Resolução do Parlamento Europeu, de 18 de janeiro de 2018, sobre a República Democrática do Congo (2018/2515(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta as suas anteriores resoluções sobre a República Democrática do Congo (RDC), nomeadamente as de 14 de junho de 2017(1), 2 de fevereiro de 2017(2) e 1 de dezembro de 2016(3),
– Tendo em conta as declarações da Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Federica Mogherini, e da sua porta-voz sobre a situação na RDC,
– Tendo em conta a declaração da porta-voz do SEAE, de 9 de novembro de 2017, sobre a publicação do calendário eleitoral na RDC,
– Tendo em conta a resolução adotada pelo Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, em 29 de setembro de 2017, sobre a assistência técnica e o reforço das capacidades no domínio dos direitos humanos na República Democrática do Congo, bem como o relatório do Secretário-Geral sobre a Missão de Estabilização das Nações Unidas na RDC (MONUSCO), de outubro de 2017,
– Tendo em conta as observações finais, de 9 de novembro de 2017, no âmbito do quarto exame periódico, sobre a aplicação do Pacto Internacional da ONU sobre os Direitos Civis e Políticos pela RDC,
– Tendo em conta a Resolução 2348 (2017) do Conselho de Segurança das Nações Unidas sobre a renovação do mandato da MONUSCO,
– Tendo em conta a Decisão (PESC) 2017/2282 do Conselho, de 11 de dezembro de 2017, que prorroga até 12 de dezembro de 2018 as sanções contra pessoas responsáveis por atos de violência e por violações graves dos direitos humanos na RDC,
– Tendo em conta as conclusões do Conselho, de 6 de março e de 11 de dezembro de 2017, sobre a RDC,
– Tendo em conta as conclusões do Conselho, de 19 de junho de 2017, sobre o compromisso da UE com a sociedade civil no domínio das relações externas,
– Tendo em conta a resolução da Assembleia Parlamentar Paritária ACP-UE, de 15 de junho de 2016, sobre a situação pré-eleitoral e em matéria de segurança na RDC,
– Tendo em conta a atribuição do Prémio Sakharov do Parlamento Europeu para a Liberdade de Pensamento ao Dr. Denis Mukwege, em 2014,
– Tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos do Homem,
– Tendo em conta o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 1966,
– Tendo em conta o Acordo de Cotonu,
– Tendo em conta a Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, de 1981,
– Tendo em conta as Diretrizes relativas à Liberdade de Associação e de Reunião da Comissão Africana dos Direitos do Homem e dos Povos, de maio de 2017,
– Tendo em conta a Constituição da RDC, adotada em 18 de fevereiro de 2006,
– Tendo em conta o artigo 135.º, n.º 5, e o artigo 123.º, n.º 4, do seu Regimento,
A. Considerando que, um ano após a assinatura do Acordo de São Silvestre, em 31 de dezembro de 2016, a situação geral na RDC continua a deteriorar-se em todo o país, caracterizando-se pela violenta repressão, pelos assassínios e pelas violações generalizadas dos direitos humanos; considerando que 2017 foi um dos anos mais violentos da história recente da RDC;
B. Considerando que a ONU classificou a situação na RDC como uma emergência humanitária de nível 3, o nível mais elevado; considerando que, em 8 de março de 2017, o Alto Comissário das Nações Unidas para os Direitos do Homem, Zeid Ra’ad Al Hussein, apelou à criação de uma comissão de inquérito para investigar a violência na província de Kasai;
C. Considerando que a crise política se agravou depois de o Presidente Kabila ter recusado demitir-se em 2016, no final do seu mandato constitucional; considerando que, nos termos do Acordo de São Silvestre, celebrado sob os auspícios da Conferência Episcopal Nacional do Congo (CENCO), ficou estabelecido que se realizariam eleições até dezembro de 2017; considerando que este prazo não foi respeitado e que a Comissão Nacional de Eleições Independente (CNEI) estabeleceu como nova data para a realização de eleições o dia 23 de dezembro de 2018;
D. Considerando que a CNEI está a tratar dos preparativos logísticos para as eleições, incluindo no que se refere aos aspetos orçamentais e aos cadernos eleitorais;
E. Considerando que os protestos contra a situação política tiveram como resposta uma resistência extremamente violenta por parte das forças apoiadas pelo governo;
F. Considerando que o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACDH) salientou «a intenção deliberada de suprimir os direitos civis e políticos» por parte das forças de segurança, incluindo através da utilização de munições reais, gás lacrimogéneo e balas de borracha contra civis, incluindo acólitos, negando às Nações Unidas o acesso a hospitais, morgues e instalações de detenção e impedindo que a ONU observasse as manifestações;
G. Considerando que a RDC ainda não ratificou a Carta Africana sobre a Democracia, as Eleições e a Governação;
H. Considerando que prosseguem os confrontos armados entre o exército da RDC e as milícias locais, em particular na província de Kasai; considerando que esta situação provocou uma grave crise humanitária, devido a assassínios, torturas e violações, bem como à destruição de habitações, instalações médicas e escolas, tendo sido descobertas 40 valas comuns em Kasai; considerando que não se registaram quaisquer progressos no sentido de entregar à justiça os autores destes atos;
I. Considerando que a RDC regista o maior número de novos casos de pessoas deslocadas internamente, à escala mundial, devido ao conflito; considerando que, desde janeiro de 2017, mais de 1,9 milhões de pessoas foram deslocadas internamente na RDC, elevando o número total de pessoas deslocadas no país para 4,25 milhões, a maioria das quais nas províncias de Kasai, Tanganica e Kivu; considerando que a RDC acolhe, além disso, refugiados do Burundi, da República Centro-Africana e do Sudão do Sul; considerando que a UE disponibilizou 5 milhões de EUR em ajuda de emergência para as vítimas da violência na região de Kasai;
J. Considerando que, em março de 2017, o número de soldados da MONUSCO foi reduzido e, em junho de 2017, o seu orçamento sofreu um corte de 8%;
K. Considerando que as autoridades da RDC têm assediado sistematicamente as organizações da sociedade civil e os defensores dos direitos humanos, como a Lutte pour le changement (Lucha), a Filimbi, a Igreja Católica e o Comité Laïc de Coordination (CLC); considerando que, de acordo com os grupos de defesa dos direitos humanos, existem, pelo menos, 358 prisioneiros políticos na RDC;
L. Considerando que, em 29 e 30 de dezembro de 2017, sete defensores dos direitos humanos – Carbone Beni, Mino Bompomi, Roger Katanga Mwenyemali, Bony Dickson Mputu, Grâce Tshiunza, Cedrick Kalonji e Arciel Beni –, todos ligados ao movimento Filimbi, foram detidos sem mandados de detenção, não se conhecendo o paradeiro de Palmer Kabeya, outro ativista dos direitos humanos;
M. Considerando que os raptos e os ataques de que são alvo os trabalhadores humanitários e as forças de manutenção da paz estão a aumentar, o que obriga as organizações de ajuda humanitária a atrasar a prestação de ajuda e a suspender as suas atividades;
N. Considerando que três propostas legislativas apresentadas na Assembleia Nacional da RDC relativas à regulamentação das organizações não governamentais (ONG), aos defensores dos direitos humanos e à luta contra o terrorismo são, com a atual redação, incompatíveis com as normas regionais e internacionais de direitos humanos e constituem uma ameaça sem precedente às atividades da sociedade civil no Congo;
O. Considerando que a UE prorrogou, até dezembro de 2018, as medidas restritivas relativamente a pessoas responsáveis pela obstrução do processo eleitoral e por violações dos direitos humanos;
1. Reitera a sua profunda preocupação perante o agravamento da situação na RDC do ponto de vista humanitário, político e de segurança; condena veementemente todas as violações dos direitos humanos e todos os atos de violência, em particular contra manifestantes pacíficos, incluindo a proibição de manifestações públicas pacíficas e as políticas de intimidação e de detenção de quaisquer vozes dissidentes; insta as autoridades da RDC a procederem à libertação imediata e incondicional de todos os prisioneiros de consciência e a realizarem uma investigação independente sobre a repressão violenta das manifestações de dezembro de 2017 e sobre as valas comuns descobertas;
2. Recorda que o Governo da RDC é o principal responsável pela proteção da população civil no seu território e sob a sua jurisdição, nomeadamente em relação a crimes contra a humanidade e a crimes de guerra;
3. Manifesta a sua profunda preocupação perante os elementos apresentados pelas organizações de direitos humanos, em particular o relatório de inquérito de dezembro de 2017 realizado pela Federação Internacional dos Direitos Humanos (FIDH) sobre os massacres na região de Kasai, de acordo com o qual está a ser executada, na província de Kasai, uma «estratégia deliberada de terror e destruição, que resultou em crimes contra a humanidade», por parte das forças de segurança da RDC e de milícias apoiadas pelo governo; exorta o Tribunal Penal Internacional (TPI) e as Nações Unidas a investigarem estas alegações;
4. Manifesta preocupação com a situação das mulheres e das crianças na RDC; condena veementemente os abusos sexuais, a violência sexual e a tortura; expressa a sua inquietação perante as alegações de recrutamento ilícito e utilização de crianças-soldados por milícias apoiadas pela RDC e considera que a erradicação da utilização de crianças‑soldados tem de constituir uma prioridade das autoridades do Congo e da comunidade internacional;
5. Lamenta profundamente que as eleições não tenham sido realizadas dentro do prazo estabelecido, até ao final de 2017; recorda que as autoridades e as instituições da RDC têm a responsabilidade de respeitar efetivamente o novo calendário eleitoral, em conformidade com a Constituição da RDC e com o Acordo de São Silvestre; insiste na realização de eleições presidenciais e legislativas transparentes, livres e justas no dia 23 de dezembro de 2018; recorda que a CNEI deve ser uma instituição independente, imparcial e inclusiva e apela ao governo da RDC para que garanta a disponibilização de recursos suficientes; insta, além disso, a CNEI e o governo da RDC a introduzirem metas trimestrais para a execução do calendário eleitoral, com vista a controlar os progressos e a enviar um sinal claro do empenho do governo em realizar as eleições; recorda que só a realização de eleições credíveis permitirá sair da crise;
6. Salienta que os opositores no exílio devem poder regressar de forma segura e sem condições e que todos os cidadãos têm o direito de se apresentar como candidatos às eleições; acolhe favoravelmente a criação, em conjunto com a União Africana (UA), a Organização Internacional da Francofonia (OIF), a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) e as Nações Unidas, de uma equipa coordenada de peritos encarregada de respaldar a condução do processo eleitoral e de facilitar a mobilização de assistência financeira, logística e técnica à RDC; apoia o contributo da UE ao processo eleitoral da RDC e insta a UE a condicionar qualquer financiamento eleitoral à aplicação, pelo Governo da RDC, de medidas concretas que revelem uma vontade política clara de realizar eleições em 23 de dezembro de 2018, incluindo, em especial, a publicação de um orçamento realista para as eleições, bem como garantias relativamente a todos os direitos e liberdades fundamentais para todos os partidos políticos e organizações da sociedade civil;
7. Condena firmemente todas as formas de assédio e as ameaças de que são vítimas a sociedade civil e as ONG; manifesta especial preocupação com as mais recentes ameaças de morte dirigidas a representantes da FIDH e de organizações associadas; exorta as autoridades e as forças de segurança da RDC a respeitarem plenamente as condições previstas no Acordo de Cotonu e no Acordo de São Silvestre, nomeadamente o direito das pessoas a exercer a liberdade de expressão e a liberdade de reunião e de manifestação; insta as autoridades da RDC a ratificarem, tão rapidamente quanto possível, a Carta Africana sobre a Democracia, as Eleições e a Governação;
8. Condena os projetos legislativos apresentados na Assembleia Nacional da RDC relativos à regulamentação das ONG, aos defensores dos direitos humanos e à luta contra o terrorismo; exorta as autoridades da RDC a respeitarem plenamente as normas processuais de elaboração de legislação e a alinharem estes projetos de legislação com as normas internacionais e regionais de proteção e promoção dos direitos humanos;
9. Exorta a UE, os seus Estados-Membros e a comunidade internacional a reforçarem o apoio aos defensores dos direitos humanos e a sua proteção; apela às autoridades da RDC para que coloquem sob investigação e levem a julgamento todos os que cometem ataques a defensores dos direitos humanos e reprimem protestos democráticos;
10. Acolhe favoravelmente o anúncio do Secretário-Geral das Nações Unidas de que será aberto um inquérito ao ataque a tropas da MONUSCO, perpetrado pelas Forças Democráticas Aliadas em 7 de dezembro de 2017, que provocou a morte de 15 membros das forças de manutenção da paz na província de Kivu-Norte;
11. Manifesta preocupação com as recentes reduções orçamentais e a diminuição do número de soldados das Nações Unidas; insta o Conselho de Segurança das Nações Unidas e os Estados membros da ONU a assegurarem que a MONUSCO receba financiamento adequado para levar a cabo as tarefas que lhe são confiadas pelo seu mandato; recorda que o mandato da MONUSCO prevê que esta contribua para a proteção da população civil e apoie a aplicação do acordo político;
12. Exorta a UE e os seus Estados-Membros a concederem prioridade aos direitos humanos; reitera a importância de responsabilizar os autores de violações dos direitos humanos e de outras ações que comprometam uma solução pacífica para o conflito na RDC; congratula‑se, neste contexto, com a aplicação de sanções específicas pela UE e solicita à UE que pondere empregar meios adicionais, tal como previsto no Acordo de Cotonu, caso a situação continue a deteriorar-se e não se verifiquem progressos significativos no sentido de encontrar uma solução pacífica;
13. Recorda que, em abril de 2015, Ibrahim Thiaw, Diretor Executivo Adjunto do Programa das Nações Unidas para o Ambiente, afirmou que a exploração de recursos naturais representa mais de mil milhões de dólares por ano e que a maioria dos lucros, até 98 %, fica nas mãos de grupos internacionais, enquanto os restantes 2 % alimentam grupos armados internos; insta a Comissão e os Estados-Membros a tomarem as medidas necessárias contra as empresas europeias que não respeitem as normas internacionais ou que não compensem satisfatoriamente as vítimas de violações dos direitos humanos relacionadas, direta ou indiretamente, com elementos da sua responsabilidade; solicita a aplicação célere do acordo alcançado pelos Estados-Membros, em 15 de junho de 2016, sobre o regulamento europeu relativo a «minerais de conflito» (Regulamento (UE) 2017/821(4)) e a continuação do trabalho, a nível da UE e das Nações Unidas, destinado a desenvolver uma legislação internacional neste domínio;
14. Reitera o seu apoio à UA, à OIF e à SADC, bem como a Angola, em particular, enquanto facilitadores do diálogo político na RDC e em toda a região;
15. Manifesta a sua inquietação perante a intensificação da epidemia de cólera e apela ao reforço da ajuda humanitária para combater este surto; exorta a UE e os seus Estados-Membros a aumentarem a ajuda financeira e humanitária por intermédio de organizações fiáveis, a fim de satisfazer rapidamente as necessidades urgentes da população;
16. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, à Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, à Representante Especial da União Europeia para os Direitos Humanos, ao Conselho de Ministros e à Assembleia Parlamentar Paritária ACP-UE, à União Africana e ao Parlamento Pan-Africano, bem como ao Presidente, ao Primeiro‑Ministro e ao Parlamento da República Democrática do Congo.