Resolução do Parlamento Europeu, de 3 de outubro de 2017, sobre o ponto da situação das negociações com o Reino Unido (2017/2847(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta a sua resolução, de 5 de abril de 2017, sobre as negociações com o Reino Unido, na sequência da notificação da intenção deste país se retirar da União Europeia(1),
– Tendo em conta as orientações do Conselho Europeu (artigo 50.º), de 29 de abril de 2017, na sequência da notificação do Reino Unido nos termos do artigo 50.º do Tratado da União Europeia (TUE), e o Anexo à Decisão do Conselho, de 22 de maio de 2017, que estabelece diretrizes de negociação para um acordo com o Reino Unido da Grã-Bretanha e da Irlanda do Norte sobre as condições da sua saída da União Europeia,
– Tendo em conta os documentos de tomada de posição da Comissão, de 12 de junho de 2017, sobre «Os Princípios Essenciais sobre os Direitos dos Cidadãos» e «Os Princípios Essenciais sobre o Acerto Financeiro» e, de 20 de setembro de 2017, sobre «Os Princípios orientadores para o Diálogo sobre a Irlanda/Irlanda do Norte»,
– Tendo em conta os documentos de tomada de posição do Governo do Reino Unido sobre as questões relacionadas com a retirada do Reino Unido da União Europeia e, em particular, o de 26 de junho de 2017, sobre «Salvaguardar a posição dos cidadãos da UE que residem no Reino Unido e dos cidadãos do Reino Unido que vivem na UE», e o de 16 de agosto de 2017 sobre «A Irlanda do Norte e a Irlanda»,
– Tendo em conta o artigo 123.º, n.º 2, do seu Regimento,
A. Considerando que, atualmente, cerca de 3,2 milhões de cidadãos dos restantes 27 Estados-Membros (UE-27) residem no Reino Unido e que 1,2 milhões de cidadãos do Reino Unido residem na UE-27;
B. Considerando que os cidadãos da UE que constituíram residência noutro Estado-Membro o fizeram com base nos direitos que lhes assistem ao abrigo do direito da União Europeia e na assunção de que iriam continuar a beneficiar desses direitos ao longo da sua vida;
C. Considerando que o Parlamento Europeu representa todos os cidadãos da UE, incluindo os cidadãos do Reino Unido, e que agirá no sentido de proteger os seus interesses durante todo o processo conducente à retirada do Reino Unido da União Europeia;
D. Considerando que, no Reino Unido, e também em alguns outros Estados-Membros, recentes incidentes administrativos já vieram demonstrar a ocorrência de casos de discriminação contra cidadãos da UE-27 no Reino Unido e contra cidadãos do Reino Unido na UE-27, os quais estão a ter impacto na vida quotidiana desses cidadãos, ao limitar o exercício efetivo dos seus direitos;
E. Considerando que uma retirada ordenada do Reino Unido da União Europeia requer que sejam analisadas a posição única e as condições especiais que envolvem a ilha da Irlanda, que seja preservado o Acordo de Sexta-Feira Santa, em todas as suas partes, de 10 de abril de 1998, e que seja evitado o restabelecimento da fronteira;
F. Considerando que a população da Irlanda do Norte que exerceu, ou pode exercer, o seu direito à cidadania irlandesa, beneficiará da cidadania da UE, e que não devem ser levantados obstáculos ou entraves que a impeça de exercer plenamente os seus direitos, em conformidade com os Tratados;
G. Considerando que a União Europeia e o Reino Unido devem respeitar na íntegra as obrigações financeiras resultantes de todo o período de permanência do Reino Unido na União Europeia;
H. Considerando que, no seu discurso em Florença, em 22 de setembro de 2017, a Primeira-Ministra do Reino Unido avançou alguns esclarecimentos sobre os direitos dos cidadãos, a questão da Irlanda e da Irlanda do Norte, o acerto financeiro, a necessidade de um período transitório, e as perspetivas para as futuras relações entre a União Europeia e o Reino Unido;
1. Reitera todos os elementos enunciados na sua Resolução, de 5 de abril de 2017, sobre as negociações com o Reino Unido, na sequência da notificação da intenção deste país de se retirar da União Europeia;
2. Salienta que as orientações aprovadas pelo Conselho Europeu, em 29 de abril de 2017, e a subsequente adoção de diretrizes de negociação pelo Conselho, em 22 de maio de 2017, estão em sintonia com a Resolução do Parlamento Europeu de 5 de abril de 2017; congratula-se com o facto de o negociador da União Europeia estar a trabalhar em plena conformidade com esse mandato;
3. Assinala, em consonância com a sua resolução de 5 de abril de 2017, que a Primeira-Ministra do Reino Unido propôs, no seu discurso de 22 de setembro de 2017, um período limitado de transição; salienta que essa transição só poderá ocorrer com base nos instrumentos e estruturas regulatórias, orçamentais, de supervisão, judiciárias e de execução da União Europeia em vigor; sublinha que esse período de transição, quando o Reino Unido deixar de ser Estado-Membro, só pode ser a continuação de todo o acervo comunitário, que implica a aplicação integral das quatro liberdades (livre circulação dos cidadãos, capitais, serviços e mercadorias), e que isso deve ser efetuado sem qualquer limitação à livre circulação das pessoas impondo novas condições; sublinha que esse período de transição só pode ser previsto no âmbito da plena jurisdição do Tribunal de Justiça da União Europeia («TJUE»); reitera que esse período de transição só pode ser adotado desde que seja celebrado um verdadeiro acordo de retirada, que abranja todas as questões relacionadas com a retirada do Reino Unido;
Direitos dos Cidadãos
4. Salienta que o acordo de retirada deve incorporar o conjunto integral de direitos de que os cidadãos beneficiam no presente, de modo a não haver alterações significativas na sua posição, e que deve assegurar a reciprocidade, equidade, simetria e a não discriminação em relação aos cidadãos da UE no Reino Unido e aos cidadãos do Reino Unido na União Europeia; sublinha, em particular, que os nacionais da UE residentes elegíveis e os filhos nascidos após a retirada do Reino Unido devem ser abrangidos pelo âmbito de aplicação do acordo de retirada enquanto titulares de direitos como familiares e não como independentes, que os futuros membros da família devem continuar a beneficiar do direito de residência ao abrigo das mesmas disposições como os atuais membros, que os documentos devem ser de natureza declarativa em conformidade com o direito da União, que se deve evitar todo o procedimento administrativo oneroso, e que todos os benefícios definidos na legislação da UE devem ser exportáveis;
5. Salienta, a este respeito, que o acordo de retirada deve manter todo o conjunto de regras da União Europeia em matéria de direitos dos cidadãos, tal como definido na legislação pertinente da União Europeia, mas é de opinião que as propostas do Reino Unido enunciadas no seu documento de tomada de posição de 26 de junho de 2017 ficam aquém nesta matéria, nomeadamente, no que diz respeito à proposta de criar uma nova categoria de «estatuto de residente permanente» ao abrigo da legislação do Reino Unido relativa à imigração; manifesta a sua preocupação pelo facto de que estas propostas, a morosidade das negociações e as opções políticas divulgadas sobre o futuro estatuto dos cidadãos da UE estão a causar dificuldades e ansiedade desnecessárias aos cidadãos da UE-27 que vivem no Reino Unido;
6. Manifesta a sua preocupação face a práticas administrativas lamentáveis contra cidadãos da União Europeia que vivem no Reino Unido; lembra, além disso, ao Reino Unido que, enquanto for um Estado-Membro da União Europeia, deve respeitar e aplicar o direito da União e abster-se de quaisquer práticas administrativas ou outras de que resultem obstáculos e a discriminação de cidadãos da UE-27 residentes no Reino Unido, designadamente, no seu local de trabalho; espera que todos os outros Estados-Membros, por seu lado, garantam aos cidadãos do Reino Unido residentes na União Europeia um tratamento plenamente conforme com o direito da União, uma vez que continuam a ser cidadãos da UE até à retirada do Reino Unido da União Europeia;
7. Observa que a Primeira-Ministra do Reino Unido, no seu discurso de 22 de setembro de 2017, assumiu o compromisso de garantir o reconhecimento de efeito direto dos direitos dos cidadãos da UE-27 residentes no Reino Unido, através da incorporação do acordo de retirada no direito interno do Reino Unido; sublinha que isto deve ser feito de modo a impedir uma modificação unilateral, a permitir aos cidadãos da UE que invoquem diretamente os direitos do acordo de retirada perante os tribunais do Reino Unido e a administração pública, e a conferir a isso primazia sobre o direito do Reino Unido; sublinha que, a fim de garantir a coerência e integridade da ordem jurídica da União, o TJUE deve continuar a ser a única autoridade competente na interpretação e aplicação do direito da União Europeia e do acordo de retirada; aguarda propostas concretas do Reino Unido a este respeito;
Irlanda e Irlanda do Norte
8. Salienta que a posição única e as condições especiais que envolvem a ilha da Irlanda devem ser abordadas no acordo de retirada e de um modo plenamente compatível com o Acordo de Sexta-Feira Santa, em todas as suas partes, com os domínios de cooperação acordados, e com o direito da União Europeia, a fim de assegurar a continuidade e a estabilidade do processo de paz na Irlanda do Norte;
9. Está firmemente convicto de que é da responsabilidade do governo do Reino Unido apresentar uma solução única, eficaz e viável que impeça o restabelecimento da fronteira, assegure a execução integral do Acordo de Sexta-Feira Santa em todas as suas partes, esteja em conformidade com o direito da União Europeia, e garanta plenamente a integridade do mercado interno e da união aduaneira; considera igualmente que o Reino Unido deve continuar a contribuir com a sua quota-parte para a ajuda financeira de apoio à Irlanda do Norte/Irlanda; lamenta que as propostas do Reino Unido expostas no seu documento de tomada de posição sobre «A Irlanda do Norte e a Irlanda» sejam insuficientes a este respeito; observa, por outro lado, que, no seu discurso de 22 de setembro de 2017, a Primeira-Ministra do Reino Unido excluiu qualquer infraestrutura física na fronteira, o que pressupõe que o Reino Unido permanece no mercado interno e na união aduaneira, ou que a Irlanda do Norte permanece, de alguma forma, no mercado interno e na união aduaneira;
10. Reitera que qualquer solução encontrada para a Ilha da Irlanda não pode servir para predeterminar soluções no contexto dos debates sobre o futuro das relações entre a União Europeia e o Reino Unido;
Acerto financeiro
11. Toma nota da declaração da Primeira-Ministra do Reino Unido, no seu discurso de 22 de setembro de 2017, sobre o acerto financeiro, mas aguarda propostas concretas do Governo do Reino Unido a este respeito; sublinha que, até à data, a ausência de quaisquer propostas claras tem impedido seriamente as negociações e que são aqui necessários progressos substanciais antes de entrar em discussão sobre outras questões, nomeadamente sobre o quadro para as futuras relações entre a União Europeia e o Reino Unido;
12. Reafirma, em conformidade com o documento de tomada de posição da Comissão, de 12 de junho de 2017, sobre «Os Princípios Essenciais sobre o Acerto Financeiro», que o Reino Unido tem de respeitar na íntegra as obrigações financeiras que contraiu enquanto Estado-Membro da União Europeia e insiste em que esta questão deve ser inteiramente resolvida no acordo de retirada; salienta, em particular, as obrigações financeiras decorrentes do quadro financeiro plurianual e da Decisão relativa aos recursos próprios de 2014(2), que incluem, independentemente de qualquer período transitório, as autorizações da União Europeia por liquidar, bem como a sua parte de passivo, incluindo passivos contingentes, e os custos da sua retirada da União Europeia, já que está fora de questão que os compromissos assumidos pelos 28 Estados-Membros sejam honrados apenas pelos restantes 27;
Avanço das negociações
13. Recorda que, em consonância com a abordagem faseada às negociações, é crucial, para uma retirada ordenada do Reino Unido da União Europeia, realizar progressos substanciais sobre os direitos dos cidadãos, a Irlanda e a Irlanda do Norte e o acerto das obrigações financeiras do Reino Unido, para se dar início às negociações sobre o quadro para as futuras relações entre a União Europeia e o Reino Unido, bem como sobre a fase de transição;
14. Sublinha que é vital que os compromissos assumidos pela Primeira-Ministra do Reino Unido no seu discurso de 22 de setembro de 2017 se traduzam em mudanças palpáveis na posição do Reino Unido e em propostas concretas nesse sentido, de forma a acelerar os trabalhos durante a primeira fase das negociações, e para que seja possível, numa segunda fase, na base de confiança mútua e de cooperação leal, iniciar conversações sobre uma nova e estreita parceria no quadro de uma associação do Reino Unido com a União Europeia;
15. É de opinião que, na quarta ronda de negociações, ainda não foram alcançados progressos suficientes em matéria de direitos dos cidadãos, da Irlanda e Irlanda do Norte, e sobre o acerto das obrigações financeiras do Reino Unido; exorta o Conselho Europeu, a menos que exista um avanço assinalável em conformidade com a presente resolução nesses três domínios durante a quinta ronda de negociações, a decidir na sua reunião de outubro de 2017 adiar a sua avaliação sobre se foram registados suficientes progressos;
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16. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho Europeu, ao Conselho da União Europeia, à Comissão Europeia, aos parlamentos nacionais e ao Governo do Reino Unido.
Decisão 2014/335/UE, Euratom do Conselho, de 26 de maio de 2014, relativa ao sistema de recursos próprios da União Europeia (JO L 168 de 7.6.2014, p. 105).