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Processo : 2021/2747(RSP)
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Textos apresentados :

RC-B9-0349/2021

Debates :

PV 10/06/2021 - 7.1
CRE 10/06/2021 - 7.1

Votação :

PV 10/06/2021 - 9
PV 10/06/2021 - 15

Textos aprovados :

P9_TA(2021)0289

Textos aprovados
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Quinta-feira, 10 de Junho de 2021 - Estrasburgo
Violação da Convenção dos Direitos da Criança das Nações Unidas e a utilização de menores pelas autoridades marroquinas na crise migratória em Ceuta
P9_TA(2021)0289RC-B9-0349/2021

Resolução do Parlamento Europeu, de 10 de junho de 2021, sobre a violação da Convenção dos Direitos da Criança das Nações Unidas e a utilização de menores pelas autoridades marroquinas na crise migratória em Ceuta (2021/2747(RSP))

O Parlamento Europeu,

–  Tendo em conta as suas anteriores resoluções sobre Marrocos, em particular a de 16 de janeiro de 2019 sobre o Acordo UE‑Marrocos(1), bem como a sua resolução, de 26 de novembro de 2019, sobre os direitos da criança por ocasião do 30.º aniversário da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança(2),

–  Tendo em conta a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 20 de novembro de 1989, em especial o princípio do interesse superior da criança (artigos 3.º e 18.º),

–  Tendo em conta os comentários gerais do Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas, em particular o n.º 14,

–  Tendo em conta a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia,

–  Tendo em conta a declaração de Marrocos, de 1 de junho de 2021, sobre o problema dos menores marroquinos não acompanhados em situação ilegal em determinados países europeus,

–  Tendo em conta as duas declarações do Ministério dos Negócios Estrangeiros, da Cooperação Africana e dos expatriados marroquinos, de 31 de maio de 2021, sobre a crise entre Espanha e Marrocos,

–  Tendo em conta o Acordo Euro‑Mediterrânico que cria uma associação entre as Comunidades Europeias e os seus Estados‑Membros, por um lado, e o Reino de Marrocos, por outro(3), que entrou em vigor em 2000, e a Parceria para a Mobilidade de 2013,

–  Tendo em conta as declarações à imprensa do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança após o Conselho dos Negócios Estrangeiros de 18 de maio de 2021,

–  Tendo em conta a comunicação conjunta da Comissão e do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, de 9 de fevereiro de 2021, intitulada «Parceria renovada com a vizinhança meridional: uma nova agenda para o Mediterrâneo», nomeadamente o capítulo quatro sobre migração e mobilidade (JOIN (2021)0002),

–  Tendo em conta o Acordo entre o Reino de Espanha e o Reino de Marrocos sobre a cooperação no domínio da prevenção da emigração ilegal de menores não acompanhados, da sua proteção e do seu regresso concertado, assinado em Rabat, em 6 de março de 2007, que entrou em vigor em 2 de outubro de 2012,

–  Tendo em conta a declaração da Organização Internacional para as Migrações, de 27 de março de 2021, sobre as recentes chegadas a Ceuta, Espanha,

–  Tendo em conta o artigo 144.º, n.º 5, e o artigo 132.º, n.º 4, do seu Regimento,

A.  Considerando que as relações entre a União Europeia e o Reino de Marrocos se baseiam juridicamente no Acordo de Associação de 2000; considerando que Marrocos, enquanto vizinho próximo, é um parceiro privilegiado da UE no domínio da cooperação política e económica, bem como da cooperação comercial, técnica e para o desenvolvimento, tal como refletido nos instrumentos previstos para estes fins, que incluem os programas de ação anuais, o Fundo Fiduciário de Emergência da UE para África, o Instrumento Europeu de Vizinhança ou o Programa Europa Global, bem como a sua participação no programa Erasmus +, e o «estatuto avançado» concedido a Marrocos em 2008 no âmbito da Política Europeia de Vizinhança; considerando que Marrocos é o terceiro maior beneficiário de fundos da UE ao abrigo da Política Europeia de Vizinhança;

B.  Considerando que a crise atual causou tensões diplomáticas sem precedentes entre Marrocos, por um lado, e a Espanha e a UE, por outro; considerando que, independentemente dos objetivos que possam estar subjacentes à situação criada em Ceuta, este incidente injustificável não é consentâneo com a cooperação de longa data entre ambas as partes, nem com a relação de confiança mútua, nomeadamente no domínio da migração; considerando que as relações têm de ser salvaguardadas e restabelecidas tal como se encontravam antes da crise, através de relações de boa vizinhança, que devem servir para fazer avançar as relações mutuamente vantajosas através da aplicação da nova e recém‑publicada Agenda da UE para o Mediterrâneo, no contexto de uma parceria renovada com a Vizinhança Meridional, no quadro da qual Marrocos é convidado a reforçar a sua parceria com a UE em vários domínios;

C.  Considerando que, desde 17 de maio de 2021, se registou um aumento inaudito de passagens para o território espanhol, com a entrada de cerca de 9 mil pessoas, a nado ou a pé, na cidade autónoma espanhola de Ceuta, na sequência do abrandamento temporário dos controlos nas fronteiras pela polícia marroquina, que abriu as barreiras de fronteira e não tomou medidas para impedir a entrada ilegal; considerando que a resposta humanitária das forças de segurança e armadas espanholas, das ONG e dos cidadãos de Ceuta impediu a ocorrência de uma verdadeira tragédia; considerando que a maioria dos migrantes que atravessaram ilegalmente eram nacionais marroquinos; considerando que uma movimentação tão grande de pessoas dificilmente pode ser considerada espontânea; considerando que pelo menos 1 200 eram menores não acompanhados e muitas famílias inteiras; considerando que algumas crianças se encontravam anteriormente na escola, pelo que não estavam documentadas aquando da sua passagem;

D.  Considerando que, em 1 de junho de 2021, as autoridades marroquinas decidiram facilitar a reentrada de todas as crianças marroquinas não acompanhadas, mas identificadas, que se encontram irregularmente na União Europeia; considerando que, de acordo com a Organização Internacional para as Migrações, muitos delas já foram repatriadas através do reagrupamento familiar e da assistência à localização; considerando que as autoridades espanholas em Ceuta criaram uma linha direta para reunir crianças e menores não acompanhados com as respetivas famílias; considerando que, no entanto, muitas crianças ainda se encontram em instalações espanholas, nomeadamente num armazém em Tarajal e em centros de acolhimento de migrantes de Piniers e Santa Amelia, sob a tutela da cidade autónoma de Ceuta, para permitir a respetiva identificação, avaliar a situação pessoal e as vulnerabilidades, bem como o risco de perseguição e de danos irreparáveis; considerando que as famílias procuram desesperadamente os seus filhos desaparecidos; considerando que esta situação pode conduzir a novos riscos para o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social das crianças, que está consagrado na Declaração dos Direitos da Criança das Nações Unidas;

E.  Considerando que a maioria das crianças foi erradamente levada a crer que se realizava um jogo com entrada gratuita na cidade de Ceuta, com a participação de grandes estrelas do futebol, e que iam numa excursão da escola;

F.  Considerando que o superior interesse da criança deve primar em todas as ações e decisões relativas a menores não acompanhados e ao seu bem‑estar físico e mental; considerando que, por conseguinte, é necessário, com o reconhecimento e a facilitação de todas as autoridades envolvidas, identificar essas crianças e, mediante uma cooperação adequada e reforçada, encontrar os seus pais ou familiares próximos e devolvê‑los às suas famílias de forma segura, tal como exigido pelo Direito internacional, uma vez que não abandonaram intencionalmente as suas famílias; considerando que, na Estratégia da UE sobre os Direitos da Criança, a Comissão recomendou que os Estados‑Membros reforçassem os seus sistemas de tutela de menores não acompanhados, nomeadamente participando nas atividades da Rede Europeia dos Organismos de Tutela; considerando que, nos termos da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, os países de acolhimento têm de garantir todos os direitos às crianças migrantes, inclusive em relação ao controlo das fronteiras e ao regresso;

G.  Considerando que Marrocos desencadeou a crise devido a uma crise política e diplomática após o dirigente da Frente Polisário, Brahim Ghali, ter sido internado num hospital espanhol por razões humanitárias devido ao estado de saúde causado pelo vírus da COVID‑19; considerando que, em 2 de junho de 2021, o líder da Frente Polisário chegou à Argélia;

H.  Considerando que as declarações oficiais de Marrocos, de 31 de maio de 2021, sublinharam que a crise bilateral não estava relacionada com o problema da migração; considerando que o Ministro dos Negócios Estrangeiros marroquino reconheceu inicialmente que as razões para a crise da entrada maciça de milhares de pessoas, designadamente crianças, eram da responsabilidade de Espanha, que acolheu o líder da Frente Polisário; considerando que, noutra declaração oficial proferida posteriormente, as autoridades marroquinas reconheceram que o verdadeiro motivo era a posição alegadamente ambígua da Espanha sobre o Sara Ocidental;

I.  Considerando que, na reunião extraordinária do Conselho Europeu de 24 e 25 de maio de 2021, os dirigentes da UE reafirmaram o seu pleno apoio à Espanha e salientaram que as fronteiras espanholas são as fronteiras externas da UE; considerando que a situação em Ceuta foi também debatida no Conselho dos Negócios Estrangeiros de 18 de maio de 2021, após o qual o Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança manifestou total solidariedade e apoio a Espanha em nome da UE; considerando que o Direito internacional e o princípio da soberania, da integridade territorial e da inviolabilidade das fronteiras do Estado têm de ser respeitados;

J.  Considerando que o Conselho conferiu à Comissão, em 2000, um mandato de negociação para celebrar um acordo de readmissão com Marrocos; considerando que, até à data, esse acordo não foi finalizado nem adotado;

K.  Considerando que as autoridades marroquinas devem facilitar o regresso de quase 13 mil trabalhadores sazonais retidos no sul de Espanha, que deverão regressar nas próximas semanas;

1.  Rejeita a utilização por parte de Marrocos do controlo fronteiriço e da migração, e, em particular, dos menores não acompanhados, como um meio de pressão política exercida contra um Estado‑Membro da UE; deplora, em particular, o envolvimento de crianças, de menores não acompanhados e de famílias na passagem maciça da fronteira de Marrocos para a cidade espanhola de Ceuta, colocando as suas vidas e a respetiva segurança em risco manifesto; lamenta a agudização da crise política e diplomática, que não deve prejudicar, nem as relações de vizinhança estratégicas, multidimensionais e privilegiadas entre o Reino de Marrocos e a União Europeia e os seus Estados‑Membros, nem a cooperação de longa data, baseada na confiança, nos domínios da luta contra o terrorismo, o tráfico de seres humanos e a droga, das migrações e das políticas comerciais; considera que os desacordos bilaterais entre parceiros próximos devem ser resolvidos através do diálogo diplomático; apela a um apaziguamento das tensões recentes e a um regresso a uma parceria construtiva e fiável UE‑Marrocos; reitera o seu apoio para que esta relação baseada na confiança e no respeito mútuos continue a progredir; exorta Marrocos, neste contexto, a respeitar o seu compromisso de longa data de cooperação reforçada em matéria de gestão de fronteiras e mobilidade migratória, num espírito de cooperação e diálogo; salienta a importância de reforçar a parceria UE‑Marrocos, que deve ter em conta as necessidades de ambos os parceiros de uma forma equilibrada e em pé de igualdade;

2.  Congratula‑se com a medida tomada pelas autoridades marroquinas, em 1 de junho de 2021, para facilitar a reentrada de todas as crianças não acompanhadas identificadas que se encontram irregularmente no território da União Europeia; exorta a Espanha e Marrocos a trabalharem de forma estreita para permitir o regresso das crianças às suas famílias, o que tem de ser norteado pelo interesse superior da criança e levado a cabo em conformidade com o Direito nacional e internacional, em particular a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, da qual Marrocos não só é signatário desde 1990; como a ratificou por duas vezes (em junho e julho de 1993), juntamente com os acordos pertinentes celebrados entre a UE e os seus Estados‑Membros e Marrocos, em particular o Acordo entre o Reino de Espanha e o Reino de Marrocos sobre a cooperação no domínio da prevenção da migração ilegal de menores não acompanhados, a sua proteção e o seu regresso concertado; recorda que o princípio da unidade familiar e o direito ao reagrupamento familiar devem ser sempre salvaguardados; sublinha que uma forte cooperação sobre os desafios migratórios é do interesse mútuo da UE e de Marrocos; apela ao Reino de Marrocos para que cumpra eficazmente os seus compromissos, pois é crucial garantir o regresso seguro das crianças às suas famílias, salvaguardando, ao mesmo tempo, os seus direitos ao abrigo do Direito internacional;

3.  Recorda que Ceuta é uma fronteira externa da UE cuja proteção e segurança diz respeito a toda a União Europeia; congratula‑se com a pronta reação da Agência Europeia de Fronteiras e Guarda Costeira, que disponibilizou recursos para apoiar o Governo espanhol, para o ajudar a enfrentar os desafios migratórios surgidos em consequência desta crise; insta a Comissão a disponibilizar financiamento de emergência para fazer face à situação em Ceuta, incluindo o financiamento para capacidade adicional de abrigo destinada a crianças não acompanhadas;

4.  Manifesta a sua total solidariedade para com os cidadãos de Ceuta e aplaude a resposta eficiente e profissional dos organismos de segurança e do exército espanhóis na cidade autónoma, bem como a resposta das ONG e dos cidadãos de Ceuta, ao enfrentarem a crise e contribuírem para salvar inúmeras vidas; congratula‑se com a proteção concedida às crianças não acompanhadas pelas autoridades espanholas, em conformidade com a legislação da UE e a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança;

5.  Reitera a posição consolidada da UE sobre o Sara Ocidental, que assenta no pleno respeito do Direito internacional, em conformidade com as resoluções do Conselho de Segurança da ONU e com o processo político conduzido pela ONU, tendo em vista alcançar uma solução negociada justa, duradoura, pacífica e aceitável para ambas as partes;

6.  Reitera a inviolabilidade das fronteiras nacionais dos Estados‑Membros da UE e o respeito total e não negociável pela integridade territorial dos Estados‑Membros da UE como princípio básico do Direito internacional e como princípio da solidariedade europeia; recorda que atentar contra a soberania territorial dos Estados Membros não pode ser tolerado;

7.  Insta a Comissão e o Reino de Marrocos a cooperar e a concluir com a maior celeridade possível um acordo de readmissão UE‑Marrocos com as necessárias salvaguardas jurídicas; está persuadido de que a futura cooperação da UE com os países da margem sul do Mediterrâneo se deve basear no objetivo a longo prazo de combater as causas profundas da migração irregular, reforçando o desenvolvimento económico, o investimento e a criação de novas oportunidades de emprego, e promovendo uma educação de qualidade para todas as crianças da região;

8.  Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, ao Vice‑Presidente da Comissão/Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, aos governos e parlamentos dos Estados‑Membros, e ao Governo e Parlamento de Marrocos.

(1) JO C 411 de 27.11.2020, p. 292.
(2) Textos Aprovados, P9_TA(2019)0066.
(3) JO L 70 de 18.3.2000, p. 2.

Última actualização: 8 de Outubro de 2021Aviso legal - Política de privacidade