Resolução do Parlamento Europeu, de 13 de fevereiro de 2019, sobre a utilização da canábis para fins terapêuticos (2018/2775(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta o artigo 168.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia,
– Tendo em conta a pergunta apresentada à Comissão sobre a utilização da canábis para fins terapêuticos (O-000122/2018 – B8‑0001/2019),
– Tendo em conta o artigo 128.º, n.º 5, e o artigo 123.º, n.º 2, do seu Regimento,
A. Considerando que existem mais de 480 compostos na planta de canábis, com mais de 100 canabinóides constituídos por substâncias psicoativas e não psicoativas; que muitos dos compostos que constituem a planta de canábis são exclusivos desta planta;
B. Considerando que o D9-tetra-hidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD) são os canabinóides mais conhecidos identificados na canábis, e que o THC constitui a principal componente psicoativa, que cria dependência da canábis, ao passo que a CBD não tem propriedades psicoativas nem viciantes;
C. Considerando que muitos outros canabinóides que compõem a planta de canábis, como o canabicromeno, o canabinol, o ácido canabidiólico, o canabigerol o e o tetrahidrocanabivarin, podem ter efeitos neuroprotetores, contribuir para a diminuição de certos sintomas que afetam os doentes, como a dor crónica, a inflamação ou as infeções bacterianas, bem como estimular o crescimento dos ossos;
D. Considerando que os produtos derivados da canábis utilizados para fins terapêuticos são, de um modo geral, referidos como «canábis medicinal»; que, não obstante, esta expressão não está, em grande medida, definida do ponto de vista jurídico, permanecendo ambígua e aberta à interpretação; que a expressão «canábis medicinal» deve ser diferenciada dos medicamentos derivados da canábis que foram sujeitos a ensaios clínicos e receberam aprovação regulamentar;
E. Considerando que as convenções das Nações Unidas e o direito internacional não impedem a utilização medicinal de canábis e de produtos à base de canábis para o tratamento de patologias específicas;
F. Considerando que a abordagem em relação à legislação sobre canábis, nomeadamente sobre canábis para fins terapêuticos, varia muito de um Estado-Membro da UE para outro, designadamente em termos de níveis máximos autorizados de concentração de THC e CBD, o que pode criar dificuldades aos países que aplicam uma abordagem mais prudente;
G. Considerando que nenhum Estado-Membro da UE autoriza o fumo de canábis para fins terapêuticos ou o seu cultivo doméstico para os mesmos fins;
H. Considerando que o quadro das políticas relativas à canábis para fins terapêuticos está a evoluir na UE e no resto do mundo; que ainda existem mal-entendidos em torno das diferentes utilizações da canábis, mesmo entre as administrações nacionais, sendo a legalização da canábis para uso recreativo muitas vezes confundida com a necessidade de garantir o acesso seguro e legal à canábis para fins terapêuticos a todos os doentes que dela necessitem;
I. Considerando que a utilização da canábis em geral pode provocar dependência e é responsável por importantes problemas sociais e de saúde; que, por conseguinte, a prevenção da dependência, a vigilância e a luta contra as práticas ilegais continuam a ser necessárias, em especial se passar a haver uma maior utilização da canábis para fins terapêuticos;
J. Considerando que, desde junho de 2018, não foram autorizados medicamentos à base de canábis através do procedimento centralizado de autorização da Agência Europeia de Medicamentos e que apenas um produto deste tipo foi sujeito a esse procedimento;
K. Considerando que apenas um medicamento à base de canábis foi autorizado ao abrigo do procedimento de reconhecimento mútuo, tendo a sua colocação no mercado sido autorizada em 17 Estados-Membros da UE para o tratamento da espasticidade causada pela esclerose múltipla;
L. Considerando que a literatura científica existente sobre a utilização da canábis em contexto terapêutico apresenta provas conclusivas ou substanciais de que a canábis e os canabinóides têm efeitos terapêuticos no tratamento da dor crónica nos adultos (designadamente em doenças oncológicas), funcionam como antiemético no tratamento das náuseas e dos vómitos provocados pela quimioterapia, contribuem para a melhoria dos sintomas de espasticidade da esclerose múltipla comunicados pelos doentes e são eficazes no tratamento de doentes que sofrem de ansiedade, perturbação de stress pós‑traumático e depressão;
M. Considerando que está comprovado que a canábis ou os canabinóides podem ser eficazes no aumento do apetite e na diminuição da perda de peso associada ao VIH/SIDA, no alívio dos sintomas de problemas mentais como a psicose ou a síndrome de Tourette, no alívio de sintomas de epilepsia, bem como da doença de Alzheimer, da artrite, da asma, do cancro, da doença de Crohn e do glaucoma, contribuindo igualmente para a redução do risco de obesidade e de diabetes e para a atenuação das dores menstruais;
N. Considerando que os dados oficiais sobre a investigação e o financiamento da investigação sobre a canábis para fins terapêuticos continuam a ser escassos; que a investigação sobre a canábis para fins terapêuticos não recebeu qualquer apoio direto no âmbito do atual programa de investigação da UE e que a coordenação de projetos de investigação sobre canábis para fins terapêuticos nos Estados-Membros é limitada;
O. Considerando que a avaliação da aplicação da Estratégia da UE de Luta contra a Droga (2013-2020) reconheceu que um vasto leque de partes interessadas notou a ausência de um debate sobre a evolução recente da política relativa à canábis e que este aspeto constituiu um dos pontos mais frequentemente referidos no quadro do exame de questões não abrangidas pela estratégia;
P. Considerando que não existe um sistema de normalização uniforme para a marcação e a rotulagem dos medicamentos que contêm THC, CBD e outros canabinóides presentes na planta de canábis;
Q. Considerando que os Estados-Membros da UE dispõem de pouca ou nenhuma informação fiável para o pessoal médico – estudantes de Medicina, médicos, farmacêuticos, psiquiatras, etc. – sobre o impacto dos medicamentos que contêm THC e CBD, e que existe também falta de informação e de advertências destinadas aos jovens e às mulheres que ponderam a maternidade;
R. Considerando que não existe um regime no interior da União relativo à comercialização de medicamentos à base de canábis;
1. Solicita à Comissão e às autoridades nacionais que colaborem com vista à elaboração de uma definição jurídica de canábis para fins terapêuticos e que estabeleçam uma distinção clara entre medicamentos à base de canábis aprovados pela EMA ou por outra entidade reguladora, canábis para fins terapêuticos não apoiada por ensaios clínicos e outras aplicações da canábis (por exemplo, para fins recreativos ou industriais);
2. Considera que a investigação sobre os benefícios potenciais dos medicamentos derivados da canábis e sobre a canábis em geral tem sido subfinanciada e deve ser tratada de forma adequada no âmbito do futuro Nono Programa-Quadro e de programas nacionais de investigação, para que sejam exploradas as possíveis utilizações de THC, CBD e outros canabinóides para fins terapêuticos, bem como os seus efeitos no corpo humano, nomeadamente os ensinamentos retirados da experiência da prescrição não aprovada de canábis;
3. Insta a Comissão e os Estados-Membros a eliminarem os obstáculos regulamentares, financeiros e culturais que impendem sobre a investigação científica no que respeita à utilização da canábis para fins terapêuticos e sobre a investigação relativa à canábis em geral; exorta ainda a Comissão e os Estados-Membros a definirem as condições necessárias para permitir que seja levada a cabo uma investigação científica credível e independente, baseada num vasto leque de produtos, sobre a utilização da canábis para fins terapêuticos;
4. Insta a Comissão a determinar as áreas prioritárias de investigação em matéria de canábis para fins terapêuticos em concertação com as autoridades competentes, com base em trabalhos pioneiros de investigação noutros países e centrando-se em domínios que possam ter maior valor acrescentado;
5. Exorta a Comissão e os Estados-Membros a intensificarem as atividades de investigação e a promoverem a inovação relativamente a projetos relacionados com a utilização da canábis para fins terapêuticos;
6. Exorta a Comissão a desenvolver uma estratégia abrangente para garantir os padrões mais elevados para a investigação independente, o desenvolvimento, a autorização, a comercialização e a farmacovigilância e para impedir o abuso de produtos derivados da canábis; salienta a necessidade de normalização e uniformização dos produtos que contenham medicamentos à base de canábis;
7. Destaca a importância de uma estreita cooperação e coordenação com a Organização Mundial de Saúde (OMS) no que respeita a novas medidas da UE no domínio da canábis para fins terapêuticos;
8. Exorta a Comissão a estabelecer uma rede que reúna a EMA, o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT), bem como as autoridades nacionais competentes, as organizações de doentes, a sociedade civil, os parceiros sociais, as organizações de consumidores, os profissionais de saúde, as ONG e outras partes interessadas pertinentes, para assegurar uma execução eficaz da estratégia para os medicamentos à base de canábis;
9. Insta os Estados-Membros a facultarem aos profissionais de saúde uma formação médica adequada e a incentivarem um maior conhecimento acerca da canábis para fins terapêuticos, com base em investigações independentes e abrangentes; convida ainda os Estados-Membros a autorizarem os médicos a utilizarem sem restrições a sua capacidade de apreciação profissional para receitar medicamentos à base de canábis aprovados pelas autoridades reguladoras a doentes com patologias pertinentes e a permitirem que os farmacêuticos tratem essas receitas de forma legal; destaca a necessidade de todo o pessoal médico – como estudantes de Medicina, médicos e farmacêuticos – ter formação e acesso a publicações sobre os resultados da investigação científica independente;
10. Insta a Comissão a trabalhar com os Estados-Membros para melhorar a igualdade de acesso a medicamentos à base de canábis e a garantir que, nos casos em que tal seja permitido, os medicamentos eficazes para tratar doenças específicas sejam cobertos pelos regimes de seguro de doença da mesma forma que outros medicamentos; convida os Estados-Membros a garantir aos doentes uma escolha segura e equitativa dos diferentes tipos de medicamentos à base de canábis, assegurando, em simultâneo, que os doentes sejam acompanhados por profissionais médicos especializados durante o tratamento;
11. Salienta que, para garantir que os doentes tenham acesso à terapia adequada para o seu caso específico e que responda às suas necessidades individuais de pacientes com uma ou mais patologias, é essencial garantir que os doentes recebam informações completas sobre toda a gama de estirpes de plantas utilizadas na medicação fornecida; assinala que essas informações permitem aos doentes compreender e aos médicos receitar medicamentos que tenham em conta as necessidades globais do doente e a terapia correspondente;
12. Solicita aos Estados-Membros que revejam a sua legislação pertinente sobre a utilização de medicamentos à base de canábis sempre que a investigação científica demonstre que o mesmo efeito positivo não pode ser alcançado através da utilização de medicamentos correntes que não provoquem dependência;
13. Exorta os Estados-Membros a assegurarem a disponibilização suficiente de medicamentos à base de canábis para satisfazer as necessidades reais, quer através da sua produção de acordo com as normas médicas nacionais, quer, eventualmente, através de importações que cumpram os requisitos nacionais aplicáveis aos medicamentos à base de canábis;
14. Insta a Comissão a trabalhar com os Estados-Membros para garantir que a canábis segura e controlada utilizada para fins terapêuticos apenas possa estar presente em produtos derivados de canábis que tenham sido alvo de ensaios clínicos, avaliação regulamentar e aprovação;
15. Insta a Comissão a garantir que a investigação sobre a canábis para fins terapêuticos e o seu uso na União não favoreçam, seja de que que maneira for, redes criminosas de narcotráfico nem conduzam à sua expansão;
16. Realça que uma regulamentação exaustiva e assente em provas sobre medicamentos à base de canábis se traduziria em recursos adicionais para as autoridades públicas, limitaria o mercado negro, garantiria a qualidade dos produtos e a rotulagem precisa para ajudar a controlar os pontos de venda, limitaria o acesso dos menores a esta substância e daria aos doentes segurança jurídica e um acesso seguro à sua utilização terapêutica – com precauções especiais para os jovens e as mulheres grávidas;
17. Salienta que a prevenção rigorosa da dependência entre os menores e os grupos vulneráveis deve sempre fazer parte de qualquer quadro regulamentar;
18. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução à Comissão.