Resolução do Parlamento Europeu, de 8 de julho de 2021, sobre a repressão da oposição na Turquia, mais especificamente do Partido Democrático Popular (HDP) (2021/2788(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta as suas resoluções anteriores sobre a Turquia, em particular as de 19 de maio de 2021, sobre os relatórios 2019-2020 da Comissão sobre a Turquia(1), de 20 de janeiro de 2021, sobre a situação dos direitos humanos na Turquia, nomeadamente o caso de Selahattin Demirtaş e de outros prisioneiros de consciência(2), e de 19 de setembro de 2019, sobre a situação na Turquia, nomeadamente a destituição de presidentes de câmaras eleitos(3),
– Tendo em conta a Comunicação da Comissão, de 6 de outubro de 2020, sobre a política de alargamento da UE (COM(2020)0660) e o relatório de 2020 relativo à Turquia que a acompanha (SWD(2020)0355),
– Tendo em conta o quadro de negociações com a Turquia, de 3 de outubro de 2005, e o facto de a adesão da Turquia à UE, à semelhança de todos os países candidatos, depender do cumprimento integral dos critérios de Copenhaga,
– Tendo em conta as Conclusões do Conselho Europeu, de 24 de junho de 2021, sobre as relações externas, bem como outras conclusões pertinentes do Conselho e do Conselho Europeu sobre a Turquia,
– Tendo em conta a comunicação conjunta da Comissão e do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, de 22 de março de 2021, sobre a situação das relações políticas, económicas e comerciais UE‑Turquia (JOIN(2021)0008),
– Tendo em conta a declaração do porta-voz para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança do Serviço Europeu para a Ação Externa, de 19 de agosto de 2019, sobre a destituição de presidentes de câmaras eleitos e a detenção de centenas de pessoas no sudeste da Turquia, e as declarações de 21 e 25 de dezembro de 2020,
– Tendo em conta a declaração conjunta, de 18 de março de 2021, do Vice-Presidente da Comissão/Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, Josep Borrell, e do Comissário Europeu responsável pela Vizinhança e o Alargamento, Olivér Várhelyi, sobre as mais recentes medidas relacionadas com o Partido Democrático Popular,
– Tendo em conta o artigo 46.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, que estabelece que as Altas Partes Contratantes se obrigam a respeitar as sentenças definitivas do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) nos litígios em que forem partes,
– Tendo em conta o acórdão da Grande Secção do TEDH, de 22 de dezembro de 2020, no processo Demirtaş/Turquia (14305/17),
– Tendo em conta a resolução 2347 da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (PACE), de 23 de outubro de 2020, intitulada «New crackdown on political opposition and civil dissent in Turkey: urgent need to safeguard Council of Europe standards» (Nova repressão da oposição política e da dissidência civil na Turquia: necessidade urgente de salvaguardar as normas do Conselho da Europa), e a resolução 2260 da PACE, de 24 de janeiro de 2019, intitulada «The worsening situation of opposition politicians in Turkey: what can be done to protect their fundamental rights in a Council of Europe member State?» (O agravamento da situação da oposição política na Turquia: o que pode ser feito para proteger os seus direitos fundamentais num país membro do Conselho da Europa?),
– Tendo em conta o artigo 132.º, n.ºs 2 e 4, do seu Regimento,
A. Considerando que, num contexto de retrocesso geral que afeta as liberdades fundamentais e o Estado de direito, os partidos da oposição na Turquia, em particular o Partido Democrático Popular (HDP), têm sido especificamente visados, e de forma cada vez mais intensa, pelas autoridades turcas;
B. Considerando que, em 17 de março de 2021, o Procurador-Geral do Tribunal de Cassação da Turquia requereu pela primeira vez ao Tribunal Constitucional a dissolução do HDP, o terceiro maior partido político no parlamento turco; considerando que, em 31 de março de 2021, a Assembleia Geral do Tribunal Constitucional concluiu no sentido da existência de irregularidades processuais neste despacho de pronúncia e decidiu devolvê-lo à Procuradoria-Geral; considerando que, em 7 de junho de 2021, foi apresentado um despacho de pronúncia revisto que exigia, para além da dissolução do partido, a proibição do exercício de atividades políticas para cerca de 500 membros do HDP e o congelamento das contas bancárias do partido; considerando que, em 21 de junho de 2021, a Assembleia Geral do Tribunal Constitucional aceitou por unanimidade o despacho de pronúncia revisto;
C. Considerando que o Procurador-Geral baseou a maior parte das suas acusações contra o HDP nas manifestações sobre Kobanî, relativamente às quais está em curso um processo judicial contra políticos do HDP, incluindo os antigos copresidentes Selahattin Demirtaș e Figen Yüksekdağ; considerando que estas acusações se basearam principalmente num tweet publicado pelo Conselho Executivo Central do HDP (em 6 de outubro de 2014), que convidava as pessoas a manifestarem-se em solidariedade com o povo de Kobanî contra o EIIL e contra o embargo da Turquia a Kobanî; considerando que, durante as manifestações, mais de 50 pessoas, na sua esmagadora maioria membros ou simpatizantes do HPD, foram mortas nos confrontos com a polícia turca;
D. Considerando que há 108 arguidos do HDP no denominado «julgamento de Kobanî»; considerando que 28 deles se encontram em detenção preventiva; considerando que existem restrições judiciais contra seis pessoas e mandados de detenção contra 75; considerando que o Parlamento continuará a acompanhar de perto o julgamento de Kobanî e outros processos pertinentes;
E. Considerando que o Tribunal Constitucional proibiu no passado seis partidos políticos pró-curdos;
F. Considerando que o TEDH tem repetidamente afirmado que a dissolução de partidos políticos viola o direito de associação nos termos do artigo 11.º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem; considerando que, nas suas Conclusões de 24 de Junho de 2021, o Conselho Europeu declara que os ataques aos partidos políticos representam um grande revés para os direitos humanos e são contrários às obrigações da Turquia de respeitar a democracia e o Estado de direito, e que o diálogo sobre esta questão continua a ser parte integrante das relações UE-Turquia;
G. Considerando que, em 17 de junho de 2021, Deniz Poyraz, funcionária e membro do HDP, foi assassinada nas instalações do partido em Esmirna; considerando que foi alegadamente mutilada depois de morta; considerando que, em 2015 e 2016, centenas de escritórios do HDP, incluindo a sede em Ancara, foram atacados, tendo muitos sido incendiados;
H. Considerando que cerca de 4 000 membros e funcionários do HDP continuam na prisão, incluindo vários deputados;
I. Considerando que três deputados do HDP foram destituídos do seu mandato parlamentar, que a sua imunidade foi levantada e que posteriormente foram detidos;
J. Considerando que, em 30 de junho de 2021, os procuradores do Ministério Público apresentaram à Comissão Parlamentar Mista encarregada dos Assuntos Constitucionais e da Justiça da Grande Assembleia Nacional turca resumos dos processos com vista ao levantamento da imunidade parlamentar de 20 legisladores de seis partidos diferentes da oposição; considerando que estes processos visam 15 deputados do HDP, o líder do Partido Popular Republicano (CHP), Kemal Kılıçdaroğlu, e um legislador de cada um dos outros partidos da oposição, nomeadamente o Partido Democrático das Regiões (DBP), o Partido İYİ (Bom), o Partido dos Trabalhadores da Turquia (TİP) e o Partido Democrático (PD);
K. Considerando que Kemal Kılıçdaroğlu, enquanto líder do maior partido da oposição, está a ser julgado por alegadamente insultar o Presidente da Turquia, pelo que poderá ser condenado a uma pena de prisão até quatro anos; considerando que Kemal Kılıçdaroğlu é igualmente alvo de uma ação judicial intentada pelo Presidente Recep Tayyip Erdoğan, em 11 de janeiro de 2021, com vista ao pagamento de uma indemnização de um milhão de liras turcas;
L. Considerando que Selahattin Demirtaş, antigo copresidente do HDP e candidato presidencial nas eleições de 2014 e 2018, esteve detido durante mais de quatro anos com base em acusações infundadas e apesar de dois acórdãos do TEDH a favor da sua libertação;
M. Considerando que, no mesmo acórdão, o TEDH declarou que o apelo da sede do HDP à solidariedade para com o povo de Kobanî respeitou os limites do discurso político, na medida em que não pode ser interpretado como um apelo à violência; considerando que o Tribunal declarou que os atos de violência ocorridos entre 6 e 8 de outubro de 2014, por muito lamentáveis que sejam, não podem ser considerados uma consequência direta dos tweets da sede do HDP;
N. Considerando que, desde as eleições autárquicas de 31 de março de 2019, 59 dos 65 presidentes de câmara democraticamente eleitos do HDP no sudeste da Turquia foram substituídos por governadores ou administradores provinciais nomeados pelo Governo com o argumento de que estavam sob investigação criminal por alegadas ligações a terrorismo; considerando que, dos 36 detidos, 32 foram libertados durante o processo judicial, mas 6 copresidentes de câmara eleitos continuam na prisão;
O. Considerando que a deterioração dos problemas estruturais conducentes à falta de independência institucional do poder judicial continua a ter impacto nos direitos dos partidos da oposição;
1. Continua profundamente preocupado com os ataques e pressões constantes contra os partidos da oposição na Turquia e, em particular, com a forma como o HDP, incluindo a sua organização de juventude, tem sido especificamente visado, e de forma cada vez mais intensa, pelas autoridades turcas; condena esta repressão do HDP e de quaisquer outros partidos da oposição turca, que põe em causa o bom funcionamento do sistema democrático; insta o Governo turco a pôr termo a esta situação e a garantir que todos os partidos políticos do país possam exercer livre e plenamente as suas atividades legítimas, em conformidade com os princípios fundamentais de um sistema pluralista e democrático;
2. Condena veementemente a acusação que o Procurador-Geral da Turquia apresentou mais uma vez no Tribunal Constitucional com vista à dissolução do HDP e à proibição de atividade política de cerca de 500 membros do HDP, incluindo a maioria dos seus atuais dirigentes, o que os impediria de realizar qualquer tipo de atividade política nos próximos cinco anos; manifesta a sua profunda preocupação com a decisão unânime do Tribunal Constitucional de aceitar este processo; observa com grande preocupação que o processo de dissolução do HDP é o culminar de uma repressão contra este partido, que está em curso há vários anos e que levou a julgamento milhares de membros do partido, executivos, deputados, membros de assembleias locais e copresidentes de câmara principalmente por acusações relacionadas com terrorismo;
3. Está firmemente convicto de que não impedir a participação do HDP nas instituições democráticas da Turquia constitui uma forma fundamental de tornar a sociedade turca mais inclusiva e de criar uma perspetiva positiva que permita conduzir a uma resolução pacífica da questão curda; reitera, a este respeito, que, tendo em conta o firme compromisso assumido pelo HDP de trabalhar através de instituições democráticas, a proibição do partido constituiria um grave erro político a médio prazo e representaria um golpe irreversível para o pluralismo e os princípios democráticos, deixando milhões de eleitores na Turquia sem representação;
4. Condena veementemente o terrível assassínio de Deniz Poyraz, membro e funcionária do HDP, e o ataque às instalações do partido em Esmirna; apresenta as suas condolências aos seus familiares e amigos; insta as autoridades a investigarem exaustivamente este caso e a fazer com que os responsáveis compareçam perante a justiça;
5. Solicita às autoridades turcas que se abstenham de incitar à violência contra o HDP e tomem as medidas necessárias para proteger os escritórios e os funcionários do partido, incluindo deputados, membros de assembleias locais e copresidentes de câmara eleitos;
6. Condena a aplicação arbitrária do Estado de direito durante o «julgamento de Kobanî» em curso, que levou à reabertura do processo, e durante o processo em si, em particular a falta de independência judicial, imparcialidade, equidade total e garantias processuais; manifesta a sua profunda preocupação com a utilização abusiva da vasta legislação antiterrorista; reitera o seu apelo às autoridades turcas para que alinhem a sua legislação antiterrorista com as normas internacionais, a fim de assegurar a proteção efetiva dos direitos e liberdades fundamentais, a proporcionalidade e a igualdade perante a lei;
7. Condena a decisão de destituir os deputados do HDP Leyla Güven, Ömer Faruk Gergerlioğlu e Musa Farisoğulları das suas funções parlamentares e de levantar a sua imunidade, bem como as suas detenções subsequentes; congratula-se com o recente acórdão do Tribunal Constitucional, de 1 de julho de 2021, que decidiu por unanimidade que os direitos do deputado Ömer Faruk Gergerlioğlu de ser eleito e de exercer uma atividade política, bem como o seu direito à liberdade e à segurança pessoais, tinham sido violados; congratula-se com a sua libertação e insta as autoridades turcas e os tribunais inferiores a aplicarem o acórdão do Tribunal Constitucional e a restabelecerem o seu estatuto parlamentar; apela à libertação imediata dos outros dois deputados do HDP e à retirada de todas as acusações que lhes são imputadas; denuncia o recurso recorrente à revogação do estatuto parlamentar dos deputados da oposição, o que prejudica seriamente a imagem do Parlamento turco enquanto instituição democrática;
8. Condena com veemência a continuação da detenção, desde novembro de 2016, dos antigos copresidentes do HDP Figen Yüksekdağ e Selahattin Demirtaş, sendo este último também líder da oposição e um antigo candidato presidencial; relembra o acórdão do TEDH no processo Selahattin Demirtaş/Turquia, de 20 de novembro de 2018, confirmado pelo acórdão da Grande Secção de 22 de dezembro de 2020, que exortava as autoridades turcas a libertar imediatamente Selahattin Demirtaş; manifesta a sua consternação face ao desrespeito e à não aplicação persistentes dos acórdãos do TEDH por parte das autoridades turcas, incluindo noutros casos, como o de Osman Kavala, relativamente ao qual o Comité de Ministros do Conselho da Europa poderá instaurar um processo por infração contra a Turquia; apela à plena cooperação com o Conselho da Europa no reforço do Estado de direito, dos direitos das minorias, da democracia e dos direitos fundamentais;
9. Manifesta a sua profunda preocupação com a pressão crescente exercida sobre o principal partido da oposição (CHP) e o seu líder Kemal Kılıçdaroğlu, incluindo o confisco de panfletos do partido por decisão judicial, as ameaças formuladas publicamente contra ele ou mesmo as agressões físicas de que foi alvo; condena o pedido de levantamento da imunidade de Kemal Kılıçdaroğlu com base nas suas declarações políticas, incluindo o seu julgamento por alegadamente insultar o Presidente da Turquia, pelo que poderá ser condenado a uma pena de prisão até quatro anos; reitera a sua profunda preocupação com o constante assédio político e judicial de que é vítima Canan Kaftancıoğlu, presidente do CHP na província de Istambul;
10. Manifesta a sua profunda preocupação com a pressão crescente exercida sobre todos os partidos da oposição e com a recente decisão dos procuradores do Ministério da Justiça de apresentar à Comissão Parlamentar Mista encarregada dos Assuntos Constitucionais e da Justiça da Grande Assembleia Nacional turca resumos dos processos com vista ao levantamento da imunidade parlamentar de 20 legisladores de seis partidos diferentes da oposição; salienta que o ambiente geralmente hostil está a afetar outros líderes da oposição tais como o presidente do partido İYİ, Meral Akşener, que foi recentemente atacado verbalmente numa visita a Rize por apoiantes do partido no poder;
11. Condena a decisão tomada pelas autoridades turcas de destituir os presidentes de câmara democraticamente eleitos, com base em provas duvidosas, e de os substituir por administradores não eleitos, o que põe em causa a democracia local; toma nota das medidas políticas, legislativas e administrativas tomadas pelo Governo turco para paralisar os municípios governados por presidentes de câmara de partidos da oposição em Istambul, Ancara e Esmirna; lamenta que o governo em funções faça uma utilização abusiva dos recursos financeiros e da autoridade administrativa do Estado para enfraquecer ou silenciar a oposição;
12. Salienta que estas medidas continuam a comprometer a capacidade da oposição política para exercer os seus direitos e desempenhar o seu papel democrático; está profundamente preocupado com estes graves retrocessos em matéria de liberdade de funcionamento dos partidos da oposição, que revelam a terrível situação dos direitos humanos na Turquia e a contínua erosão da democracia e do Estado de direito, em violação dos critérios de Copenhaga;
13. Considera que a erosão do Estado de direito e a falta sistémica de independência do poder judicial continuam a estar ligadas às decisões judiciais relativas à liberdade de funcionamento dos partidos da oposição; solicita à Turquia que assegure o pluralismo e o respeito pela liberdade de associação e de expressão, em consonância com as proteções previstas na Constituição turca e com as obrigações internacionais da Turquia;
14. Insta a Delegação da UE na Turquia a continuar a acompanhar a situação da oposição política, nomeadamente observando os julgamentos, incluindo o «julgamento de Kobanî», proferindo declarações públicas e pedindo autorização para visitas às prisões;
15. Entende que, para além de melhorias nas questões de política externa, os progressos em qualquer agenda positiva que possa ser oferecida à Turquia devem também depender de melhorias na situação dos direitos civis e humanos e do Estado de direito no país, incluindo os direitos das mulheres, tais como os garantidos pela Convenção de Istambul, a liberdade religiosa e os direitos das minorias étnicas e da comunidade LGBTI;
16. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Presidente do Conselho Europeu, ao Conselho, à Comissão, ao Vice-Presidente da Comissão/Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, bem como ao Governo e ao Parlamento da República da Turquia.