Resolução do Parlamento Europeu, de 14 de dezembro de 2017, sobre o Camboja, nomeadamente a dissolução do Partido de Salvação Nacional do Camboja (CNRP) (2017/3002(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta as suas anteriores resoluções sobre o Camboja, em particular a de 14 de setembro de 2017(1),
– Tendo em conta a visita da delegação da Associação das Nações do Sudeste Asiático (ASEAN) ao Parlamento Europeu, de 30 a 31 de outubro de 2017,
– Tendo em conta as orientações da União Europeia relativas aos defensores dos direitos humanos, de 2008,
– Tendo em conta a declaração do porta-voz do Serviço Europeu para a Ação Externa (SEAE), de 16 de novembro de 2017, sobre a dissolução do Partido de Salvação Nacional do Camboja,
– Tendo em conta o Acordo de Cooperação de 1997 entre a Comunidade Europeia e o Reino do Camboja,
– Tendo em conta a declaração da UE de 22 de fevereiro de 2017, emitida a nível local, sobre a situação política no Camboja, e as declarações do porta-voz da Delegação da UE, de 3 de setembro de 2017 e de 25 de agosto de 2017, sobre as restrições do espaço político no Camboja,
– Tendo em conta a Resolução (A/RES/53/144) aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 8 de março de 1999 sobre o Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos e Órgãos da Sociedade de Promover e Proteger os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais Universalmente Reconhecidos,
– Tendo em conta os acordos de paz de Paris, de 1991, nomeadamente o artigo 15.º, em que se consagra o compromisso de proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais no Camboja, incluindo por parte dos signatários internacionais,
– Tendo em conta a Convenção da Organização Internacional do Trabalho sobre a Liberdade Sindical e a Proteção do Direito Sindical,
– Tendo em conta a Constituição do Camboja, em particular o artigo 41.º, que consagra os direitos e as liberdades de expressão e de reunião, o artigo 35.º sobre o direito à participação política e o artigo 80.º sobre a imunidade parlamentar,
– Tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 10 de dezembro de 1948,
– Tendo em conta o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 1966,
– Tendo em conta o artigo 135.º, n.º 5, e o artigo 123.º, n.º 4, do seu Regimento,
A. Considerando que em 2017 a situação dos direitos humanos no Camboja se deteriorou ainda mais, registando-se um número crescente de detenções de membros da oposição política, de ativistas dos direitos humanos e de representantes da sociedade civil;
B. Considerando que em 2017 o Parlamento do Camboja aprovou dois conjuntos de alterações repressivas à «Lei sobre os Partidos Políticos», que contêm várias restrições específicas destinadas a colocar entraves aos partidos da oposição;
C. Considerando que, em 6 de outubro de 2017, o Ministério do Interior apresentou um pedido ao Supremo Tribunal tendo em vista a dissolução do Partido de Salvação Nacional do Camboja (CNRP) ao abrigo da «Lei sobre os Partidos Políticos»;
D. Considerando que, em 16 de novembro de 2017, o Supremo Tribunal anunciou a dissolução do CNRP, após uma audiência que teve a duração de um dia; que o Supremo Tribunal proibiu igualmente 118 políticos do CNRP de qualquer atividade política durante um período de cinco anos; que esta decisão, que tem por base dois conjuntos de alterações controversas à «Lei sobre os Partidos Políticos», deixa o governo sem qualquer oposição antes das eleições legislativas do próximo ano, previstas para julho de 2018;
E. Considerando que membros do partido da oposição foram perseguidos e intimidados pelas autoridades do Camboja durante vários anos; que menos de 40 % dos deputados do CNRP ao Parlamento permanecem no Camboja, depois de outros deputados terem sido forçados a abandonar o país sob a ameaça de detenção;
F. Considerando que o Ministério do Interior possui amplos poderes que lhe permitem suspender partidos políticos com base em critérios vagamente definidos; que, em 2 de outubro de 2017, o Ministério do Interior dissolveu 20 partidos políticos nos termos dos artigos 19.º e 20.º da «Lei sobre os Partidos Políticos»;
G. Considerando que, em 3 de setembro de 2017, Kem Sokha, Presidente do CNRP, foi detido e acusado de traição ao abrigo do artigo 443.º do Código Penal do Camboja, não obstante a sua imunidade parlamentar; que o pedido de Kem Sokha com vista à liberdade sob caução foi recusado em 26 de setembro de 2017, quando este se viu impossibilitado de comparecer na audiência depois de o departamento prisional declarar que não podia garantir a sua segurança; que, de acordo com organizações de defesa dos direitos humanos, Kem Sokha foi interrogado em 24 de novembro de 2017, ainda que não tenha tido acesso adequado a aconselhamento jurídico ou a cuidados de saúde privados; que o seu estatuto jurídico tem de ser clarificado; que o pedido de liberdade sob caução se encontra atualmente pendente no Supremo Tribunal; que, se for considerado culpado, Kem Sokha incorre numa pena de prisão que pode ir até 30 anos; que o Presidente do Tribunal, Dith Munty, é membro da comissão permanente do partido no poder;
H. Considerando que o problema da apropriação de terras continua a ser motivo de grande preocupação no Camboja; que se tem verificado um aumento constante dos casos de prisão e detenção de membros da oposição política, comentadores políticos, sindicalistas, ativistas dos direitos humanos e representantes da sociedade civil no Camboja, inclusivamente da ONG «ADHOC 5»; que o defensor dos direitos humanos Tep Vanny, da comunidade de Boeung Kak, continua detido, cumprindo uma pena de prisão de dois anos e meio na sequência de uma manifestação pacífica em 2013; que, em 8 de dezembro de 2017, o Supremo Tribunal confirmou a sentença pronunciada contra Tep Vanny;
I. Considerando que o anterior presidente do CNRP, Sam Rainsy, foi forçado a demitir-se na sequência de ameaças jurídicas; que Sam Rainsy foi condenado à revelia por difamação criminosa e vive agora no exílio; que, desde a dissolução da oposição, um número crescente de deputados do CNRP ao Parlamento abandonou o Camboja; que as organizações de direitos humanos afirmam que alguns procuram asilo;
J. Considerando que a influência da China desempenha um papel importante na vida política do Camboja e no seu Governo;
K. Considerando que o Camboja beneficia do regime mais favorável ao abrigo do Sistema de Preferências Generalizadas da UE (SPG), nomeadamente o regime «Tudo Menos Armas» (TMA); que a UE afetou um montante máximo de 410 milhões de EUR ao Camboja para o período financeiro de 2014-2020, dos quais 10 milhões de EUR visam apoiar o processo de reforma eleitoral no país;
L. Considerando que o direito à participação política está consagrado no artigo 41.º da Constituição do Camboja; que a decisão de dissolver o CNRP constitui um retrocesso significativo na via do pluralismo e da democracia consagrada na Constituição do Camboja;
M. Considerando que 55 ONG apelaram à realização de uma nova Conferência de Paris sobre o Camboja com todas as partes interessadas, a fim de debater o Estado de direito e a democracia no Camboja de modo a incentivar o Governo a reconsiderar as suas políticas relativamente aos partidos da oposição;
1. Manifesta profunda preocupação face à dissolução do CNRP; lamenta profundamente a proibição do partido, que denota uma ação mais autocrática por parte do Primeiro-Ministro Hun Sen; exorta o Governo a revogar a decisão de dissolver o CNRP, a restabelecer os membros eleitos do Parlamento nacional e do conselho municipal nas respetivas funções, a permitir a plena participação dos partidos da oposição na vida pública e a assegurar um espaço de liberdade para as atividades dos meios de comunicação social e das organizações da sociedade civil, bem como a pôr termo ao clima de medo e intimidação, uma vez que todas estas condições são essenciais à realização de eleições livres, inclusivas e transparentes;
2. Reitera a sua profunda preocupação, já expressa em resoluções anteriores, relativamente à degradação da situação dos políticos da oposição, ativistas dos direitos humanos e membros da sociedade civil no Camboja;
3. Apoia o ponto de vista do Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos, segundo o qual as acusações proferidas contra o CNRP e os seus membros eram vagas, assim como as disposições legais que apoiavam a denúncia com vista à sua dissolução;
4. Considera que o Supremo Tribunal de Phnom Penh interfere de forma inaceitável com o direito do povo do Camboja de escolher livremente os seus representantes políticos e de votar nas eleições nacionais de 2018; lamenta a ausência de um sistema judicial independente e imparcial no país;
5. Insta o Governo do Camboja a revogar todas as recentes alterações à «Lei sobre os Partidos Políticos» e às leis eleitorais que limitam a liberdade de expressão e as liberdades políticas;
6. Condena firmemente a detenção de Kem Sokha e de outros ativistas políticos; exorta as autoridades cambojanas a revogarem imediatamente o mandado de detenção contra o líder da oposição, Sam Rainsy, e a retirarem todas as acusações que sobre o mesmo impendem, e a libertarem imediata e incondicionalmente Kem Sokha da prisão e a retirarem todas as acusações proferidas contra o mesmo e contra outros deputados da oposição;
7. Manifesta sérias preocupações no que respeita à realização de eleições credíveis e transparentes no Camboja em 2018, na sequência da decisão do Supremo Tribunal no sentido de dissolver o CNRP; sublinha que um processo eleitoral do qual o principal partido da oposição foi arbitrariamente excluído não é legítimo e que uma eleição transparente e competitiva é fundamental para garantir a paz e a estabilidade no país e em toda a região;
8. Congratula-se com a decisão da UE no sentido de cessar toda a assistência eleitoral até que o Camboja encete reformas em conformidade com as normas internacionais em matéria de eleições, de modo a fazer avançar a democracia e proteger o espaço da sociedade civil;
9. Insta a Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (VP/AR), Federica Mogherini, e o Representante Especial da UE para os Direitos Humanos a utilizarem todos os meios à sua disposição para proteger os direitos fundamentais do povo do Camboja de eleger e de ser eleito, a fim de garantir o pluralismo e os princípios democráticos, em rigorosa conformidade com a Constituição do Camboja;
10. Recorda ao Governo do Camboja que tem de cumprir as obrigações e os compromissos em matéria de respeito pelos princípios democráticos e pelos direitos humanos fundamentais, que constituem um elemento essencial do acordo de cooperação;
11. Salienta que o respeito pelos direitos humanos fundamentais constitui um pré-requisito para que o Camboja continue a beneficiar do Sistema de Preferências Generalizadas da UE; insta a VP/AR e a Comissária Cecilia Malmström a reverem imediatamente as obrigações do Camboja ao abrigo das convenções referidas no artigo 19.º do Regulamento EBA; sublinha que, caso se verifique que o Camboja atua em violação da sua obrigação nos termos do Regulamento EBA, as preferências pautais de que goza atualmente devem ser temporariamente retiradas;
12. Insta o SEAE e a Comissão a elaborarem uma lista dos responsáveis pela dissolução da oposição e por outras violações graves dos direitos humanos no Camboja, a fim de lhes impor eventuais restrições em matéria de vistos e o congelamento de bens;
13. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, à Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, ao Serviço Europeu para a Ação Externa, ao Secretário-Geral da ASEAN, aos governos e parlamentos dos Estados-Membros e ao Governo e à Assembleia Nacional do Camboja.