Resolução do Parlamento Europeu, de 8 de julho de 2020, sobre o rapto parental internacional e nacional de crianças da UE no Japão (2020/2621(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta o artigo 1.º da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
– Tendo em conta o artigo 9.º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989,
– Tendo em conta a Convenção da Haia de sobre os Aspetos Civis do Rapto Internacional de Crianças, de 25 de outubro de 1980 (a seguir, «Convenção da Haia de 1980»),
– Tendo em conta o artigo 2.º e o artigo 3.º, n.ºs 1, 5 e 6, do Tratado da União Europeia (TUE),
– Tendo em conta o artigo 24.º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,
– Tendo em conta a Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963,
– Tendo em conta os princípios sublinhados na sua resolução, de 28 de abril de 2016, sobre a salvaguarda do interesse superior da criança na UE com base nas petições apresentadas ao Parlamento Europeu(1),
– Tendo em conta as Diretrizes da UE para a promoção e proteção dos direitos das crianças, adotadas em 2017,
– Tendo em conta o papel e as atividades da coordenadora do Parlamento Europeu para os direitos da criança sobre a questão do rapto parental e dos litígios relativos aos direitos de guarda e de visita que envolvam crianças com cidadania da UE no Japão,
– Tendo em conta as deliberações da Comissão das Petições na sua reunião de 19 e 20 de fevereiro de 2020,
– Tendo em conta o artigo 227.º, n.º 2, do seu Regimento,
A. Considerando que, na sua reunião de 19 de fevereiro de 2020, a Comissão das Petições debateu as petições n.ºs 0594/2019, 0841/2019, 0842/2019 e 0843/2019 sobre o rapto parental de crianças e os direitos de visita envolvendo casais de nacionalidade mista, em que um dos parceiros é nacional de um país da UE e o outro japonês;
B. Considerando que estas petições suscitaram preocupações relativamente ao fraco desempenho do Japão em matéria de execução das decisões judiciais sobre o regresso de crianças ao abrigo da Convenção da Haia de 1980 e relativamente à falta de meios para fazer respeitar os direitos de visita, impedindo assim os pais da UE de manterem uma verdadeira relação com os filhos que residem no Japão;
C. Considerando que é alarmante o número significativo de casos não resolvidos de rapto parental de crianças, em que um dos pais é nacional de um país da UE e o outro é nacional do Japão;
D. Considerando que a legislação japonesa não prevê a possibilidade de guarda partilhada ou conjunta; que diferentes fontes demonstraram que o rapto de crianças é uma forma grave de maus tratos a menores;
E. Considerando que, no Japão, os direitos de visita dos pais privados dos filhos são muito limitados ou inexistentes;
F. Considerando que todos os Estados-Membros são Partes na Convenção da Haia de 1980 e na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança;
G. Considerando que o Japão aderiu à Convenção da Haia de 1980 em 2014 e é Parte na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança desde 1994;
H. Considerando que as crianças que são nacionais de um país da UE, no Japão, têm direito à proteção e aos cuidados necessários ao seu bem-estar; que podem exprimir livremente a sua opinião; que essa opinião tem de ser tomada em consideração nos assuntos que lhes digam respeito, em função da sua idade e maturidade;
I. Considerando que a responsabilidade de educar a criança e de assegurar o seu desenvolvimento cabe em primeiro lugar aos pais; que as Partes têm a obrigação de diligenciar de forma a assegurar o reconhecimento do princípio segundo o qual ambos os pais têm uma responsabilidade comum na educação e no desenvolvimento da criança;
J. Considerando que, em todas as medidas tomadas em relação a crianças da UE no Japão, o interesse superior da criança deve sempre prevalecer sobre as demais considerações;
K. Considerando que, no Japão, todas as crianças da UE têm o direito de manter de forma regular relações pessoais e contactos diretos com ambos os pais, exceto se isso for contrário aos seus interesses;
L. Considerando que as Partes têm a obrigação de garantir que as crianças não sejam separadas dos pais contra a vontade destes, salvo se as autoridades competentes decidirem, sob reserva de controlo jurisdicional e em conformidade com as leis e procedimentos aplicáveis, que a separação é necessária no interesse superior da criança; que tal decisão pode ser necessária no caso de, por exemplo, os pais maltratarem ou negligenciarem a criança ou no caso de os pais viverem separados e tiver de ser tomada uma decisão sobre o local de residência da criança;
M. Considerando que as Partes têm a obrigação de respeitar o direito de a criança separada de um ou ambos pais manter relações pessoais e contactos diretos regulares com ambos, exceto se tal for contrário ao interesse superior da criança;
N. Considerando que, para assegurar o regresso pontual das crianças, todas as Partes na Convenção da Haia de 1980 devem comprometer-se a adotar medidas e legislação nacionais compatíveis com as suas obrigações e deveres decorrentes dessa convenção;
O. Considerando que as crianças cujos pais residam em Estados diferentes têm o direito de manter, salvo circunstâncias excecionais, relações pessoais e contactos diretos regulares com ambos;
P. Considerando que o presidente francês, Emmanuel Macron, o primeiro-ministro italiano, Giuseppe Conte, e a Chanceler alemã, Angela Merkel, falaram com o primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, em nome de pais franceses, italianos e alemães, e que os embaixadores europeus no Japão enviaram uma carta conjunta ao ministro da Justiça japonês sobre o rapto parental de crianças;
Q. Considerando que, em agosto de 2019, pais cujas crianças foram raptadas pelo outro progenitor, apresentaram uma queixa formal ao Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas;
R. Considerando que a coordenadora do Parlamento para os direitos da criança tem prestado assistência aos pais e, desde 2018, tem abordado com as autoridades japonesas questões específicas relacionadas com o rapto de crianças pelos pais e com os litígios relativos aos direitos de guarda e de visita que envolvam cidadãos de países da UE nomeadamente com o ministro japonês da Justiça, em outubro de 2018, e com o embaixador do Japão junto da UE, em maio de 2019;
S. Considerando que, em 6 de março de 2020, a Comissão das Petições e, em 5 de fevereiro de 2020, a coordenadora do Parlamento para os direitos da criança enviaram uma carta ao Vice-Presidente da Comissão/Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança (VP/AR), Josep Borrell, solicitando que a questão das obrigações internacionais do Japão ao abrigo da Convenção da Haia de 1980 e da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança seja inscrita na ordem do dia da próxima reunião conjunta organizada no âmbito do Acordo de Parceria Estratégica entre a UE e o Japão;
T. Considerando que, em 31 de janeiro de 2020, na segunda reunião do Comité Misto instituído ao abrigo do Acordo de Parceria Estratégica UE-Japão, a UE apelou ao Japão para que melhore o quadro jurídico nacional e a aplicação efetiva deste quadro, a fim de garantir o respeito das decisões judiciais e dos compromissos internacionais do Japão, como a Convenção sobre os Direitos da Criança e a Convenção da Haia de 1980; que a UE insistiu igualmente na necessidade de assegurar o interesse superior da criança e de respeitar os direitos de visita concedidos aos pais;
U. Considerando que, com base nas conclusões da sua reunião de 19 e 20 de fevereiro de 2020, a Comissão das Petições enviou uma carta à Missão do Japão junto da União Europeia, instando as autoridades japonesas a respeitarem a legislação nacional e internacional relativa aos direitos das crianças e aos aspetos civis do rapto internacional de crianças;
1. Manifesta preocupação com a situação das crianças que sofrem por terem sido raptadas por um dos pais no Japão e com o facto de as leis e decisões judiciais pertinentes não serem aplicadas em todo o lado; recorda que as crianças com cidadania da UE no Japão têm de beneficiar da proteção prevista nos acordos internacionais que salvaguardam os seus direitos;
2. Observa com pesar que, ao que tudo indica, o Japão, parceiro estratégico da UE, não cumpre as normas internacionais aplicáveis em caso de rapto de crianças; recorda que o quadro jurídico do país deve ser melhorado, de modo a que, por exemplo, as decisões proferidas pelos tribunais japoneses e por outros tribunais dos países envolvidos nos procedimentos previstos na Convenção da Haia de 1980 sobre o regresso de crianças sejam efetivamente executadas no Japão;
3. Salienta que o respeito dos princípios em matéria de direitos humanos das crianças depende das ações nacionais do Governo japonês; salienta que são necessárias medidas legislativas e não legislativas para salvaguardar, nomeadamente, o direito da criança a ambos os progenitores; insta as autoridades japonesas a darem efetivamente execução às decisões dos tribunais sobre os direitos de visita concedidos aos pais privados dos filhos e sobre a possibilidade de os pais poderem manter um verdadeiro contacto com os filhos que residem no Japão; salienta que estas decisões devem ser tomadas tendo sempre em conta o interesse superior da criança;
4. Salienta que os casos de rapto de crianças exigem um tratamento rápido, uma vez que a passagem do tempo pode, a longo prazo, ter consequências negativas para a criança e para as futuras relações entre as crianças e os pais privados dos filhos;
5. Assinala que o rapto de crianças pelos pais pode prejudicar o bem-estar das crianças e ter efeitos nocivos a longo prazo; salienta que o rapto de crianças pode dar origem a problemas de saúde mental tanto para a criança como para o progenitor privado dos filhos;
6. Sublinha que um dos principais objetivos da Convenção da Haia de 1980 é o de proteger as crianças dos efeitos prejudiciais do rapto pelos pais, estabelecendo procedimentos para garantir o regresso imediato da criança ao país de residência habitual imediatamente antes do rapto;
7. Congratula-se com o apoio da coordenadora do Parlamento Europeu para os direitos da criança e com o seu envolvimento face a esta situação, e solicita-lhe que continue a trabalhar com a Comissão das Petições para abordar os casos apresentados por peticionários;
8. Insiste na necessidade de todos os sistemas de proteção das crianças disporem de mecanismos transnacionais e transfronteiriços que tenham em consideração as especificidades dos litígios transfronteiriços;
9. Sugere que, em conjunto com a Conferência da Haia, seja criada uma plataforma informativa de apoio europeia, de fácil utilização, de forma a prestar assistência aos pais envolvidos em litígios familiares transfronteiriços (por exemplo, completando o Portal Europeu da Justiça com informações sobre o rapto de crianças pelos pais em países terceiros e sobre outros direitos das crianças);
10. Recomenda que os Estados-Membros coloquem informações fiáveis à disposição dos seus cidadãos sobre o Direito da família e os direitos das crianças em países terceiros, incluindo avisos sobre dificuldades que possam encontrar em países como o Japão em caso de divórcio ou separação;
11. Acolhe com agrado o compromisso da Comissão de abordar a questão em todos os fóruns possíveis, incluindo o Comité Misto do Acordo de Parceria Estratégica UE-Japão;
12. Exorta o VP/AR a inscrever esta questão na ordem do dia da próxima reunião organizada no âmbito do Acordo de Parceria Estratégica entre a UE e o Japão; solicita às autoridades japonesas que apliquem o Código Penal e o Código Civil do país;
13. Recorda que, nos termos da Convenção da Haia de 1980, as autoridades japonesas são obrigadas a assegurar que as autoridades centrais cumpram as suas obrigações, tal como estabelecido nos artigos 6.º e 7.º, que incluem a assistência aos pais privados dos filhos para que possam manter contacto com estes;
14. Recorda que as autoridades japonesas têm a obrigação de respeitar as disposições da Convenção de Viena sobre Relações Consulares, para que os representantes dos Estados-Membros possam desempenhar as suas funções consulares, especialmente nos casos em que esteja em jogo a salvaguarda do interesse superior das crianças e dos direitos dos seus pais (cidadãos da UE);
15. Salienta que limitar ou recusar completamente o acesso aos pais e os direitos de visita é contrário ao disposto no artigo 9.º da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança;
16. Solicita à Comissão e ao Conselho que salientem a questão das obrigações das Partes no âmbito da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e, em particular o direito de a criança manter relações pessoais e contactos diretos regulares com ambos os pais, exceto se tal for contrário ao interesse superior da criança;
17. Apela, neste contexto, às autoridades japonesas para que sigam as recomendações internacionais no sentido de introduzirem as alterações necessárias no sistema jurídico do país e preverem a possibilidade de guarda partilhada ou conjunta após a dissolução da relação dos pais, a fim de colocarem a legislação nacional em consonância com os seus compromissos internacionais e assegurarem que os direitos de visita reflitam as obrigações que lhes incumbem em virtude da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança; insta as autoridades japonesas a respeitarem os seus compromissos relativamente à Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, que ratificaram;
18. Exorta as autoridades japonesas a melhorarem a cooperação com a UE e a permitirem a aplicação efetiva dos direitos de visita concedidos, por decisão judicial, aos pais privados dos filhos;
19. Insta a Comissão a conferir particular atenção às recomendações de todos os intervenientes pertinentes a nível nacional e da UE em matéria de mediação transfronteiriça;
20. Apela a uma maior cooperação internacional entre os Estados-Membros e com países terceiros, de modo a aplicar toda a legislação internacional relativa à proteção das crianças e, em especial, a Convenção da Haia de 1980;
21. Salienta que um acompanhamento adequado da situação na fase posterior à sentença é crucial, nomeadamente no que se refere ao contacto com os pais; insta os Estados-Membros a informarem, através dos sítios Web dos seus ministérios dos Negócios Estrangeiros e das suas embaixadas no Japão, sobre o risco de rapto de crianças no país e sobre o comportamento das autoridades japonesas a este respeito;
22. Exorta o Conselho a reforçar a cooperação entre os sistemas de alerta em caso de rapto de crianças com repercussões transfronteiriças estabelecidos nos Estados-Membros, a trabalhar com a Comissão em prol da criação de mecanismos de alerta em caso de desaparecimento de crianças e a prestar informações sobre a conclusão de acordos de cooperação relativos a casos de rapto transfronteiriços, com base nas Diretrizes da UE para a promoção e proteção dos direitos das crianças da Comissão;
23. Solicita aos Estados-Membros que envidem esforços conjuntos e incluam esta questão na ordem do dia de todas as reuniões bilaterais ou multilaterais com o Japão, a fim de pressionar as autoridades japonesas a cumprirem plenamente as obrigações que lhes incumbem por força da legislação internacional em matéria de proteção de crianças;
24. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão Europeia, aos governos e parlamentos dos Estados-Membros e ao Governo e Parlamento do Japão.