Resolução do Parlamento Europeu, de 3 de maio de 2018, sobre a proteção das crianças no contexto da migração (2018/2666(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta a comunicação da Comissão, de 12 de abril de 2017, intitulada «Proteção das crianças no contexto da migração» (COM(2017)0211),
– Tendo em conta as conclusões do Conselho, de 8 de junho de 2017, sobre a proteção das crianças no contexto da migração,
– Tendo em conta a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança,
– Tendo em conta a resolução da Assembleia Geral da ONU, de 19 de setembro de 2016, que contém a Declaração de Nova Iorque para os Refugiados e os Migrantes(1),
– Tendo em conta o ponto 44 da Observação geral n.º 21 (2017) do Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas, de 21 de junho de 2017, sobre crianças em situações de rua(2),
– Tendo em conta as diretrizes da UE, de 6 de março de 2017, para a promoção dos direitos das crianças «Não deixar para trás nenhuma criança»,
– Tendo em conta a sua resolução, de 27 de novembro de 2014, sobre o 25.º aniversário da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança(3),
– Tendo em conta a sua resolução, de 12 de abril de 2016, sobre a situação no Mediterrâneo e a necessidade de uma abordagem holística da UE em relação à migração(4),
– Tendo em conta a sua resolução, de 12 de setembro de 2017, sobre a proposta de decisão do Conselho relativa à celebração, pela União Europeia, da Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica(5),
– Tendo em conta o acórdão do Tribunal de Justiça da União Europeia, de 12 de abril de 2018, no processo C-550/16, A e S contra Staatssecretaris van Veiligheid en Justitie(6),
– Tendo em conta a pergunta à Comissão sobre a proteção das crianças no contexto da migração (O-000031/2018 – B8‑0016/2018),
– Tendo em conta o artigo 128.º, n.º 5, e o artigo 123.º, n.º 2, do seu Regimento,
A. Considerando que, de acordo com a UNICEF, é estimado que 5,4 milhões de crianças migrantes vivem na Europa(7); considerando que, de acordo com os dados mais recentes do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (ACNUR), 32 039 crianças chegaram à Grécia, a Itália, a Espanha e à Bulgária em 2017; considerando que 46 % delas eram crianças não acompanhadas ou separadas das famílias (UASC) e as restantes 54 % estavam acompanhadas pelos pais ou por outros prestadores de cuidados; considerando que, em 1 de setembro de 2016, havia registo de 821 crianças detidas em nove Estados-Membros; considerando que a maioria dos Estados-Membros não fornece nem recolhe de forma sistemática dados sobre crianças que estão detidas durante os procedimentos dos serviços de imigração(8);
B. Considerando que, um ano após a sua publicação em 12 de abril de 2017, os Estados‑Membros continuam a ter dificuldades com a aplicação das recomendações da comunicação da Comissão relativa à proteção das crianças no contexto da migração;
C. Considerando que a falta de informação fiável e a morosidade dos procedimentos de reagrupamento familiar e de nomeação de um tutor, bem como o receio de serem detidas, reenviadas ou transferidas levam à fuga das crianças, expondo-as ao tráfico, à violência e à exploração;
D. Considerando que a falta de serviços de proteção de crianças e de atividades para crianças nos centros de acolhimento tem um impacto negativo na saúde mental das crianças;
E. Considerando que a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança exigem que o «interesse superior da criança» seja uma consideração primordial em todas as medidas que digam respeito às crianças;
F. Considerando que, de acordo com um estudo comparativo recente(9), os Estados‑Membros integram as crianças requerentes de asilo nas escolas a um ritmo diferente e, em alguns casos, mais de três meses após a apresentação do pedido de asilo, tendo as crianças mais velhas especiais problemas;
G. Considerando que, de acordo com os relatórios de 2016 da Asylum Information Database, o acesso ao procedimento de asilo é frequentemente problemático e pode implicar um atraso significativo suplementar(10);
H. Considerando que alguns Estados-Membros têm ainda dificuldades na determinação da idade e na proteção das crianças que não apresentam um pedido de asilo;
I. Considerando que um relatório recente da Organização Internacional para as Migrações (OIM) sobre a chegada de migrantes exploradas sexualmente estima que 80 % das raparigas provenientes da Nigéria através da rota do Mediterrâneo Central – cujo número disparou de 1 454 em 2014 para 11 009 em 2016 – são vítimas potenciais do tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual; considerando que os Estados‑Membros têm dificuldades na identificação e no apoio às raparigas que são vítimas de tráfico e exploração sexual;
J. Considerando que o fenómeno das crianças apátridas coloca sérios problemas de direitos humanos, e atrasa, portanto, o processo de determinação do estatuto das crianças na União Europeia, privando as crianças do acesso a serviços e direitos básicos;
1. Sublinha que todas as crianças, independentemente do seu estatuto de migrante ou refugiado, beneficiam, em primeiro lugar, de todos os direitos consagrados na Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança;
2. Está firmemente convicto de que a Comissão deve assistir os Estados-Membros na adoção e correta aplicação de uma abordagem holística baseada em direitos em todas as políticas relativas às crianças;
3. Salienta a importância de criar um plano individual com base nas necessidades e outras vulnerabilidades específicas de cada criança, tendo em conta o facto de que a qualidade de vida e o bem-estar das crianças exigem também uma integração precoce, um sistema de apoio comunitário e ter a oportunidade de realizar todo o seu potencial; considera que este tipo de abordagem se revelou igualmente eficaz na prevenção do desaparecimento das crianças;
4. Insta os Estados-Membros a aplicar o princípio do interesse superior da criança em todas as decisões relativas às crianças, independentemente do seu estatuto;
5. Salienta que todas as informações necessárias sobre os direitos das crianças, os procedimentos e as possibilidades de proteção devem estar disponíveis para as crianças, de forma adequada à sua idade e sensível ao género e numa língua que compreendam; insta o Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo a assistir os Estados-Membros na elaboração de material de acolhimento adequado para informação das crianças;
6. Insta os Estados-Membros a acelerar os procedimentos de designação de um tutor ou de um tutor temporário das crianças não acompanhadas à sua chegada;
7. Insta os Estados-Membros a assegurar que todas as crianças tenham acesso aos serviços de proteção de menores à sua chegada, inclusive nos centros de registo e nas instalações de acolhimento de crianças e nos postos fronteiriços de entrada;
8. Insta os Estados-Membros a garantir que todas as crianças, e, em particular, as crianças não acompanhadas, tenham acesso a um alojamento digno e a cuidados de saúde, e a assegurar o pleno acesso a uma educação formal e inclusiva nas mesmas condições que as crianças dos países de acolhimento da União, incluindo medidas preparatórias, como cursos de línguas, para assegurar que as crianças se integrem nas sociedades de acolhimento durante todo o tempo da sua presença no território do Estado-Membro;
9. Recorda que as crianças não acompanhadas devem ser alojadas em instalações separadas dos adultos, a fim de evitar qualquer risco de violência e abuso sexual;
10. Apela para que seja tornada prioritária a recolocação dos menores não acompanhados restantes que estão na Grécia e em Itália e que são elegíveis no âmbito das decisões de recolocação da União; apela para que sejam criadas estruturas para continuar a recolocação das crianças que estão nos Estados-Membros de chegada, quando tal é do interesse superior das crianças;
11. Reconhece o papel fundamental da administração local e regional, que está na linha da frente do acolhimento e da integração das crianças migrantes, apesar de ter recursos limitados; exorta os Estados-Membros a reforçar capacidades e a afetar recursos adequados para o acolhimento de crianças migrantes, em particular menores não acompanhados;
12. Exorta os Estados-Membros a atribuir um financiamento e um apoio adequados e permanentes à administração local e regional, e a assegurar o acesso aos fundos europeus, como o Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração (FAMI);
13. Insta os Estados-Membros a dar seguimento a todos os processos de reagrupamento familiar pendentes sem mais demora;
14. Salienta que as crianças não podem estar detidas durante os procedimentos dos serviços de imigração e insta os Estados-Membros a alojar todas as crianças e famílias com filhos no seio das comunidades locais e em liberdade, enquanto o seu estatuto em matéria de imigração segue os trâmites;
15. Considera que a Comissão deve intentar processos de infração contra os Estados‑Membros em caso de detenção prolongada e sistemática de crianças e das suas famílias durante os procedimentos dos serviços de imigração, para assegurar o respeito dos direitos fundamentais das crianças;
16. Salienta a necessidade de os Estados-Membros investirem urgentemente em reabilitação e apoio psicológicos e psiquiátricos para o tratamento dos problemas de saúde mental infantil;
17. Sublinha a importância da criação de um sistema robusto de identificação e registo baseado no interesse superior da criança, para garantir que as crianças entrem e permaneçam nos sistemas de proteção nacionais, com uma abordagem centrada nas crianças durante todo o processo, no respeito escrupuloso da Convenção da ONU sobre os Direitos da Criança; salienta que os Estados-Membros não devem utilizar a coação para efeitos de obtenção de dados biométricos de crianças;
18. Insta os Estados-Membros a partilhar as boas práticas em matéria de procedimentos de determinação da idade, com o objetivo de estabelecer padrões elevados para o processo de determinação da idade na União; salienta que os exames médicos a crianças devem ser realizados de forma não intrusiva e respeitando a dignidade das crianças;
19. Insta, além disso, os Estados-Membros a redobrar os esforços e a cooperação transfronteiras entre as autoridades de segurança e os serviços de proteção de menores, para encontrar e proteger as crianças desaparecidas, assegurando que o interesse superior do menor seja sempre um ponto primordial;
20. Lamenta a permanência e o caráter comum do fenómeno das crianças apátridas; insta a União e os seus Estados-Membros a garantir que o fenómeno das crianças apátridas seja regulado de forma adequada na legislação nacional, no pleno respeito do artigo 7.º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança;
21. Reconhece o progresso realizado pelos Estados-Membros e pela Comissão no domínio da Rede dos Organismos de Tutela da União e exorta os Estados-Membros a apoiar esta rede;
22. Salienta que todos aqueles que trabalham com crianças não podem ter antecedentes criminais comprovados no registo criminal, especialmente no que se refere a crimes ou infrações contra menores; exorta os Estados-Membros a fornecer formação contínua e adequada sobre os direitos e as necessidades dos menores não acompanhados, nomeadamente sobre as normas eventualmente aplicáveis em matéria de proteção de crianças;
23. Exorta os Estados-Membros a redobrar os seus esforços, nomeadamente a cooperação transfronteiriça, para identificar as crianças vítimas de tráfico, abuso e de todas as formas de exploração e para assegurar um igual acesso aos serviços de apoio à vítima para todas as crianças vítimas; reconhece a existência de um especial problema no que se refere à exploração de raparigas para a prostituição;
24. Salienta que a criação de novas rotas seguras e legais permitiria à União e aos Estados‑Membros responder melhor às necessidades de proteção, especialmente para as crianças, e minar o modelo de negócio dos contrabandistas;
25. Reconhece o contributo humanitário dado por diversas ONG nacionais e europeias, incluindo as que realizam operações de busca e salvamento, para a consecução do superior interesse da criança;
26. Exorta os Estados-Membros a redobrar, com caráter de urgência, os seus esforços para enfrentar conjuntamente diferentes formas de criminalidade organizada, incluindo o tráfico de crianças, para combater a impunidade e para assegurar que os autores de tais crimes, quer nacionais da União quer nacionais de países terceiros, sejam rapidamente acusados;
27. Entende que os direitos das crianças no contexto da migração devem ser tornados prioritários no período orçamental pós-2020, no espírito da comunicação da Comissão de 2017 sobre a proteção das crianças no contexto da migração, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e do manual da Comissão sobre a utilização dos fundos da União para a integração de pessoas oriundas da migração;
28. Insta os Estados-Membros a aumentar a cooperação transfronteiriça, a partilha de informação e a coordenação entre os vários serviços nos Estados-Membros, para colmatar as lacunas e assegurar que os sistemas de proteção de menores sejam adequados e não fragmentados;
29. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão e à Vice-Presidente da Comissão/Alta Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança.
‘«#Backtoschool», estudo elaborado por Global Progressive Forum, Migration Policy Group e SIRIUS European Policy Network, www.globalprogressiveforum.org/backtoschool
Relatórios de 2016 da AIDA intitulados «Wrong counts and closing doors: the reception of refugees and asylum seekers in Europe» e «Admissibility, responsibility and safety in European asylum procedures».