Resolução do Parlamento Europeu, de 20 de janeiro de 2021, sobre a aplicação do mandado de detenção europeu e dos processos de entrega entre os Estados-Membros (2019/2207(INI))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta os artigos 2.º, 3.º, 6.º e 7.º do Tratado da União Europeia (TUE) e o artigo 82.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE),
– Tendo em conta a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (a «Carta»), nomeadamente os artigos 4.º, 47.º, 48.º e 52.º,
– Tendo em conta a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) no que respeita ao reconhecimento mútuo, aos direitos fundamentais e às obrigações nos termos do artigo 2.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (CEDH), sobre o direito à vida(1),
– Tendo em conta a Decisão-Quadro 2002/584/JAI do Conselho, de 13 de Junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros(2) («Decisão-Quadro relativa ao MDE»),
– Tendo em conta a Decisão-Quadro 2008/947/JAI do Conselho, de 27 de novembro de 2008, respeitante à aplicação do princípio do reconhecimento mútuo às sentenças e decisões relativas à liberdade condicional para efeitos da fiscalização das medidas de vigilância e das sanções alternativas(3),
– Tendo em conta a Decisão-Quadro 2009/299/JAI do Conselho, de 26 de fevereiro de 2009, que altera as Decisões-Quadro 2002/584/JAI, 2005/214/JAI, 2006/783/JAI, 2008/909/JAI e 2008/947/JAI, e que reforça os direitos processuais das pessoas e promove a aplicação do princípio do reconhecimento mútuo no que se refere às decisões proferidas na ausência do arguido(4),
– Tendo em conta a Decisão-Quadro 2009/829/JAI do Conselho, de 23 de outubro de 2009, relativa à aplicação, entre os Estados-Membros da União Europeia, do princípio do reconhecimento mútuo às decisões sobre medidas de controlo, em alternativa à prisão preventiva(5),
– Tendo em conta os relatórios da Comissão relativos ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros (COM(2005)0063 e SEC(2005)0267, COM(2006)0008 e SEC(2006)0079, COM(2007)0407 e SEC(2007)0979 e COM(2011)0175 e SEC(2011)0430),
– Tendo em conta a versão revista do Manual sobre a emissão e a execução de um mandado de detenção europeu,
– Tendo em conta as suas resoluções de 15 de dezembro de 2011, sobre as condições de detenção na UE(6), de 27 de fevereiro de 2014, que contém recomendações à Comissão sobre a revisão do mandado de detenção europeu(7), e de 5 de outubro de 2017, sobre sistemas e condições prisionais(8),
– Tendo em conta a sua posição aprovada em primeira leitura, em 17 de abril de 2019, sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho que cria o programa «Justiça»(9),
– Tendo em conta o Roteiro do Conselho, de 2009, para o reforço dos direitos processuais dos suspeitos ou acusados em processos penais(10),
– Tendo em conta a Diretiva 2010/64/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 20 de outubro de 2010, relativa ao direito à interpretação e tradução em processo penal(11),
– Tendo em conta a Diretiva 2012/13/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de maio de 2012, relativa ao direito à informação em processo penal(12),
– Tendo em conta a Diretiva 2013/48/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, relativa ao direito de acesso a um advogado em processo penal e nos processos de execução de mandados de detenção europeus, e ao direito de informar um terceiro aquando da privação de liberdade e de comunicar, numa situação de privação de liberdade, com terceiros e com as autoridades consulares(13),
– Tendo em conta a Diretiva (UE) 2016/343 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 9 de março de 2016, relativa ao reforço de certos aspetos da presunção de inocência e do direito de comparecer em julgamento em processo penal(14),
– Tendo em conta Diretiva (UE) 2016/800 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2016, relativa a garantias processuais para os menores suspeitos ou arguidos em processo penal(15),
– Tendo em conta a Diretiva (UE) 2016/1919 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de outubro de 2016, relativa ao apoio judiciário para suspeitos e arguidos em processo penal e para as pessoas procuradas em processos de execução de mandados de detenção europeus(16),
– Tendo em conta a Diretiva 2014/41/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de abril de 2014, relativa à decisão europeia de investigação em matéria penal(17),
– Tendo em conta a avaliação de execução europeia, de junho de 2020, do Serviço de Estudos do Parlamento Europeu (EPRS), sobre o mandado de detenção europeu,
– Tendo em conta o relatório da Comissão, de 2 de julho de 2020, sobre a aplicação da Decisão-Quadro do Conselho, de 13 de junho de 2002, relativa ao mandado de detenção europeu e aos processos de entrega entre os Estados-Membros (COM(2020)0270),
– Tendo em conta a Avaliação do Valor Acrescentado Europeu concluída em janeiro de 2014, a pedido do EPRS, sobre o mandado de detenção europeu, e o relatório sobre o custo da não-Europa sobre direitos processuais e condições de detenção, de dezembro de 2017,
– Tendo em conta o relatório final do Conselho, de 27 de maio de 2009, sobre a quarta ronda de avaliações mútuas – aplicação prática do mandado de detenção europeu e respetivos processos de entrega entre os Estados-Membros,
– Tendo em conta o relatório da Comissão, de 26 de setembro de 2019, sobre a aplicação da Diretiva 2013/48/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 22 de outubro de 2013, relativa ao direito de acesso a um advogado em processo penal e nos processos de execução de mandados de detenção europeus, e ao direito de informar um terceiro aquando da privação de liberdade e de comunicar, numa situação de privação de liberdade, com terceiros e com as autoridades consulares (COM(2019)0560),
– Tendo em conta as conclusões do Conselho, de 13 de dezembro de 2018, sobre o reconhecimento mútuo em matéria penal – «Promover o reconhecimento mútuo reforçando a confiança mútua»(18),
– Tendo em conta as Conclusões do Conselho, de 16 de dezembro de 2019, sobre as medidas alternativas à detenção: recurso a sanções e medidas não privativas de liberdade no domínio da justiça penal(19),
– Tendo em conta a estratégia da UE sobre os direitos das vítimas (2020-2025) (COM(2020)0258),
– Tendo em conta os relatórios de ONG nacionais, europeias e internacionais,
– Tendo em conta o Regulamento (UE) 2018/1727 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 14 de novembro de 2018, que cria a Agência da União Europeia para a Cooperação Judiciária Penal (Eurojust) e substitui e revoga a decisão do Conselho 2002/187/JAI(20),
– Tendo em conta a Comunicação da Comissão, de 30 de setembro de 2020, intitulada «Relatório de 2020 sobre o Estado de Direito: Situação na União Europeia» (COM(2020)0580),
– Tendo em conta a sua resolução, de 7 de outubro de 2020, sobre um mecanismo da UE para a democracia, o Estado de direito e os direitos fundamentais(21),
– Tendo em conta o Protocolo Facultativo à Convenção contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, de 2002,
– Tendo em conta o trabalho realizado pela Agência dos Direitos Fundamentais da UE, em particular os relatórios intitulados «Rights in practice: access to a lawyer and procedural rights in criminal and European arrest warrant proceedings» (Direitos na prática: acesso a um advogado e direitos processuais em processo penal e nos processos de execução de mandados de detenção europeus), de 13 de setembro de 2019, «Criminal detention conditions in the European Union: rules and reality» (Condições de detenção penal na União Europeia: regras e realidade), de 11 de dezembro de 2019, e «Criminal detention and alternatives: fundamental rights aspects in EU cross-border transfers» (Detenção penal e alternativas: aspetos relativos aos direitos fundamentais no contexto das transferências transfronteiras na UE), de 9 de novembro de 2016, e a base de dados sobre condições de detenção penal lançada em dezembro de 2019,
– Tendo em conta as convenções, recomendações e resoluções do Conselho da Europa relativas a assuntos prisionais e à cooperação em matéria de direito penal,
– Tendo em conta o artigo 54.º do seu Regimento, bem como o artigo 1.º, n.º 1, alínea e), e o Anexo 3 da decisão da Conferência dos Presidentes, de 12 de dezembro de 2002, sobre o processo de autorização para elaborar relatórios de iniciativa,
– Tendo em conta o parecer da Comissão dos Assuntos Constitucionais,
– Tendo em conta o relatório da Comissão das Liberdades Cívicas, da Justiça e dos Assuntos Internos (A9-0248/2020),
A. Considerando que a cooperação judiciária na União constitui um elemento importante para fazer face aos desafios ambientais, sociais, económicos e digitais;
B. Considerando que o mandado de detenção europeu (MDE) constitui um processo de entrega judicial transfronteiras simplificado e acelerado que foi adotado após os ataques terroristas de 11 de setembro e que, desde o seu lançamento, passou a ser o instrumento emblemático e mais comummente utilizado para o reconhecimento mútuo em matéria penal;
C. Considerando que o MDE é, globalmente, um êxito e substituiu as extradições por entregas; considerando que a duração média das entregas foi reduzida para 40 dias, em 2017, em comparação com 50 dias em 2016 (nos casos em que o visado não dá o seu consentimento), embora em determinados Estados-Membros haja atrasos ou casos de incumprimento no que respeita aos requisitos de reconhecimento mútuo; considerando que, em raras ocorrências, os Estados-Membros apresentaram informações sobre processos com duração até 90 dias (nos casos em que o visado não dá o seu consentimento);
D. Considerando que foram executados 43 000 dos 150 000 MDE emitidos entre 2005 e 2016; considerando que estes números brutos são enganadores, como explicou a Comissão, no que respeita à metodologia utilizada e ao sucesso global da medida;
E. Considerando que a cooperação judiciária em matéria penal da UE se baseia no reconhecimento mútuo formulado pelo Conselho Europeu de Tampere de 1999; considerando que o Tratado de Lisboa alterou significativamente o quadro constitucional da UE e estabeleceu uma base jurídica explícita para normas e procedimentos destinados a assegurar o reconhecimento mútuo de todas as formas de sentenças e decisões judiciais no artigo 82.º do TFUE;
F. Considerando que o reconhecimento mútuo não é um conceito novo desenvolvido no âmbito do espaço de liberdade, segurança e justiça (ELSJ), mas que foi inicialmente desenvolvido no mercado interno (raciocínio Cassis de Dijon); considerando, no entanto, que o reconhecimento mútuo no domínio da justiça penal assenta numa lógica e numa base jurídica diferentes das do reconhecimento mútuo das regras de acesso ao mercado; considerando, a este respeito, que o reconhecimento mútuo no ELSJ tem características específicas, atendendo às implicações para os direitos fundamentais e a soberania nacional e à medida em que necessita de ser facilitado pela harmonização do direito penal material e processual, especialmente no que diz respeito às garantias processuais; considerando que qualquer tendência para não aplicar o princípio do reconhecimento mútuo no domínio penal pode ter consequências negativas e afetar a sua aplicação em outros domínios, tais como o mercado interno;
G. Considerando que o reconhecimento mútuo significa o reconhecimento direto das decisões judiciais de outros Estados-Membros, com a recusa de reconhecimento como exceção, e que uma decisão judicial não deve ser recusada apenas com base no facto de ter sido proferida noutro Estado-Membro; considerando que a aplicação do reconhecimento mútuo de decisões tomadas por outros Estados-Membros não é compatível com a revisão de tais decisões, a menos que tenha por base os motivos previstos na Decisão-Quadro relativa ao MDE; considerando que a cooperação e a confiança mútua entre as autoridades judiciárias competentes devem reger a aplicação deste instrumento; que o reconhecimento mútuo e os direitos fundamentais devem estar estreitamente ligados;
H. Considerando que o reconhecimento mútuo exige um elevado nível de confiança mútua entre os Estados-Membros e é uma consequência dessa confiança mútua baseada num entendimento comum do Estado de direito e dos direitos fundamentais; que a União Europeia precisa desta confiança, especialmente neste momento histórico crucial, para enfrentar com sucesso os desafios comuns; que o reforço da confiança é fundamental para o bom funcionamento do MDE;
I. Considerando que a criação do mecanismo da UE para a democracia, o Estado de direito e os direitos fundamentais deve ser determinante para reforçar a confiança mútua, uma vez que visa realçar os domínios em que são necessárias melhorias no que diz respeito ao Estado de direito; considerando que a aplicação inadequada e incoerente da Decisão-Quadro relativa ao MDE por determinados Estados-membros não contribui para o reforço dessa confiança mútua; que um mecanismo da UE para a democracia, o Estado de direito e os direitos fundamentais pode ser útil para fornecer elementos que garantam uma aplicação coerente nos casos em que as execuções tenham sido rejeitadas com base numa violação dos direitos fundamentais e, por conseguinte, para reforçar o reconhecimento mútuo entre os Estados-Membros;
J. Considerando que a confiança mútua exige que os Estados-Membros respeitem o direito da UE e, em especial, os direitos fundamentais reconhecidos pela Carta e o Estado de direito, nomeadamente a independência do sistema judicial;
K. Considerando que o MDE contribuiu para o desenvolvimento de um espaço de liberdade, segurança e justiça (ELSJ); considerando que o artigo 6.º do TUE sobre a Carta e a Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, o artigo 8.º, o artigo 15.º, n.º 3, o artigo 16.º e os artigos 18.º a 25.º do TFUE, as diretivas relativas aos direitos processuais e a Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho relativa aos direitos das vítimas(22) são elementos cruciais do quadro do ELSJ; considerando que a aplicação incorreta do MDE pode ter efeitos negativos na cooperação policial e judiciária em toda a União, nas pessoas e nas suas famílias, no funcionamento do espaço Schengen e nos direitos fundamentais;
L. Considerando que a adesão à União Europeia implica o respeito por um conjunto de valores como a dignidade humana, a liberdade, a democracia, a igualdade, o Estado de Direito e o respeito pelos direitos humanos, incluindo os direitos das pessoas pertencentes a minorias, tal como estabelecido tanto no artigo 2.º do TUE como nos sistemas jurídicos dos Estados-Membros, no contexto do seu cumprimento;
M. Considerando que uma União da igualdade, que protege, deve assegurar a proteção de todas as vítimas de um crime(23), protegendo simultaneamente os direitos dos suspeitos e arguidos; considerando que a UE adotou instrumentos que visam reforçar os direitos das vítimas, através da adoção de um conjunto de instrumentos para além da detenção e entrega de suspeitos ou pessoas condenadas;
N. Considerando que a maioria das dúvidas suscitadas pela aplicação do MDE foram abordadas pelo Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) relativamente a certas questões, como o princípio ne bis in idem(24), a autoridade judicial(25), o primado e a harmonização da UE(26), a independência do poder judicial(27), os direitos fundamentais(28), a dupla incriminação(29), os motivos de recusa e a extradição de cidadãos da UE para países terceiros(30); considerando que, simultaneamente, as decisões judiciais não podem substituir uma legislação bem concebida a nível da União;
O. Considerando que a dupla incriminação é um conceito de extradição internacional e, embora pouco compatível com o reconhecimento mútuo, na prática poderá ser necessária, de forma muito limitada, para as pessoas procuradas em conformidade com a jurisprudência do TJUE; considerando que a dupla incriminação é apenas um motivo opcional de recusa do MDE e raramente é invocada pelas autoridades de execução; considerando que a lista de infrações que dispensam a verificação da dupla incriminação já inclui um vasto leque de infrações, muitas das quais ainda não foram completamente harmonizadas nos Estados-Membros, e que essa lista deve ser reavaliada e, possivelmente, alargada em conformidade com o procedimento previsto no artigo 2.º, n.º 3, da Decisão-Quadro relativa ao MDE;
P. Considerando que o conceito de reconhecimento mútuo não requer a harmonização do direito e dos procedimentos penais enquanto tal, mas que a prática da cooperação judiciária demonstrou que a harmonização de certas normas e definições comuns limitadas é necessária para facilitar o reconhecimento mútuo, tal como reconhecido no artigo 82.º, n.º 2, do TFUE; considerando que foram feitos alguns progressos nos últimos anos, como a adoção das seis diretivas relativas aos direitos processuais, a Diretiva 2012/29/UE, medidas alternativas ao MDE, como a decisão europeia de investigação (DEI), e a harmonização das infrações penais; que, no entanto, as seis diretivas relativas às garantias processuais não foram plena e corretamente aplicadas, o que continua a ser motivo de preocupação;
Q. Considerando que a Comissão salientou que existem algumas dificuldades na aplicação de determinadas disposições da Diretiva 2013/48/UE, em particular no que diz respeito à possibilidade de acesso a um advogado tanto no Estado-Membro de execução como no de emissão; que, até à data, a transposição das outras diretivas relativas às garantias processuais que contêm disposições específicas sobre o MDE (Diretiva 2010/64/UE, Diretiva 2012/13/UE, Diretiva (UE) 2016/800 e Diretiva (UE) 2016/1919 tem sido inadequada, nomeadamente no tocante ao respeito da igualdade das partes;
R. Considerando que outros instrumentos contribuíram para abordar algumas questões relativas ao MDE, como a Diretiva 2014/41/UE relativa à decisão europeia de investigação e o Regulamento (UE) 2018/1805 relativo ao reconhecimento mútuo das decisões de apreensão e de perda(31), e aplicaram os princípios do reconhecimento mútuo a outros tipos de decisões judiciais;
S. Considerando que o Roteiro da UE, de 2009, para o reforço dos direitos processuais reconhece a questão dos períodos de prisão preventiva; que as condições de detenção são um problema em muitos Estados-Membros e têm de estar em conformidade com os valores consagrados no artigo 2.º do TUE; considerando que existem problemas relacionados com o Estado de direito em alguns Estados-Membros, tal como refletido nos acórdãos do TEDH;
T. Considerando que, na sua Resolução, de 27 de fevereiro de 2014, sobre a revisão do MDE, o Parlamento Europeu apelou, nomeadamente, à introdução de um fundamento obrigatório para recusa assente em motivos substanciais que permitam concluir que a execução da medida seria incompatível com as obrigações do Estado-Membro de execução decorrentes do artigo 6.º do TUE e da Carta; que, em 2017, questões relacionadas com os direitos fundamentais conduziram à recusa de entrega em 109 processos;
U. Considerando que o reconhecimento mútuo exige que os profissionais, incluindo os advogados criminalistas, tenham formação em direito da UE;
V. Considerando que a Eurojust desempenha um papel essencial na facilitação e coordenação da execução de MDE; considerando que a assistência da Eurojust é cada vez mais solicitada na execução de MDE, o que aumentou significativamente o seu volume de trabalho; considerando que, só em 2019, a Eurojust facilitou a execução de MDE em 703 processos novos e 574 processos em curso; considerando que a Eurojust é uma agência independente e autónoma, a par da Procuradoria Europeia;
W. Considerando que as comparações de dados revelam uma tendência para o aumento dos MDE, tendo-se registado um aumento anual do número de MDE;
X. Considerando que uma aplicação harmonizada dos MDE, juntamente com a aplicação integral e correta das diretivas relativas aos direitos processuais, um maior recurso a medidas alternativas ao MDE e o estabelecimento de normas mínimas da UE, nomeadamente em matéria de condições de prisão e detenção, impedirão a procura do foro mais vantajoso (forum shopping); considerando que é necessária uma aplicação integral e correta dos MDE em todos os Estados-Membros para avaliar adequadamente o funcionamento dos instrumentos legislativos pertinentes e a necessidade de eventuais alterações;
Apreciação global da execução do MDE
1. Salienta que o MDE constitui uma realização importante e um instrumento eficaz, útil e indispensável para combater os crimes transnacionais graves e levar os autores de crimes graves a tribunal no Estado-Membro onde os processos penais foram instaurados ou ainda estão em curso, para além de ter efeitos positivos na manutenção do ELSJ; reconhece que o MDE facilitou e melhorou substancialmente a cooperação em matéria de entregas; salienta, porém, que, nos últimos vinte anos, o mundo tem vindo a sofrer uma transformação digital que mudou o ecossistema do crime;
2. Assinala a existência de problemas específicos; considera que estes problemas não põem o sistema em causa ou em risco, mas exigem a sua melhoria e atualização e que é necessário resolvê-los, a fim de eliminar determinados «ângulos mortos» e, assim, reforçar o sistema no seu conjunto e garantir o pleno respeito do Estado de direito e dos direitos fundamentais em todos os Estados-Membros; afirma que o espaço Schengen e a transformação digital geraram inúmeras oportunidades para os cidadãos da UE; observa, no entanto, que a abertura das fronteiras e as novas tecnologias exigem também instrumentos eficazes de aplicação da lei e judiciais para julgar os crimes transnacionais graves;
3. Observa que tais problemas estão sobretudo relacionados com as condições de prisão e detenção, a proporcionalidade, a aplicação, nos processos MDE, das garantias processuais consagradas no direito da UE, em particular a representação jurídica dupla nos Estados de execução e de emissão, e a formação, questões específicas do Estado de direito, a execução de penas privativas de liberdade(32), os prazos(33) e as decisões proferidas à revelia; reconhece que certos casos suscitaram a questão da dupla incriminação(34); observa, noutros casos, uma incoerência na aplicação dos motivos de recusa de execução dos MDE; salienta ainda a ausência de um sistema de dados exaustivo para a compilação de estatísticas fiáveis sobre os aspetos qualitativos e quantitativos da emissão, execução ou recusa dos MDE; salienta que tais problemas não só põem em causa a confiança mútua entre os Estados-Membros como também são onerosos em termos sociais e económicos para as pessoas envolvidas, as suas famílias e as sociedades em geral;
4. Assinala que alguns problemas foram abordados e que estão a ser feitas tentativas para os resolver mediante a combinação de medidas não vinculativas (manual do MDE), avaliações mútuas, apoio da Eurojust, financiamento de programas de formação e conjuntos de ferramentas para profissionais ao abrigo do programa Justiça da UE, jurisprudência do TJUE e legislação complementar (a Decisão-Quadro 2009/299/JAI e a adoção das diretivas relativas aos direitos processuais de suspeitos e arguidos, tal como estabelecido no roteiro de 2009, em particular da Diretiva 2013/48/UE), embora subsistam outras questões;
5. Salienta que o MDE deve ser reforçado e melhorado, a fim de reforçar a sua eficácia, a sua prontidão e o respeito pelas decisões dos juízes nacionais, no respeito da proporcionalidade, uma vez que um dos objetivos de uma União mais forte exige a plena confiança dos Estados-Membros nos sistemas judiciais e penitenciários uns dos outros, sendo este mecanismo imprescindível para que tal aconteça; recorda que o enfraquecimento do reconhecimento mútuo no domínio penal só pode levar ao seu enfraquecimento noutras áreas, o que seria prejudicial para lidar eficazmente com as políticas comuns, como o mercado interno;
6. Observa que os Protocolos n.ºs 21 e 22 do TUE conferem um estatuto especial a dois Estados-Membros – a Irlanda tem uma opção de adesão e a Dinamarca não participa no direito penal da UE –, o que significa que participam no sistema de MDE, mas não necessariamente noutros instrumentos, como as diretivas relativas às garantias processuais; salienta a importância de assegurar a coerência no domínio do espaço de liberdade, segurança e justiça;
7. Sublinha que o MDE não deve ser utilizado de forma abusiva para infrações de menor gravidade, em que não existem motivos para a prisão preventiva; recorda que a utilização do MDE deve limitar‑se às infrações graves, em que é estritamente necessário e proporcionado; insta à utilização de instrumentos jurídicos menos intrusivos, sempre que possível, antes da emissão de um MDE, como a DEI; salienta que as autoridades de emissão devem efetuar controlos de proporcionalidade tendo em conta i) a gravidade da infração, ii) a sanção provável imposta se a pessoa for considerada culpada da alegada infração, iii) a probabilidade de detenção da pessoa no Estado‑Membro de emissão após a entrega, iv) o impacto nos direitos da pessoa procurada e nos da sua família e v) os interesses das vítimas da infração; apela aos Estados‑Membros e às respetivas autoridades judiciárias para que, assim que um MDE for emitido, assegurem o tratamento dos processos de execução de MDE sem atrasos injustificados, a fim de reduzir ao mínimo a prisão preventiva;
8. Salienta que, segundo o TJUE, a recusa de execução de um MDE constitui uma exceção ao reconhecimento mútuo e deve ser objeto de interpretação estrita(35), ou seja, aplicação de um dos motivos de não reconhecimento (artigos 3.º e 4.º da Decisão‑Quadro relativa ao MDE) ou de uma das garantias (artigo 5.º da mesma decisão), ou em conformidade com a jurisprudência do TJUE;
9. Solicita que a recusa seja permitida quando existem motivos substanciais que permitam concluir que a execução de um MDE seria incompatível com as obrigações do Estado‑Membro de execução decorrentes do artigo 6.º do TUE e da Carta; salienta que, quando a não execução se justifica com base numa violação dos direitos fundamentais, o Estado‑Membro de execução tem de imputar o risco grave de violação dos direitos fundamentais e de estabelecer os motivos de recusa da execução com base em elementos factuais e objetivos, para evitar a insegurança jurídica e uma potencial impunidade; recorda que, de acordo com a jurisprudência do TJUE, a Carta é a norma comum para a proteção dos direitos fundamentais na UE(36);
Recomendações para melhorar o funcionamento do MDE
10. Solicita à Comissão que faculte dados claros, compreensíveis, abrangentes e comparáveis, uma vez que os dados existentes são confusos e podem criar uma falsa impressão de (in)eficiência dos MDE; solicita à Comissão que defina o método segundo o qual os Estados‑Membros devem cumprir a sua obrigação de recolher e transferir sistematicamente dados fiáveis e atualizados para a Comissão; solicita à Comissão que avalie a possibilidade de criar uma base de dados comum que contenha as decisões sobre os MDE, que utilize exclusivamente dados anonimizados, que se tornaria um instrumento inteligente e eficiente para avaliar a cooperação judiciária, identificar os pontos fracos e estar mais bem preparado para quaisquer ajustamentos; recorda que a cooperação judiciária constitui um elemento‑chave para assegurar a estabilidade social, económica, ambiental e digital; reitera o seu pedido à Comissão para que solicite aos Estados‑Membros dados completos sobre o funcionamento do mecanismo do MDE e para que inclua esses dados no seu próximo relatório de execução;
11. Considera que é necessário adotar medidas horizontais suplementares para reforçar o princípio da cooperação leal tal como consagrado no artigo 4.º, n.º 3, do TUE, e aumentar a confiança mútua nos sistemas nacionais de justiça penal, conduzindo assim a uma cooperação judiciária mais eficiente; salienta que um controlo da dupla incriminação restringe o reconhecimento mútuo e, segundo o TJUE, deve ser objeto de uma interpretação restritiva; salienta, no entanto, as preocupações que continuam a existir com a falta de uma definição cabal das infrações penais às quais a regra da dupla incriminação já não se aplica; observa que, idealmente, o reconhecimento mútuo deve funcionar automaticamente(37), sem uma reavaliação dos fundamentos substantivos da acusação e que as decisões não devem ser recusadas, a menos que existam motivos para invocar um dos fundamentos de recusa enumerados exaustivamente na Decisão‑Quadro relativa ao MDE ou se verifiquem outras circunstâncias, que o TJUE reconhece, que justifiquem uma limitação dos princípios do reconhecimento mútuo e da confiança mútua entre os Estados‑Membros;
12. Sublinha que o princípio do reconhecimento mútuo deve basear‑se na confiança mútua, a qual só pode existir se for garantido o respeito dos direitos fundamentais e processuais dos suspeitos e dos acusados em processos penais em toda a União; recorda a importância da execução das diretivas relativas aos direitos processuais, para garantir o direito a um tribunal imparcial; insta a Comissão, neste contexto, a assegurar uma plena e correta execução destas diretivas e a considerar a instauração de processos por infração, se necessário;
13. Solicita à Comissão que analise as infrações comuns nos Estados‑Membros, com o objetivo de definir melhor se deve recorrer‑se ao MDE e de facilitar as avaliações da proporcionalidade; solicita à Comissão que proceda a uma avaliação formal e substantiva da coerência da lista de 32 categorias que não exigem uma verificação da dupla incriminação, em função, nomeadamente, dos critérios da gravidade da infração, da sua dimensão transnacional ou do seu efeito prejudicial, ao atentar contra os valores fundamentais da União; observa que é necessário proporcionar uma maior segurança jurídica a todos os intervenientes na aplicação, evitando assim litígios desnecessários; solicita à Comissão que avalie plenamente as questões relativas à elaboração, se possível, de uma lista homogénea de categorias de infrações, baseada em infrações e interesses específicos protegidos por lei; recomenda, além disso, que se avalie a inclusão de um anexo com definições para cada entrada da lista, para facilitar a interpretação;
14. Salienta a importância de avaliar a inclusão de infrações ou categorias de infrações adicionais, tais como crimes ambientais (por exemplo, infrações relativas à poluição por navios), certas formas de evasão fiscal, crimes de ódio, abuso sexual, violência baseada no género, infrações cometidas através de meios digitais, como a usurpação de identidade, infrações que envolvem o uso de violência ou uma ameaça grave contra a ordem pública dos Estados‑Membros e crimes contra a integridade constitucional dos Estados‑Membros cometidos com uso de violência, crimes de genocídio, crimes contra a humanidade e crimes de guerra, no quadro de um compromisso reforçado dos Estados‑Membros sobre a cooperação judiciária, o Estado de direito e os direitos fundamentais; salienta que uma cooperação judiciária mais estreita em relação a este tipo de infrações ajudaria a União a alcançar os seus objetivos prioritários, reforçando simultaneamente a noção do respeito da democracia e do Estado de direito na União;
15. Congratula‑se com o grupo de coordenação do MDE recentemente criado pela Comissão; considera que este grupo contribuirá para melhorar o intercâmbio rápido de informações atualizadas e fiáveis e de boas práticas e para reforçar a cooperação, o que deve conduzir a uma aplicação mais uniforme do MDE pelas autoridades judiciárias, assim como resultar numa melhor troca de informações entre os advogados que representam as pessoas visadas pelos MDE nos Estados‑Membros de execução e de emissão;
16. Recorda que, em princípio, o limiar referente à pena previsto no artigo 2.º, n.º 2, da Decisão‑Quadro relativa ao MDE visa assegurar a proporcionalidade do MDE; solicita, no entanto, à Comissão que analise a possibilidade de reduzir o limiar de três anos no caso de determinadas infrações, como o tráfico de seres humanos, a exploração sexual de crianças e a pornografia infantil;
17. Solicita à Comissão que clarifique a questão das infrações acessórias ou conexas das infrações principais que cumprem o limiar do MDE, por exemplo, considerando uma atualização do manual do MDE ou eventualmente através de instrumentos da UE no domínio da harmonização do direito penal, nomeadamente a indicação da aplicação dos MDE nos Estados‑Membros a esse respeito; recorda, a este respeito, que o MDE não regula a entrega no caso de infrações acessórias ou conexas e que a regra da especialidade poderá ser aplicável, impedindo o Estado‑Membro de emissão de instaurar a ação penal relativamente a essas infrações;
18. Salienta a importância de definir com maior precisão as funções e as competências das autoridades nacionais e dos organismos da UE que intervêm nos procedimentos relativos aos MDE e de assegurar que estas autoridades e estes organismos sejam especializados e tenham experiência prática; afirma que uma ampla margem de apreciação da autoridade de execução é dificilmente considerada compatível com o princípio do reconhecimento mútuo, ou é mesmo contrária a este princípio, fora dos motivos de não reconhecimento estabelecidos nos artigos 3.º e 4.º da Decisão‑Quadro relativa ao MDE e conforme explicado pelo TJUE; considera que qualquer revisão da Decisão‑Quadro relativa ao MDE tem de estabelecer um procedimento pelo qual um MDE possa, se necessário, ser validado por um juiz, um tribunal, um juiz de instrução ou um magistrado do Ministério Público no Estado‑Membro de emissão, em conformidade com a jurisprudência do TJUE, para ultrapassar as interpretações divergentes da expressão «autoridade judiciária»; considera que, se for possível proporcionar segurança jurídica no que se refere às infrações que se enquadram claramente na definição de dupla incriminação e às que nela não se enquadram, a margem de apreciação deverá ser limitada nos casos de dupla incriminação; afirma que a melhoria do Estado de direito, dos direitos fundamentais, das condições prisionais e do conhecimento dos profissionais dos outros sistemas jurídicos contribuirá para reforçar a confiança mútua e o reconhecimento mútuo;
19. Insta a Comissão a continuar a avaliar a transposição do MDE e de outros instrumentos de cooperação judiciária, e a instaurar processos por infração sempre que necessário;
20. Solicita aos Estados‑Membros que executem o MDE, os acórdãos pertinentes do TJUE sobre o MDE e os outros instrumentos jurídicos em matéria penal de forma atempada e cabal; salienta que instrumentos como a Decisão‑Quadro 2008/909/JAI relativa à transferência de detidos, a Decisão‑Quadro 2008/947/JAI relativa à liberdade condicional e às sanções alternativas, a DEI, a decisão europeia de controlo judicial e a Convenção Europeia sobre a Transmissão de Processos Penais(38) complementam o MDE e oferecem simultaneamente alternativas úteis e menos intrusivas ao MDE; salienta que o MDE só deve ser utilizado se todas as outras opções alternativas tiverem sido esgotadas e que os Estados não devem recorrer ao MDE quando uma medida menos intrusiva conduz aos mesmos resultados, por exemplo, uma audiência por videoconferência ou ferramentas afins; insta as autoridades dos Estados‑Membros, sempre que possível, a recorrerem a tais instrumentos alternativos em vez de emitirem um MDE;
21. Solicita aos Estados‑Membros que assegurem que as autoridades judiciárias possam ordenar uma alternativa disponível à detenção e às medidas de coerção no âmbito dos processos de execução de MDE, especialmente quando uma pessoa consente em ser entregue, a menos que uma recusa seja necessária e justificada;
22. Toma conhecimento do relatório preocupante da Comissão sobre a execução da Diretiva 2013/48/UE; insta a Comissão a continuar a avaliar o cumprimento da diretiva pelos Estados‑Membros e a tomar medidas adequadas, nomeadamente a instauração de processos por infração, para garantir a conformidade com as suas disposições; insta a Comissão a intensificar os esforços para assegurar a plena execução de todas as diretivas relativas às garantias processuais, para garantir que as pessoas procuradas dispõem de uma defesa efetiva nos processos transfronteiriços; insta a Comissão a considerar tomar medidas, atendendo à execução inadequada da Recomendação da Comissão, de 27 de novembro de 2013, sobre as garantias processuais das pessoas vulneráveis suspeitas ou arguidas em processo penal(39), em particular no que diz respeito aos adultos vulneráveis;
23. Solicita aos Estados‑Membros flexibilidade no que respeita aos regimes linguísticos do MDE e que desenvolvam e apliquem práticas comuns nessa matéria, defendendo simultaneamente o direito das pessoas a interpretação e tradução em processo penal, em conformidade com a Diretiva 2010/64/UE; solicita aos Estados‑Membros, a esse respeito, que introduzam os mecanismos necessários para evitar atrasos ou obstruções; lamenta que a Decisão‑Quadro relativa ao MDE não estabeleça prazos para a transmissão das traduções dos MDE;
24. Insta a Comissão a prever uma aplicação uniforme e um controlo eficaz dos prazos;
25. Solicita à Comissão que assegure um financiamento adequado da Eurojust e da Rede Judiciária Europeia (RJE), para lhes permitir facilitar e coordenar o MDE; lamenta que as atuais dotações orçamentais da Comissão para a Eurojust sejam insuficientes, atendendo aos desafios com que a Agência se confronta no que diz respeito ao aumento contínuo do número de processos, e que tenham conduzido a uma estagnação do financiamento, apesar do aumento da carga de trabalho; salienta que é essencial que o orçamento da Eurojust corresponda às suas funções e prioridades, para lhe permitir cumprir o seu mandato; reitera o seu apelo à criação de uma rede judiciária específica do MDE;
26. Solicita à Comissão e aos Estados‑Membros que disponibilizem um financiamento adequado para a prestação de apoio judiciário às pessoas visadas pelos processos de execução de MDE, nomeadamente para a prestação de assistência jurídica tanto no Estado‑Membro de emissão como no de execução antes de ser ordenada a entrega, financiamento para dispor de intérpretes e de tradutores devidamente qualificados, formação específica sobre o MDE aos profissionais, nomeadamente, polícia, procuradores, magistrados judiciais e advogados de defesa, especialmente em domínios como os aspetos do MDE relativos aos direitos fundamentais, a avaliação da proporcionalidade e as medidas alternativas à detenção, a representação nos processos de execução de MDE e no que se refere ao procedimento para apresentar um pedido de decisão prejudicial ao TJUE e para pedir garantias às autoridades dos outros Estados‑Membros; sublinha o valor dos programas da Rede Europeia de Formação Judiciária (REFJ), como as simulações do MDE e a formação linguística; salienta que, para assegurar a igualdade das partes, os advogados devem ter acesso a uma formação específica, acessível e a preços razoáveis; solicita à Comissão que promova e facilite a disponibilização de tal formação;
27. Insta a Comissão, em cooperação com os Estados-Membros, a apoiar e continuar a desenvolver a REFJ e as plataformas nacionais de formação existentes para o setor judiciário e, se necessário, lançar uma plataforma de formação adicional para peritos e profissionais em matéria de instrumentos de reconhecimento mútuo, incluindo o MDE; afirma que essa plataforma deve facultar-lhes conhecimentos sobre a relação estreita entre os instrumentos, nomeadamente um espaço comum para a troca de experiências;
28. Observa que a cooperação entre as autoridades, inclusive a observância dos direitos fundamentais, pode ser melhorada através da utilização de tecnologia segura e da digitalização; congratula-se com a criação da base de dados sobre detenção penal da Agência dos Direitos Fundamentais da EU (FRA); solicita que seja desenvolvida uma base de dados centralizada com jurisprudência nacional relativa à aplicação do MDE (como em outros domínios do direito da UE)(40); considera que uma base de dados pública específica de advogados em processos MDE poderá contribuir para garantir o direito de acesso a um advogado;
29. Apela à revisão regular dos MDE não executados, bem como à ponderação sobre se esses MDE, a par das respetivas indicações do Sistema de Informação de Schengen de Segunda Geração (SIS II) e da Interpol, deveriam ser revogados; insta, além disso, à revogação dos MDE e das respetivas indicações do SIS II e da Interpol, sempre que o MDE tenha sido recusado por motivos obrigatórios, como o princípio ne bis in idem;
30. Insta a Comissão, caso decida propor atos legislativos no domínio do direito penal da UE, a ter em conta os pareceres dos parlamentos nacionais, em conformidade com o Protocolo n.º 2 do TUE, uma vez que a sua participação permite verificar a aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade no direito penal da UE;
Recomendações em matéria de direitos fundamentais
31. Exorta os Estados-Membros a respeitar as obrigações decorrentes do artigo 2.º do TUE sobre a dignidade humana, a liberdade, a democracia, a igualdade, o Estado de Direito e os direitos humanos, incluindo os direitos das minorias; salienta que os Estados-Membros devem assegurar que todas as pessoas, incluindo vítimas de crimes ou pessoas procuradas no âmbito de um MDE, cujos direitos e liberdades garantidos pelo direito da União tenham sido violados, tenham direito a uma ação perante um tribunal, em conformidade com o artigo 47.º da Carta e a jurisprudência constante do TJUE; salienta que qualquer ação no Estado de execução deve respeitar o direito a vias de recurso efetivas e os prazos definidos pelo instrumento de reconhecimento mútuo aplicável ou, na ausência de um prazo explícito, ser concluída com a brevidade necessária para garantir que os fins do processo de reconhecimento mútuo não sejam postos em risco;
32. Observa que, embora a aplicação do procedimento previsto no artigo 7.º, n.º 1, do TUE tenha impacto no reconhecimento mútuo, resulta da jurisprudência do TJUE que a autoridade de execução deve apreciar, em cada caso específico, se existem motivos sérios e comprovados para acreditar que, na sequência da entrega, a pessoa corre o risco de violação dos seus direitos fundamentais; salienta que a aplicação do artigo 7.º, n.ºs 1 e 2, do TUE não equivale à recusa automática de reconhecimento, tendo em conta a importância da cooperação em matéria penal e o funcionamento de todo o sistema de cooperação judiciária da UE; destaca o papel da Eurojust na prestação de assistência aos Estados-Membros para efeitos da emissão ou execução de ordens neste contexto, com vista a reforçar a confiança mútua; recomenda, por conseguinte, a criação de um sistema de medidas cautelares, incluindo a suspensão do instrumento, com vista a reforçar as garantias, bem como a confiança e o reconhecimento mútuo entre os Estados-Membros;
33. Sublinha a ligação entre as condições de detenção e as medidas do MDE e recorda aos Estados-Membros que o artigo 3.º da CEDH e a jurisprudência relevante impõem aos Estados-Membros não só obrigações negativas, como também obrigações positivas, exigindo que velem por condições de detenção consentâneas com a dignidade humana e que realizem investigações profundas e eficazes em caso de violação de direitos; insta a Comissão a explorar os meios legais e financeiros disponíveis a nível da União para melhorar as normas em matéria de detenção;
34. Manifesta-se preocupado com as condições de detenção existentes em alguns Estados-Membros; congratula-se, neste contexto, com a nova base de dados sobre detenção penal da FRA(41) e considera-a um primeiro passo positivo para uma melhor avaliação comum das condições de detenção na UE;
35. Reitera o seu apelo(42) aos Estados-Membros para que melhorem as condições de detenção deficientes; insta a Comissão a explorar plenamente a possibilidade de financiar a modernização das instalações de detenção através dos fundos estruturais da UE; recorda, neste contexto, que, nas suas conclusões de 2018 subordinadas ao tema «Promover o reconhecimento mútuo reforçando a confiança mútua»(43), o Conselho convidou igualmente a Comissão a promover a utilização de fundos da UE para apoiar os Estados-Membros a resolver o problema das deficientes condições de detenção;
36. Reitera a importância de um mecanismo da UE para a democracia, o Estado de Direito e os direitos fundamentais, sob a forma de uma eventual proposta legislativa e sustentado por um acordo interinstitucional que consista numa análise anual independente e baseada em dados concretos para avaliar a conformidade de todos os Estados-Membros com o artigo 2.º do TUE, bem como recomendações específicas por país, a fim de melhorar a confiança mútua entre os Estados-Membros; observa que um mecanismo da UE para a democracia, o Estado de Direito e os direitos fundamentais constituiria um instrumento fundamental que contribui para o reforço da confiança mútua entre os Estados-Membros no contexto da aplicação da Decisão-Quadro relativa ao MDE;
37. Insta a Comissão a analisar a viabilidade de instrumentos complementares em matéria de direitos processuais, como aqueles sobre a admissibilidade das provas e as condições de detenção em prisão preventiva, nomeadamente com base nas normas do Conselho da Europa, incluindo os prazos máximos de prisão preventiva; afirma que a Comissão deve procurar assegurar os mais elevados padrões, no respeito dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade; considera que a ausência de normas mínimas em matéria de condições de detenção e prisão preventiva a nível da UE, bem como a não limitação do recurso à prisão preventiva enquanto medida de último recurso e a não consideração de alternativas, a par da falta de uma avaliação adequada do nível de preparação do processo para julgamento, podem conduzir a períodos injustificados e excessivos de prisão preventiva de suspeitos e arguidos; recorda que esta situação foi ainda mais exacerbada pela pandemia de COVID-19; solicita à Comissão que alcance normas mínimas a nível da UE, mormente em matéria de garantias processuais penais e de condições de prisão e detenção, e que reforce os instrumentos de informação prestada às autoridades nacionais de execução sobre as condições de detenção em prisão preventiva e prisão em cada Estado-Membro;
38. Sublinha que não existe um mecanismo que garanta um acompanhamento adequado das garantias dadas pelas autoridades judiciárias de emissão após a entrega; solicita à Comissão que explore a adoção de eventuais medidas neste sentido;
39. Insta a Comissão a apresentar, designadamente, uma avaliação da conformidade com o princípio ne bis in idem, uma verificação da proporcionalidade para a emissão de um MDE com base em todos os fatores e circunstâncias pertinentes tais como a gravidade da infração, o nível de preparação do processo para julgamento, o impacto nos direitos da pessoa procurada, as implicações em termos de custos e a disponibilidade de medidas alternativas adequadas e menos intrusivas , um procedimento de consulta normalizado, através do qual as autoridades competentes no Estado-Membro de emissão e de execução podem trocar informações sobre a execução de um MDE, em especial no que diz respeito à proporcionalidade, ao nível de preparação do processo para julgamento e a conflitos de competências, e um resumo dos eventuais atos legislativos nos termos do artigo 82.º do TFUE;
40. Exorta os Estados-Membros a ratificar o Protocolo Opcional à Convenção contra a Tortura;
41. Salienta que as deficiências em matéria de cooperação judicial, incluindo em relação ao MDE, podem prejudicar os interesses das vítimas e conduzir à recusa de acesso à justiça e a uma falta de proteção das vítimas; salienta que a impunidade em resultado de deficiências na cooperação judiciária pode ter um impacto prejudicial e negativo no Estado de Direito, nos sistemas judiciais e na confiança da sociedade nas instituições, bem como nas vítimas e na sociedade em geral;
42. Salienta que, segundo a FRA, as informações prestadas aos arguidos sobre os seus direitos processuais em processos penais diferem tanto no âmbito como na forma como são transmitidas; solicita aos Estados-Membros que estabeleçam garantias para assegurar que as pessoas sejam efetivamente informadas sobre os seus direitos processuais logo que sejam suspeitas de terem cometido uma infração;
43. Regista as normas do TEDH, bem como os requisitos previstos na Diretiva 2013/48/UE e na Diretiva 2010/64/UE; recorda que dispor de tempo suficiente para preparar um processo e ter acesso total e rápido às peças processuais melhoraria a qualidade da representação; salienta que, dada a natureza transfronteiriça dos processos MDE, que frequentemente envolvem arguidos que não falam a língua do Estado Membro de execução, garantir o acesso a serviços de interpretação na fase inicial do processo e, em particular, facilitar a comunicação com os advogados, constitui uma garantia essencial de um processo equitativo e um requisito nos termos da Diretiva 2010/64/UE; insta a Comissão e os Estados-Membros a assegurar que o direito de acesso a um advogado e a apoio judiciário, tanto no Estado-Membro de emissão como no de execução, seja garantido tanto na lei como na prática;
Coerência do quadro jurídico do MDE
44. Afirma que o MDE é eficaz; considera, no entanto, que as principais dificuldades em relação ao MDE dizem respeito à sua coerência e eficácia, onde há margem para melhorias, ainda que tenham sido levantadas algumas dúvidas quanto à conformidade com os valores da UE e os direitos fundamentais;
45. Urge a Comissão a prever uma política coerente em matéria de reconhecimento mútuo, que tenha em conta a jurisprudência do TJUE, o atual nível de harmonização do direito penal e do processo penal dos Estados-membros e os direitos fundamentais consagrados na Carta;
46. Insta a Comissão a levar a cabo um estudo dos instrumentos de reconhecimento mútuo com base em casos concretos, de modo a evitar divergências e assegurar a sua coordenação e correta interação; apela, em particular, a um estudo sobre a forma como o instrumento é aplicado na prática nos vários países, identificando as boas práticas que levam a que os MDE emitidos por determinados Estados consigam um elevado grau de cumprimento, bem como as dificuldades específicas encontradas nos países onde são identificados números particularmente elevados de recusas de MDE;
47. Observa que os problemas de coerência identificados relacionados com a execução da Decisão-Quadro relativa ao MDE devem ser resolvidos através de uma combinação de medidas práticas (formação de profissionais), medidas não vinculativas (manuais e recomendações), legislação muito específica (definição de autoridade judiciária, princípio ne bis in idem, direitos fundamentais, etc.) e, numa segunda fase, pelos meios considerados necessários, tendo em conta o nono ciclo de avaliação mútua, através de uma legislação específica complementar (prisão preventiva); considera que a Comissão deve trabalhar no sentido de conseguir alcançar a execução integral e correta do MDE em todos os Estados-Membros, tomando em consideração a jurisprudência do TJUE;
48. Recomenda, a médio prazo, que se promova a elaboração de um código de cooperação judiciária da UE em matéria penal que compile de forma sistemática a legislação existente para assegurar a segurança jurídica e a coerência dos vários instrumentos da UE;
Brexit
49. Insta a Comissão a prosseguir as negociações com o Reino Unido com vista a preservar as normas da UE em matéria de direitos processuais e fundamentais dos suspeitos e arguidos; manifesta a sua preocupação com o facto de os resultados alcançados no Reino Unido desde a introdução do MDE poderem inverter-se drasticamente;
o o o
50. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão e aos governos e parlamentos dos Estados-Membros.
Ver acórdão do TEDH, de 9 de julho de 2019, no processo Romeo Castaño contra Bélgica, sobre a violação de um aspeto processual do artigo 2.º da CEDH (investigação eficaz).
Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012, que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho (JO L 315 de 14.11.2012, p. 57).
Vide, por exemplo, a Comunicação da Comissão, de 26 de julho de 2000, sobre o reconhecimento mútuo de decisões finais em matéria penal (COM(2000)0495).