em 25 de março de 2017;
2. Apela à cessação total e imediata, por todas as partes nos conflitos armados, de todos os atos de violência sexual contra civis, especialmente contra mulheres e raparigas; relembra que a violação como arma de guerra constitui um crime de guerra punível ao abrigo do direito internacional; insta o Governo do Sudão do Sul a proteger todos os grupos vulneráveis, a fazer comparecer perante a justiça os autores dos crimes e a pôr termo à impunidade das forças policiais e militares;
3. Denuncia todos os ataques contra civis e trabalhadores das organizações humanitárias, salientando que os ataques contra estes últimos perturbam as operações de salvamento e assistência; sublinha que não pode haver uma solução militar para o conflito e que o Governo do Sudão do Sul tem de assegurar que existe um cessar-fogo significativo que demonstre um verdadeiro compromisso para com a paz e a estabilidade; considera que um compromisso com a paz deve ir além da simples cessação das hostilidades e incluir a retirada das tropas, o desmantelamento das milícias étnicas, a concessão de ajuda humanitária sem entraves e a libertação de prisioneiros políticos;
4. Manifesta profunda preocupação face à grave situação humanitária em todo o país, que continua a deteriorar-se; insta portanto, mais uma vez, a UE e os seus Estados-Membros a aumentarem a ajuda humanitária, por forma a reduzir a fome, e a pressionarem o Governo do Sudão do Sul de modo a assegurar que as vias de aprovisionamento de ajuda humanitária permaneçam abertas;
5. Lamenta o recrutamento de crianças para conflitos armados por todas as partes no conflito no Sudão do Sul; sublinha que o recrutamento de crianças pelas partes num conflito constitui um crime de guerra pelo qual os comandantes devem ser penalmente condenados; adverte que toda uma geração de jovens corre agora o risco de ser afetada por perturbações e traumas emocionais graves e de não obter qualquer instrução; apela a que os programas humanitários e de desenvolvimento da UE contribuam para proporcionar ensino básico e aconselhamento e reabilitação a longo prazo; condena veementemente a utilização de instalações escolares para operações militares;
6. Insta o Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE) e a Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (VP/AR) a utilizarem todos os recursos disponíveis para que a ONU, a União Africana (UA) e a IGAD participem no lançamento de um novo processo político com vista a um cessar-fogo permanente e à plena aplicação dos capítulos em matéria de segurança e governação do acordo de paz;
7. Considera que a UA, apoiada pela UE e pelos seus Estados-Membros, deve desempenhar um papel ativo na mediação de uma solução política para alcançar uma paz duradoura no Sudão do Sul, nomeadamente através da atribuição de mais recursos ao enviado da UA para o Sudão do Sul, Alpha Oumar Konare; apoia os pedidos com vista à realização de uma conferência internacional organizada pela Comissão da UA, com a participação das Nações Unidas e da IGAD, tendo como objetivo unificar e conciliar os esforços internacionais no sentido de pôr termo à guerra no Sudão do Sul;
8. Reitera o seu total apoio ao trabalho do Representante Especial das Nações Unidas para o Sudão do Sul e ao mandato da Missão das Nações Unidas no Sudão do Sul (UNMISS) e à sua força de proteção regional, que têm a tarefa de proteger os civis e impedir a violência contra os mesmos e criar as condições necessárias para a prestação da ajuda humanitária; insta todas as partes a facilitarem a implementação rápida de uma força de proteção regional ativa mandatada pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, tendo como objetivo reforçar a presença ativa da UNMISS, e exorta os Estados -Membros e a VP/AR a reforçarem urgentemente e de forma significativa as capacidades europeias da UNMISS;
9. Sublinha, com caráter de urgência, a necessidade de criar um tribunal híbrido para o Sudão do Sul, que implique a adoção de estatutos jurídicos por parte da UA e a prestação de assistência com recursos da ONU e da UE; recorda que este aspeto faz parte do acordo de paz de 2016, pelo que não deve estar aberto a renegociação;
10. Insiste em que, para ser construtivo e inclusivo, o processo de diálogo nacional deve cumprir critérios de referência claros, nomeadamente uma liderança neutra e a inclusão de grupos da oposição e cidadãos do Sudão do Sul que residem fora do país, e que, para ser legítimo e eficaz, deve incluir igualmente representantes de todas as partes envolvidas no conflito e outras partes interessadas do Sudão do Sul, incluindo representantes das mulheres;
11. Condena todas as tentativas de restringir a liberdade de expressão, que constitui um direito humano básico e faz parte d e um debate político genuíno; lamenta a morte de trabalhadores das organizações humanitárias, representantes da sociedade civil e jornalistas, e exige que os autores desses crimes sejam julgados; solicita a libertação imediata de todos os prisioneiros políticos;
12. Condena todos os ataques contra edifícios públicos e edifícios de ensino, bem como a utilização de escolas para fins militares; insta as partes a respeitarem as orientações para prevenir o uso militar de escolas e universidades durante conflitos armados;
13. Lamenta que, em 23 de dezembro de 2016, o Conselho de Segurança das Nações Unidas não tenha adotado uma resolução que teria imposto ao Sudão do Sul um embargo ao armamento e a proibição de viajar e o congelamento de bens de três altos dirigentes do Sudão do Sul; insta a UE a impor ao Sudão do Sul um embargo ao armamento e apela à sua aplicação eficaz; manifesta preocupação face aos relatos de transferências de armas para o Sudão do Sul, em violação da Posição Comum 2008/944/PESC do Conselho, facilitadas por intermediários estabelecidos nos Estados-Membros da UE; exorta os Estados-Membros e a VP/AR a imporem o cumprimento do regime de controlo das vendas de armas da UE e a iniciarem um diálogo formal com qualquer país terceiro, relativamente ao qual haja provas de exportação de armas e prestação de assistência logística militar ao Sudão do Sul;
14. Insta as autoridades a assegurarem que qualquer regresso ou relocalização de pessoas deslocadas internamente tenha lugar de forma segura e digna; apela ao recurso a sanções específicas contra as principais figuras políticas ou militares do Governo ou da oposição que perpetuem o conflito ou cometam violações dos direitos humanos, enquanto parte de uma estratégia da UE destinada a assegurar a prestação de ajuda humanitária, a manutenção do cessar-fogo e o início de um novo processo político para implementar o acordo de paz;
15. Considera que, devido aos conflitos recorrentes, à insegurança e às deslocações em massa das populações, não será possível realizar eleições credíveis e pacíficas no atual contexto político; relembra que o mandato do Governo de Transição de Unidade Nacional se estende até ao final de 2018; salienta a importância de as mulheres do Sudão do Sul desempenharem plenamente o seu papel nas conversações de paz e na governação do país; insta a UE a apoiar as mulheres a nível local, que influenciam de forma tangível a qualidade das negociações de paz, invertendo o clima de suspeita, gerando confiança e promovendo a reconciliação;
16. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, à Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, aos governos e parlamentos dos Estados-Membros, ao Governo do Sudão do Sul, à Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento, ao Comissário para os Direitos Humanos do Sudão do Sul, à Assembleia Legislativa Nacional do Sudão do Sul, às instituições da União Africana, aos copresidentes da Assembleia Parlamentar Paritária ACP-UE e ao Secretário-Geral das Nações Unidas.