Resolução do Parlamento Europeu, de 14 de setembro de 2017, sobre Mianmar, em particular, a situação dos Rohingya (2017/2838(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta as suas anteriores resoluções sobre Mianmar e sobre a situação dos muçulmanos Rohingya, em particular as de 7 de julho de 2016(1) e 15 de dezembro de 2016(2), as suas resoluções de 16 de março de 2017 sobre as prioridades da UE para as sessões do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas em 2017(3), e de 13 de junho de 2017 sobre os casos de apatridia na Ásia do Sul e no Sudeste Asiático(4);
– Tendo em conta as conclusões do Conselho, de 20 de junho de 2016, sobre a estratégia da UE relativamente a Mianmar,
– Tendo em conta a comunicação conjunta de 1 de junho de 2016 da Comissão e da Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (VP/AR) ao Parlamento Europeu e ao Conselho, intitulada «Elementos de uma estratégia da UE relativamente a Mianmar/Birmânia: uma parceria especial para a democracia, a paz e a prosperidade» (JOIN(2016)0024),
– Tendo em conta a declaração de 30 de março de 2016 da VP/AR, Federica Mogherini, sobre a entrada em funções do novo Governo da União de Mianmar,
– Tendo em conta a Declaração de 2 de dezembro de 2016 do porta-voz da VP/AR sobre a recente escalada da violência em Mianmar e a declaração de 6 de setembro de 2017 da VP/AR sobre a situação no Estado de Rakhine,
– Tendo em conta o comunicado de imprensa conjunto de 25 de novembro de 2016 sobre o terceiro diálogo UE-Mianmar em matéria de direitos humanos,
– Tendo em conta as conclusões do Conselho de 4 de dezembro de 2015 sobre a apatridia,
– Tendo em conta as recentes comunicações do Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos do Homem (ACDH) e da Relatora Especial das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos em Mianmar, de 29 e 18 de novembro de 2016, respetivamente, sobre a deterioração da situação dos direitos humanos no norte do Estado de Rakhine,
– Tendo em conta o relatório do ACDH intitulado «Situação dos direitos humanos dos muçulmanos Rohingya e de outras minorias em Mianmar», de 20 de junho de 2016, e o relatório da Relatora Especial das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos em Mianmar, de 18 de março de 2016;
– Tendo em conta a Convenção de 1951 das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados e o seu Protocolo, de 1967,
– Tendo em conta a Convenção relativa ao Estatuto dos Apátridas, de 1954, e a Convenção para a Redução dos Casos de Apatridia, de 1961,
– Tendo em conta o plano de ação global da Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) 2014-2024 para pôr fim à apatridia,
– Tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos do Homem (DUDH), de 1948,
– Tendo em conta a declaração de fim de missão da Relatora Especial das Nações Unidas sobre a situação dos direitos humanos em Mianmar, Yanghee Lee, de 20 de janeiro de 2017, que conclui que «a situação é agora pior do que em qualquer outro momento nos últimos anos»,
– Tendo em conta o Relatório Final da Comissão Consultiva sobre o Estado de Rakhine, de agosto de 2017,
– Tendo em conta o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 1966, e o Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais, de 1966,
– Tendo em conta a Carta da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN),
– Tendo em conta o artigo 135.º, n.º 5, e o artigo 123.º, n.º 4, do seu Regimento,
A. Considerando que, segundo a Agência das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), mais de 300 000 muçulmanos Rohingya fugindo da violência no Estado de Rakhine procuraram refúgio no Bangladeche ao longo das duas últimas semanas;
B. Considerando que no Estado de Rakhine, em Mianmar, vive cerca de um milhão de Rohingya, uma minoria predominantemente muçulmana que é alvo de repressão e de persistentes violações graves dos direitos humanos, incluindo ameaças à vida e à segurança, recusa dos direitos à saúde e à educação, trabalho forçado, violência sexual e limitações aos seus direitos políticos;
C. Considerando que os Rohingya são oficialmente apátridas desde a introdução da Lei da Cidadania birmanesa, de 1982, que deu azo a graves restrições à liberdade de circulação e os confinou a acampamentos;
D. Considerando que um grupo de insurretos Rohingya lançou um ataque a postos de polícia e a uma base militar no Estado de Rakhine em 25 de agosto de 2017; que tal deu origem a uma importante contra-ofensiva militar, no âmbito da qual foram perpetradas violações graves e em larga escala dos direitos humanos, incluindo assassinatos, violações e atos de tortura; que as organizações de defesa dos direitos humanos, designadamente a Human Rights Watch, têm, através do recurso a imagens de satélite, reportado a destruição em grande escala de casas e de outros edifícios em zonas do norte do Estado de Rakhine atualmente inacessíveis às ONG e aos observadores independentes;
E. Considerando que, ao abrigo da atual Constituição de Mianmar, as forças militares mantêm a autonomia longe do escrutínio civil mantendo amplos poderes de controlo sobre o governo e a segurança nacional;
F. Considerando que as pessoas que fogem de Mianmar, muitas das quais são mulheres e crianças, atravessam rotas perigosas, enfrentando armas de fogo e outros riscos, como a fome e a falta de assistência médica; que dezenas de pessoas morreram durante o percurso; que os guardas costeiras do Bangladeche encontraram os corpos de, pelo menos, 20 pessoas que fugiam;
G. Considerando que o Bangladeche apresentou uma reclamação contra as autoridades de Myanmar pela colocação de minas terrestres ao longo de uma parte da sua fronteira com o Bangladeche para impedir o regresso dos muçulmanos Rohingya que fogem da violência;
H. Considerando que o pessoal internacional das Nações Unidas e de organizações não governamentais internacionais está proibido de entrar nas zonas afetadas pelo conflito e que as agências da ONU estão impossibilitadas de fornecer ajuda humanitária, nomeadamente alimentos, água e medicamentos, aos Rohingya;
I. Considerando que, em 10 de setembro de 2017, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos do Homem, Zeid Raad Al Hussein, declarou que a situação em Mianmar parece ser um caso clássico de «limpeza étnica»;
J. Considerando que a China e a Rússia bloquearam a adoção de uma declaração do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a situação da minoria Rohingya em Mianmar em março de 2017;
1. Condena veementemente todos os ataques ocorridos no Estado de Rakhine; manifesta-se profundamente preocupado com a gravidade crescente e a escala das violações dos direitos humanos, incluindo assassinatos, confrontos violentos, destruição de propriedade privada e deslocação de centenas de milhares de civis;
2. Exorta as forças militares e de segurança a cessarem imediatamente os assassinatos, a perseguição e as violações dos Rohingya, bem como ao incêndio das suas casas;
3. Recorda que as autoridades de Mianmar têm o dever de proteger, sem discriminação, todos os civis contra abusos, de investigar as violações graves dos direitos humanos e de levar a tribunal os responsáveis, em conformidade com as normas e obrigações em matéria de direitos humanos;
4. Insta as autoridades de Mianmar a conceder acesso imediato e incondicional a observadores independentes, organizações internacionais de defesa dos direitos humanos, jornalistas e outros observadores internacionais, bem como às Nações Unidas, designadamente a missão de inquérito das Nações Unidas, criada em março pelo Conselho dos Direitos Humanos da ONU, a fim de garantir a realização de inquéritos independentes e imparciais às alegações de violações graves dos direitos humanos de todas as partes;
5. Pede com urgência que seja permitido o acesso da ajuda humanitária a todas as zonas do conflito e às pessoas deslocadas, sem discriminação, para permitir que o pessoal humanitário preste assistência às pessoas em risco;
6. Exorta o Governo de Mianmar a retirar imediatamente todas as minas terrestres da fronteira com o Bangladeche;
7. Insta o governo de Mianmar e a Conselheira de Estado Aung San Suu Kyi, em especial, a condenarem inequivocamente qualquer incitamento ao ódio racial ou religioso e a combaterem a discriminação social e as hostilidades contra a minoria Rohingya; insta, além disso, o Governo de Mianmar a respeitar o direito universal à liberdade de religião ou de crença; recorda a Conselheira de Estado da necessidade de impulsionar a implementação das recomendações contidas no relatório final da Comissão Consultiva sobre o Estado de Rakhine, elaborado a seu próprio pedido; lamenta a deterioração dramática da situação desde a declaração de 18 de maio de 2015 do porta-voz do partido de Aung San Suu Kyi, indicando que o governo de Mianmar deve restabelecer a cidadania da minoria Rohingya;
8. Recorda à laureada do Prémio Sakharov de 1990, Aung San Suu Kyi, que este prémio é concedido àqueles que defendem os direitos humanos, protegem os direitos das minorias e respeitam o direito internacional, entre outros critérios; chama a atenção para a necessidade de examinar se o Prémio Sakharov poderá ser retirado se um laureado violar esses critérios depois de o prémio ter sido atribuído;
9. Reconhece os esforços despendidos pelo Bangladeche perante esta catástrofe humanitária para facilitar a proteção de centenas de milhares de refugiados Rohingya; encoraja veementemente as autoridades do Bangladeche e de outros países vizinhos a admitirem a entrada no seu território de todas as pessoas que fogem à violência no Estado de Rakhine e respeitarem o princípio da não-repulsão; insta a Comissão e os Estados-Membros a aumentar o apoio financeiro e material a favor dos refugiados;
10. Recomenda que os governos dos países que se deparam com o afluxo de refugiados de etnia Rohingya cooperem de forma estreita com o ACNUR, que possui as competências técnicas necessárias para analisar o estatuto de refugiado e foi mandatado para proteger os refugiados e os apátridas; apela à UE e às Nações Unidas para que apoiem os países vizinhos neste sentido;
11. Insta, além disso, a ASEAN e os governos regionais a tomarem medidas imediatas para aumentar a pressão sobre o Governo de Mianmar para que ponha fim às violações dos direitos, proteja todos os civis no Estado de Rakhine e apoie os refugiados em fuga;
12. Apoia os esforços no sentido de intensificar um processo político com base na aplicação das Recomendações Annan; insta o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral das Nações Unidas a adotarem medidas eficazes a nível diplomático e político para assegurar o cumprimento, por parte do Governo de Mianmar, das suas obrigações para com a minoria Rohingya em termos de garantia de proteção e acesso à ajuda; solicita, neste contexto, uma resolução da Assembleia Geral e do Conselho de Segurança das Nações Unidas condenando as violações dos direitos, insistindo no acesso ao Estado de Rakhine e exigindo a responsabilização pelas violações graves do direito internacional cometidas por todas as partes; solicita ainda que o Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas adote uma resolução em setembro de 2017 prorrogando o mandato da missão de inquérito;
13. Insta a China e outros intervenientes internacionais e regionais a utilizarem todos os canais possíveis para exigir o fim das atrocidades e lograr uma resolução pacífica;
14. Insta a VP/AR e os Estados-Membros da UE a aumentarem significativamente as pressões exercidas sobre o governo de Mianmar e as forças de segurança para que ponham cobro aos abusos dos direitos, cooperem plenamente com os inspetores da ONU e as agências humanitárias internacionais e garantam a responsabilização dos autores de violações graves do direito internacional; solicita, neste contexto, à VP/AR e aos Estados-Membros da UE que desempenhem um papel ativo no apoio a ações imediatas a nível das Nações Unidas e tornem claro que a UE está disposta a ponderar a aplicação de sanções punitivas contra determinadas pessoas e entidades, bem como a avaliar as consequências no que se refere às preferências comerciais de que Myanmar beneficia caso as graves violações do direito internacional continuem impunes;
15. Insta a VP/AR a informar o Parlamento sobre as iniciativas da UE na ONU e no quadro do Conselho «Assuntos Externos» da UE;
16. Insta a UE e os seus Estados-Membros a acolher positivamente os relatos e as intervenções de representantes dos Rohingya sobre a situação no terreno;
17. Apoia os esforços despendidos para colocar no terreno observadores independentes e liderados pelas Nações Unidas com vista a minorar a crise humanitária; insta as autoridades de Myanmar a concederem acesso imediato e incondicional a observadores independentes, nomeadamente a Missão de inquérito das Nações Unidas, criada pelo Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas em março de 2017;
18. Apoia a criação de um gabinete do Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos em Mianmar com um mandato integral;
19. Insta a UE e os seus Estados-Membros a apoiarem o plano de ação global do ACNUR 2014-2024 para pôr termo à apatridia;
20. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao governo e ao parlamento de Mianmar, à Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, aos governos e parlamentos dos Estados-Membros, ao Secretário-Geral da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN), à Comissão Intergovernamental da ASEAN para os Direitos Humanos, à Relatora Especial das Nações Unidas para os Direitos Humanos em Mianmar, ao Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados e ao Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas.