Resolução do Parlamento Europeu, de 8 de fevereiro de 2018, sobre a escravatura infantil no Haiti (2018/2562(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta as suas anteriores resoluções sobre o Haiti,
– Tendo em conta a declaração conjunta, de 12 de junho de 2017, realizada por ocasião do Dia Mundial contra o Trabalho Infantil, pela Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança e pelo Comissário responsável pelo Desenvolvimento,
– Tendo em conta o relatório anual do Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas, que destaca os progressos e os desafios em matéria de direitos humanos no Haiti em 2017,
– Tendo em conta o estudo da Ação para a Migração ACP-UE, de 20 de julho de 2017, sobre o tráfico de seres humanos no Haiti,
– Tendo em conta o relatório de aplicação do Haiti analisado pelo Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas, em 15 de janeiro de 2016,
– Tendo em conta o Exame Periódico Universal do Haiti, realizado pelo ACNUR, de 31 de outubro a 11 de novembro de 2016,
– Tendo em conta o Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas,
– Tendo em conta a Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados,
– Tendo em conta o Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional,
– Tendo em conta a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança,
– Tendo em conta a Convenção Suplementar das Nações Unidas, de 7 de setembro de 1956, relativa à Abolição da Escravatura, do Tráfico de Escravos e das Instituições e Práticas Análogas à Escravatura, nomeadamente o seu artigo 1.º, alínea d),
– Tendo em conta a Convenção n.o 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) respeitante à proibição das formas mais abusivas do trabalho infantil e a Convenção n.o 138 da OIT sobre a idade mínima de admissão ao emprego,
– Tendo em conta a 34.a sessão da Assembleia Parlamentar Paritária ACP-UE, realizada em dezembro de 2017, em Porto do Príncipe, Haiti,
– Tendo em conta o Acordo de Cotonu,
– Tendo em conta os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas,
– Tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos do Homem das Nações Unidas,
– Tendo em conta o artigo 135.º, n.º 5, e o artigo 123.º, n.º 4, do seu Regimento,
A. Considerando que o Haiti é um dos países mais pobres do mundo e que as principais causas da pobreza que o atinge são a grave corrupção, as infraestruturas deficientes, a falta de cuidados de saúde, os baixos níveis de escolaridade e uma instabilidade política histórica;
B. Considerando que a utilização de crianças como trabalhadoras domésticas, frequentemente designadas pelo termo crioulo «restavek», é sistemática em todo o Haiti e se deve principalmente às difíceis condições económicas e à atitude cultural em relação às crianças;
C. Considerando que a prática do restavek é uma forma de tráfico interno e de escravatura moderna, afetando cerca de 400 000 crianças no Haiti, 60 % das quais são raparigas; considerando que muitas crianças haitianas não dispõem de uma certidão de nascimento, estando expostos ao risco de tráfico e de abusos; considerando que, segundo a UNICEF, a exposição das crianças à violência e aos abusos, incluindo os castigos corporais e a violência com base no género, é um problema considerável; considerando que uma em cada quatro mulheres e um em cada cinco homens são vítimas de abuso sexual antes dos 18 anos de idade; considerando que 85 % das crianças entre os 2 e os 14 anos são vítimas de atos de disciplina violenta em casa, 79 % são vítimas de castigos corporais e 16 % sofrem de castigos corporais extremos; considerando que se estima que aproximadamente 30 000 crianças vivam em cerca de 750 orfanatos, a maioria dos quais de gestão e financiamento privados;
D. Considerando que as crianças restavek são tipicamente oriundas de famílias pobres do meio rural, com escassas ou nenhumas fontes de rendimento, que venderão o seu filho a outra família em troca de comida ou dinheiro;
E. Considerando que o Governo do Haiti envidou alguns esforços no sentido de enfrentar o problema da exploração de crianças restavek, nomeadamente, a adoção de uma lei abrangente para combater o tráfico de seres humanos e de medidas destinadas a identificar e ajudar as crianças sujeitas a servidão doméstica, bem como campanhas de sensibilização; considerando que o Estado tem a obrigação de apoiar os pais para que estes possam cumprir as suas responsabilidades;
F. Considerando que a educação e a escolarização de muitas crianças haitianas são insuficientes; considerando que, segundo a UNICEF, 18 % das crianças entre os 6 e os 11 anos no Haiti não frequentam a escola primária; considerando que cerca de metade de todos os haitianos com 15 anos ou mais são analfabetos, uma vez que 85 % das escolas são geridas por entidades privadas e são demasiado caras para as famílias com baixos rendimentos; considerando que o furacão Matthew teve um impacto significativo no acesso à educação, provocando danos em 1 633 das 1 991 escolas nas zonas mais afetadas;
G. Considerando que mais de 175 000 pessoas, incluindo dezenas de milhares de crianças, que foram deslocadas no rescaldo do furacão Matthew, em outubro de 2016, continuam a viver em condições de extrema precariedade e insegurança; considerando que no sismo de 2010 mais de 220 000 perderam a vida e cerca de 800 000 crianças foram deslocadas, muitas das quais foram submetidas a escravatura;
H. Considerando que o Haiti é um país de origem, de trânsito e de destino para as vítimas de trabalhos forçados e do tráfico de crianças; considerando que o fenómeno dos restavek tem igualmente uma dimensão internacional, já que muitas crianças são traficadas para a vizinha República Dominicana;
I. Considerando que o recente impasse político e eleitoral após as eleições presidenciais de 2016 afetou gravemente a capacidade do Haiti de aprovar atos legislativos fundamentais e um orçamento nacional para fazer face aos desafios sociais e económicos urgentes;
J. Considerando que a impunidade no Haiti tem sido alimentada pela ausência de responsabilização dos funcionários públicos, em particular pela ausência de investigações sistemáticas relativas ao uso da força e às detenções ilegais ou arbitrárias generalizadas levadas a cabo pelas forças policiais; considerando que o Haiti ocupa a 159.ª posição, de um total de 176 países, no Índice de Perceção da Corrupção, da Transparency International;
K. Considerando que o Haiti ocupa a 163.º posição no Índice de Desenvolvimento Humano do PNUD e necessita constantemente de ajuda humanitária e ao desenvolvimento;
L. Considerando que, em setembro de 2017, o Parlamento do Haiti aprovou um orçamento nacional para o exercício de 2018 que aumenta os impostos, de forma desproporcionada, para uma população já empobrecida, o que conduziu a manifestações violentas e distúrbios na capital, Porto do Príncipe; considerando que o Ministro da Economia e Finanças, Patrick Salomon, apresentou um orçamento que, a título exemplificativo, privilegia a limpeza das instituições governamentais em detrimento dos programas de saúde pública;
M. Considerando que a UE atribuiu ao Haiti 420 milhões de euros, no âmbito do 11.º Fundo Europeu de Desenvolvimento, salientando particularmente a nutrição infantil e a educação, a fim de apoiar o desenvolvimento das crianças;
N. Considerando que em 2017 a UE lançou um convite à apresentação de propostas com o título francês «La promotion des droits des enfants et la protection des enfants victimes d’exploitation, discrimination, violence et abandon» (Promoção dos direitos das crianças e proteção das crianças vítimas de exploração, discriminação, violência e abandono), cuja principal prioridade era devolver as crianças detidas às suas famílias biológicas ou colocá-las em famílias de acolhimento;
1. Lamenta que no Haiti um grande número de crianças seja retirado à força às próprias famílias no âmbito do fenómeno dos restavek e que estas sejam submetidas a trabalhos forçados; apela à eliminação desta prática;
2. Manifesta a sua profunda preocupação com as persistentes violações dos direitos humanos, incluindo a violência com base no género, as detenções ilegais e a prática do restavek de submeter as crianças à escravatura no Haiti; insta o Governo do Haiti a dar prioridade a medidas legislativas, em particular à reforma do Código Penal, para enfrentar estes problemas, restabelecendo, simultaneamente, as instituições fundamentais do país que estagnaram na sequência do recente impasse político, tendo em vista a realização de reformas urgentes;
3. Insta o Governo do Haiti a aplicar medidas de caráter urgente no sentido de resolver as vulnerabilidades que conduzem as crianças à servidão doméstica, incluindo a proteção das crianças que são vítimas de negligência, abusos, violência e do trabalho infantil;
4. Insta a UE e os seus Estados-Membros a continuarem a ajudar o Haiti a aplicar medidas de proteção das crianças, nomeadamente parcerias e programas destinados a lutar contra a violência, o abuso e a exploração de crianças; insta o Governo do Haiti a atribuir prioridade e estabelecer procedimentos dotados de recursos suficientes para pôr termo à prática do restavek, incluindo a formação dos serviços sociais para ajudar a separar as crianças restavek das famílias abusivas e a oferecer programas de reabilitação que correspondam às suas necessidades físicas e psicológicas;
5. Insta o Governo do Haiti a criar um sistema administrativo que garanta o registo de todos os recém-nascidos, bem como medidas para registar no seu local de residência as crianças que não foram registadas à nascença;
6. Incentiva as autoridades haitianas e os doadores a transferir uma parte importante dos recursos atualmente utilizados em orfanatos dispendiosos, mas de fraca qualidade, aos serviços baseados na comunidade, que reforcem a capacidade das famílias e das comunidades de cuidar de forma adequada dos seus próprios filhos;
7. Solicita ao Governo do Haiti e aos restantes Estados-Membros da UE, se for o caso, que ratifiquem sem reservas as seguintes convenções, que são fundamentais na luta contra o tráfico de crianças e a escravatura infantil:
–
Protocolo Facultativo ao Pacto Internacional sobre os Direitos Económicos, Sociais e Culturais e participação nas investigações e nos procedimentos interestatais;
–
Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra os Desaparecimentos Forçados;
–
Convenção contra a Tortura e Outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes;
–
Estatuto de Roma;
8. Solicita que a ajuda da UE ao desenvolvimento se centre em particular no apoio à reforma urgente do sistema judicial e à formação dos magistrados e dos juízes no tratamento de casos de violação e de violência sexual, garantindo que as forças policiais e judiciais têm formação para lidar com imparcialidade com as mulheres e as raparigas que denunciem atos de violência com base no género;
9. Assinala que o Parlamento do Haiti aprovou um orçamento anual em setembro de 2017; salienta os recentes progressos em matéria de direito à educação, em particular através do programa de ensino universal, gratuito e obrigatório, que exige um sistema de controlo e execução eficazes, bem como um esforço financeiro constante do orçamento nacional do Haiti e da ajuda da UE ao desenvolvimento; solicita que seja dada mais atenção ao bem-estar e à reabilitação de crianças restavek, incluindo os mais desfavorecidos, os que sofrem de deficiência ou dificuldades de aprendizagem e os que vivem em zonas rurais, no âmbito do próximo FED e do Programa Indicativo Nacional do Haiti, nomeadamente através da elaboração de relatórios regulares conjuntos dos progressos relativos às medidas tomadas e respetiva eficácia na luta contra o fenómeno dos restavek;
10. Espera que a UE e os seus Estados-Membros, que se comprometeram a prestar assistência ao Haiti após o furacão Matthew, honrem os seus compromissos e ajudem o país a superar os seus desafios a longo prazo;
11. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, aos Estados-Membros, à Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, ao Conselho de Ministros ACP-UE, às instituições do Cariforum, aos Governos e aos Parlamentos do Haiti e da República Dominicana e ao Secretário-Geral das Nações Unidas.