Resolução do Parlamento Europeu, de 13 de dezembro de 2018, sobre conflitos de interesses e proteção do orçamento da UE na República Checa (2018/2975(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta as suas anteriores decisões e resoluções sobre quitação à Comissão(1) relativas aos exercícios de 2014, 2015 e 2016,
– Tendo em conta o Regulamento (UE, Euratom) 2018/1046 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 18 de julho de 2018, relativo às disposições financeiras aplicáveis ao orçamento geral da União(2) (o novo Regulamento Financeiro), nomeadamente o artigo 61.º sobre conflitos de interesses,
– Tendo em conta as perguntas à Comissão apresentadas pelo Partido Pirata checo, em 2 de agosto de 2018,
– Tendo em conta a denúncia oficial apresentada à Comissão pelo ramo checo da Transparency International, em 19 de setembro de 2018,
– Tendo em conta o parecer do Serviço Jurídico da Comissão, de 19 de novembro de 2018, intitulado «Impact of Article 61 of the new Financial Regulation (conflict of interests) on payments from the European Structural and Investment (ESI) Funds» (Impacto do artigo 61.º do novo Regulamento Financeiro (conflitos de interesses) sobre os pagamentos dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento (FEEI)),
– Tendo em conta a apresentação feita em 20 de novembro de 2018 pela Direção-Geral do Orçamento da Comissão Europeia à Comissão do Controlo Orçamental do Parlamento Europeu, intitulada «Conflict of Interests Rules in the Financial Regulation 2018» (Normas relativas aos conflitos de interesses no Regulamento Financeiro de 2018),
– Tendo em conta o artigo 123.º, n.os 2 e 4, do seu Regimento,
A. Considerando que a disposição do Regulamento Financeiro de 2012 sobre conflitos de interesses não se aplicava explicitamente à gestão partilhada, mas que os Estados‑Membros foram obrigados a assegurar um controlo interno eficaz, inclusive no tocante à prevenção de conflitos de interesses;
B. Considerando que as regras em matéria de contratos públicos obrigam os Estados‑Membros a evitar conflitos de interesses (artigo 24.º da Diretiva 2014/24/UE(3)), incluindo interesses pessoais diretos ou indiretos, e que já existem regras para situações consideradas como conflitos de interesses ou para obrigações específicas em matéria de gestão partilhada (por exemplo, o Regulamento (UE) n.º 1303/2013(4));
C. Considerando que o Conselho adotou a sua posição sobre o novo Regulamento Financeiro em 16 de julho de 2018 e que o ato final foi assinado em 18 de julho de 2018; considerando que o artigo 61.º do Regulamento Financeiro, que proíbe os conflitos de interesses, entrou em vigor em 2 de agosto de 2018;
D. Considerando que o artigo 61.º, n.º 1, do Regulamento Financeiro (em conjugação com o artigo 61.º, n.º 3) estabelece:
i)
uma obrigação negativa, para os intervenientes financeiros, de evitar situações de conflito de interesses relacionadas com o orçamento da UE;
ii)
uma obrigação positiva, para os intervenientes financeiros, de tomar medidas adequadas para prevenir o surgimento de conflitos de interesses nas funções sob a sua responsabilidade e para enfrentar as situações que possam objetivamente ser consideradas como constituindo um conflito de interesses;
E. Considerando que, segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia(5), o conflito de interesses «constitui em si e objetivamente um disfuncionamento grave, sem que seja necessário ter em conta, para a sua qualificação, as intenções dos interessados e a sua boa ou má-fé»; considerando que a Comissão é obrigada a suspender os pagamentos de fundos da UE nos casos em que exista uma deficiência grave no funcionamento dos sistemas de gestão e controlo e em que se tenham revelado irregularidades graves não detetadas, não comunicadas e não corrigidas relacionadas com um conflito de interesses;
F. Considerando que, em 19 de setembro de 2018, o ramo checo da Transparency International apresentou uma denúncia formal à Comissão, alegando que o primeiro‑ministro checo, Andrej Babiš, violara reiteradamente a legislação da UE e da República Checa em matéria de conflitos de interesses;
G. Considerando que também se revelou que Andrej Babiš é o beneficiário efetivo da empresa Agrofert, que controla o grupo Agrofert, incluindo, nomeadamente, alguns importantes meios de comunicação social checos, através dos fundos fiduciários AB I e AB II, de que é fundador e, simultaneamente, único beneficiário;
H. Considerando que Andrej Babiš também preside ao Conselho checo para os Fundos Europeus Estruturais e de Investimento;
I. Considerando que diversas empresas que pertencem ao grupo Agrofert participam em projetos subsidiados pelo Programa de Desenvolvimento Rural da República Checa, que, por sua vez, é financiado pelo Fundo Europeu Agrícola de Desenvolvimento Rural;
J. Considerando que várias empresas pertencentes ao grupo Agrofert receberam montantes significativos dos Fundos Europeus Estruturais e de Investimento durante o período de 2014-2020, variando entre 42 milhões de EUR em 2013 e 82 milhões de EUR em 2017;
K. Considerando que o parecer do Serviço Jurídico da Comissão indica que, de acordo com a declaração de rendimentos dos funcionários públicos checos, Andrej Babiš obteve rendimentos do grupo Agrofert no valor de 3,5 milhões de EUR no primeiro semestre de 2018, através dos seus fundos fiduciários;
L. Considerando que o Parlamento solicitou repetidamente à Comissão, nas suas resoluções sobre a quitação, que acelere o procedimento de apuramento da conformidade, com o objetivo de obter informações sobre o risco de conflito de interesses no que se refere ao Fundo Nacional de Intervenção Agrícola da República Checa; considerando que o Parlamento sublinhou que a não adoção das medidas necessárias para evitar um conflito de interesses poderia obrigar as autoridades checas a retirarem a acreditação do organismo pagador e, também, provocar a aplicação de correções financeiras pela Comissão;
M. Considerando que, em setembro de 2018, a Comissão do Controlo Orçamental do Parlamento decidiu analisar esta questão no quadro do processo de quitação anual, nomeadamente durante as audições com os comissários mais afetados;
N. Considerando que estas audições não deram aos deputados ao Parlamento Europeu respostas claras e suficientes sobre a situação do potencial conflito de interesses do primeiro-ministro checo;
O. Considerando que, em 1 de dezembro de 2018, vários meios de comunicação social europeus, incluindo os jornais The Guardian, Le Monde, De Standaard e Süddeutsche Zeitung, publicaram informações sobre o parecer jurídico emitido pelo Serviço Jurídico da Comissão, que confirma o caso de conflito de interesses que implica Andrej Babiš;
1. Manifesta a sua profunda preocupação com o incumprimento, por parte da República Checa, do artigo 61.º, n.º 1, do Regulamento Financeiro relativo ao conflito de interesses do primeiro-ministro checo e às suas relações com o grupo Agrofert;
2. Lamenta todos os tipos de conflito de interesses suscetíveis de comprometer a execução do orçamento da UE e de minar a confiança dos cidadãos da União na correta gestão do dinheiro dos contribuintes da UE; insta a Comissão a assegurar a aplicação de uma política de tolerância zero, sem dualidade de critérios, aos conflitos de interesses de todos os políticos da UE e a não justificar quaisquer atrasos na proteção dos interesses financeiros da União;
3. Recorda a sua resolução, de 27 de abril de 2017, sobre a quitação para o exercício de 2015(6), na qual «observa que o Organismo Europeu de Luta Antifraude (OLAF) instaurou investigações administrativas [...] sobre um projeto na República Checa conhecido por “Stork Nest” (ninho de cegonhas) com base em alegadas irregularidades» e «apela à Comissão para que informe a sua comissão competente imediatamente após a conclusão das investigações»; recorda a sua resolução, de 18 de abril de 2018, sobre a quitação para o exercício de 2016(7), na qual «[se congratula] com o facto de o OLAF ter concluído o seu inquérito administrativo sobre o projeto checo conhecido por “Stork Nest” (ninho de cegonhas)» e «lamenta que o OLAF tenha detetado irregularidades graves»;
4. Regista a resposta dada pelo Comissário Oettinger em 29 de novembro de 2018, no âmbito do processo de quitação referente a 2017, à pergunta escrita n.º 51, informando o Parlamento de que, em conformidade com a recomendação do OLAF sobre o caso «Stork Nest», adotada em dezembro de 2017, as autoridades checas retiraram o projeto investigado pelo OLAF do pedido de pagamento final do programa operacional regional para a Boémia Central, informando ainda que não foram transferidos fundos da UE a este título; observa, além disso, que o OLAF recomendou às autoridades judiciais nacionais que dessem início a uma investigação penal sobre as questões não abrangidas pelo inquérito do OLAF e que estas autoridades são agora competentes para apreciar o caso em apreço;
5. Salienta que, dada a aplicabilidade direta do artigo 61, n.º 1, do Regulamento Financeiro sobre conflitos de interesses, todos os intervenientes na execução do orçamento da UE, incluindo os Chefes de Governo, são responsáveis pelo cumprimento da obrigação de prevenir conflitos de interesses e por dar resposta a situações que possam objetivamente ser consideradas como conflitos de interesses;
6. Lamenta que a Comissão tenha permanecido passiva durante muito tempo, apesar de existirem fortes indícios, desde 2014, de que Andrej Babiš tinha um conflito de interesses na sua função de ministro das Finanças e, posteriormente, de primeiro-ministro;
7. Recorda a obrigação das autoridades nacionais de velar por que a legislação da União em matéria de conflitos de interesses seja aplicada em todos os casos e a todas as pessoas;
8. Exorta a Comissão a criar um mecanismo de controlo para resolver a questão dos conflitos de interesses nos Estados-Membros e a definir a prevenção ativa de conflitos de interesses como uma das suas prioridades; insta a Comissão a intervir de forma decisiva, especialmente quando as autoridades nacionais não ajam para evitar conflitos de interesses dos seus mais altos representantes;
9. Exorta a Comissão a acompanhar esta questão sem demora, com base no parecer do seu Serviço Jurídico resultante da denúncia do ramo checo da Transparency Internacional, e a aplicar as medidas e os procedimentos de correção necessários para alterar qualquer eventual situação ilegal, incluindo medidas para suspender todo o financiamento da UE ao grupo Agrofert até que o conflito de interesses tenha sido cabalmente investigado e resolvido;
10. Solicita a todas as autoridades nacionais e aos funcionários das administrações públicas que apliquem de forma proativa o novo Regulamento Financeiro, nomeadamente o artigo 61.º sobre conflitos de interesses, a fim de evitar situações prejudiciais para a reputação da UE e dos seus Estados-Membros, assim como para a democracia e os interesses financeiros da União, e que deem o exemplo, trabalhando para o bem comum, e não em benefício pessoal;
11. Insta os parlamentos nacionais dos Estados-Membros a assegurarem que nenhuma legislação nacional em matéria de prevenção de conflitos de interesses seja contrária à letra e ao espírito do novo Regulamento Financeiro;
12. Regista o parecer elaborado pelo Serviço Jurídico da Comissão sobre o eventual conflito de interesses que implica o atual primeiro-ministro checo, Andrej Babiš, enquanto ministro das Finanças em 2014; solicita à Comissão que investigue exaustivamente a legalidade de todas as subvenções da UE atribuídas ao grupo Agrofert desde que Andrej Babiš entrou no Governo checo, tendo em conta o anterior Regulamento Financeiro aplicável antes de 2 de agosto de 2018 e a respetiva secção sobre conflitos de interesses;
13. Solicita à Comissão que publique todos os documentos de que dispõe relacionados com o eventual conflito de interesses do primeiro-ministro checo e do ministro da Agricultura e explique quais as medidas que tenciona tomar para resolver a situação;
14. Exorta a Comissão a recuperar todos os fundos pagos ilegal ou irregularmente;
15. Insiste na total transparência de quaisquer ligações de Andrej Babiš ao grupo Agrofert e afirma que tais ligações não devem interferir com o seu papel de primeiro-ministro da República Checa;
16. Apela ao Conselho para que tome todas as medidas necessárias e adequadas para prevenir os conflitos de interesses no contexto das negociações sobre o futuro orçamento da UE e o próximo quadro financeiro plurianual, em consonância com o artigo 61.º, n.º 1, do Regulamento Financeiro;
17. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução à Comissão, ao Conselho e ao Governo e ao Parlamento da República Checa.