Resolução do Parlamento Europeu, de 14 de setembro de 2021, sobre os direitos das pessoas LGBTIQ na UE (2021/2679(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta o Tratado da União Europeia (TUE), nomeadamente os artigos 2.º e 3.º, e o Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), nomeadamente os artigos 8.º, 10.º, 18.º e 21.º,
– Tendo em conta a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia («Carta»), nomeadamente os seus artigos 7.º, 9.º, 21.º, 24.º, n.ºs 2 e 3, e 45.º,
– Tendo em conta a Convenção Europeia dos Direitos do Homem, nomeadamente o artigo 8.º sobre o direito ao respeito pela vida privada e familiar e o artigo 14.º e o Protocolo n.º 12 sobre a proibição de discriminação,
– Tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos Humanos,
– Tendo em conta a Carta Social Europeia, assinada em Turim em 18 de outubro de 1961,
– Tendo em conta a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (CDC),
– Tendo em conta a resolução 2239 da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (PACE), de 10 de outubro de 2018, intitulada «Private and family life: achieving equality regardless of sexual orientation [Vida privada e familiar: alcançar a igualdade independentemente da orientação sexual](1),
– Tendo em conta a resolução 2048 da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa (PACE), de 22 de abril de 2015, intitulada «Discrimination against transgender people in Europe» [Discriminação contra as pessoas transgénero na Europa](2),
– Tendo em conta a Diretiva 2004/38/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 29 de abril de 2004, relativa ao direito de livre circulação e residência dos cidadãos da União e dos membros das suas famílias no território dos Estados-Membros, que altera o Regulamento (CEE) n.º 1612/68 e que revoga as Diretivas 64/221/CEE, 68/360/CEE, 72/194/CEE, 73/148/CEE, 75/34/CEE, 75/35/CEE, 90/364/CEE, 90/365/CEE e 93/96/CEE(3),
– Tendo em conta a Comunicação da Comissão, de 12 de novembro de 2020, intitulada «União da Igualdade: Estratégia para a igualdade de tratamento das pessoas LGBTIQ 2020-2025» (COM(2020)0698),
– Tendo em conta a Diretiva 2000/78/CE do Conselho, de 27 de novembro de 2000, que estabelece um quadro geral de igualdade de tratamento no emprego e na atividade profissional(4),
– Tendo em conta a sua resolução, de 11 de março de 2021, sobre a proclamação da UE como zona de liberdade para as pessoas LGBTIQ(5),
– Tendo em conta a sua resolução, de 18 de dezembro de 2019, sobre a discriminação pública e o discurso de ódio contra as pessoas LGBTI, nomeadamente as «zonas sem LGBTI»(6),
– Tendo em conta a sua resolução, de 14 de fevereiro de 2019, sobre o futuro da lista de medidas em favor das pessoas LGBTI (2019-2024)(7),
– Tendo em conta a sua resolução, de 17 de setembro de 2020, sobre a proposta de decisão do Conselho relativa à verificação da existência de um risco manifesto de violação grave, pela República da Polónia, do Estado de direito(8),
– Tendo em conta os acórdãos do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), de 5 de junho de 2018, no processo Relu Adrian Coman e outros / Inspectoratul General pentru Imigrări e Ministerul Afacerilor Interne(9), e de 23 de abril de 2020, no processo NH / Associazione Avvocatura per i diritti LGBTI - Rete Lenford(10), e as conclusões da advogada-geral J. Kokott, apresentadas em 15 de abril de 2021, no processo V.M.A. / Stolichna Obsthina, Rayon ‘Pancharevo’(11),
– Tendo em conta os acórdãos do TJUE nos processos Maruko, Römer e Hay(12) e o acórdão do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) no processo Taddeucci & McCall(13),
– Tendo em conta o artigo 227.º, n.º 2, do seu Regimento,
A. Considerando que os direitos LGBTIQ são direitos humanos;
B. Considerando que a Comissão das Petições recebeu várias petições que suscitam preocupações quanto à discriminação de que são vítimas as pessoas LGBTIQ em geral e, em particular, os casais do mesmo sexo e as famílias arco-íris na UE;
C. Considerando que estas petições apelam, por um lado, a que sejam garantidos às famílias arco-íris os mesmos direitos familiares de que gozam as famílias heterossexuais e os seus filhos em todos os Estados-Membros, em particular o direito à livre circulação dentro da UE e o reconhecimento mútuo das suas relações e da parentalidade, e, por outro lado, à adoção de medidas contra a Polónia por violação dos princípios da não discriminação, da igualdade e da liberdade de expressão, incluindo no que respeita às «Cartas Regionais dos Direitos da Família» e às resoluções que declaram os municípios e as regiões «livres da ideologia LGBTI» (as chamadas «zonas sem LGBTI»);
D. Considerando que a Comissão das Petições realizou um seminário sobre os direitos das pessoas LGBTI + na UE, em 22 de março de 2021, durante o qual o Departamento Temático dos Direitos dos Cidadãos e dos Assuntos Constitucionais do Parlamento Europeu apresentou o estudo intitulado «Obstacles to the Free Movement of Rainbow Families in the EU» [Obstáculos à livre circulação de famílias arco-íris na UE], encomendado em nome da Comissão das Petições;
E. Considerando que o referido estudo conclui que as famílias arco-íris continuam a enfrentar grandes obstáculos à sua liberdade de circulação na UE em 2021, com consequências negativas para os interesses dos seus filhos, e que, no exercício das suas competências em matéria de livre circulação dos cidadãos da UE e dos seus familiares, as instituições da UE podiam adotar medidas para eliminar estes obstáculos; considerando que os pais transgénero cujos documentos de identidade não são reconhecidos após a passagem de uma fronteira podem perder todos os laços jurídicos com os seus filhos, o que tem consequências graves para o interesse superior das crianças;
F. Considerando que o artigo 21.º, n.º 1, do TFUE estabelece que qualquer cidadão da União goza do direito de circular e permanecer livremente no território dos Estados‑Membros;
G. Considerando que a União Europeia tem de combater a exclusão social e a discriminação;
H. Considerando que o direito à igualdade de tratamento e à não discriminação é um direito fundamental consagrado nos Tratados e na Carta e deve ser plenamente respeitado; considerando que a igualdade e a proteção das minorias figuram entre os valores da União consagrados no artigo 2.º do TUE que a UE procura consolidar através de iniciativas e ações no quadro da «União da Igualdade»;
I. Considerando que, em setembro de 2020, a Presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, no seu discurso sobre o estado da União, salientou que «quem é progenitor num país, é progenitor em todos os países», referindo-se à necessidade de um reconhecimento mútuo das relações familiares na UE;
J. Considerando que todos os Estados-Membros assumiram, ao abrigo do direito internacional e dos Tratados da UE, a obrigação e o dever de respeitar, garantir, salvaguardar e observar os direitos fundamentais;
K. Considerando que, embora a UE tenha registado progressos no que respeita aos casamento e uniões civis, aos direitos de adoção para as pessoas LGBTIQ e à proteção jurídica contra a discriminação, os discursos de ódio e os crimes de ódio, também foram registados retrocessos, de que são exemplo a retórica hostil de políticos eleitos, o aumento da violência homofóbica e transfóbica e a proclamação das chamadas «zonas sem LGBTI»;
L. Considerando que as pessoas LGBTIQ continuam a ser vítimas de discriminação e violência na Europa; considerando que o mapa Rainbow Europe de 2021, o instrumento de avaliação comparativa anual da ILGA-Europe, revela uma estagnação generalizada e quase total dos direitos humanos das pessoas LGBTIQ, em particular no que diz respeito ao reconhecimento da legislação relativa à família em toda a Europa, e que, este ano, não houve qualquer evolução jurídica ou política a favor das pessoas LGBTIQ;
M. Considerando que, num inquérito realizado em 2019, a Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA) constatou um aumento da discriminação em razão da orientação sexual, da identidade de género, da expressão de género e das características sexuais na UE;
N. Considerando que as pessoas LGBTIQ continuam a ser vítimas de discriminação em alguns Estados-Membros no que diz respeito à proteção social, à segurança social, aos cuidados de saúde, à educação e ao acesso e fornecimento de bens e prestação de outros serviços postos à disposição do público, incluindo a habitação; considerando que a diretiva horizontal relativa à não discriminação, que pode colmatar parcialmente essa lacuna da proteção para além do emprego, permanece bloqueada no Conselho há mais de 10 anos;
O. Considerando que nem todos os Estados-Membros da UE proporcionam proteção jurídica às pessoas LGBTIQ contra a discriminação;
P. Considerando que não existem, a nível da União, regras sobre o reconhecimento entre os Estados-Membros de decisões judicias em matéria de parentalidade, nem disposições da UE que visem resolver conflitos neste domínio; considerando que alguns Estados-Membros não reconhecem o casamento entre pessoas do mesmo sexo realizado noutro Estado-Membro para outros efeitos previstos na legislação nacional que não a autorização de residência; considerando que alguns Estados-Membros que permitem o casamento entre pessoas do mesmo sexo parecem não estar dispostos a reconhecer cônjuges do mesmo sexo registados noutros Estados-Membros; considerando que, em alguns Estados-Membros, os casais do mesmo sexo com filhos correm o risco de não ver o seu poder parental conjunto legalmente reconhecido(14); considerando que é frequentemente negado aos pais transgénero o reconhecimento do seu género jurídico quando atravessam as fronteiras, o que leva a que as autoridades fronteiriças não os reconheçam como progenitores dos seus próprios filhos;
1. Congratula-se com a primeira Estratégia para a Igualdade de Tratamento das Pessoas LGBTIQ 2020-2025, adotada pela Comissão Europeia em 12 de novembro de 2020 (COM(2020)0698), que inclui como ações-chave uma iniciativa legislativa destinada a proteger os direitos das famílias arco-íris e uma atualização das orientações de 2009 sobre a livre circulação até 2022;
2. Manifesta a sua profunda preocupação com a discriminação de que são vítimas as famílias arco-íris e os seus filhos na UE e com o facto de serem privados dos seus direitos em razão da orientação sexual, da identidade de género ou das características sexuais dos progenitores ou parceiros; insta a Comissão e os Estados-Membros a porem fim a esta discriminação e a eliminarem os obstáculos com que estas pessoas se deparam no exercício do direito fundamental à liberdade de circulação na UE;
3. Sublinha a necessidade de trabalhar a favor do pleno gozo dos direitos fundamentais pelas pessoas LGBTIQ em todos os Estados-Membros da UE e recorda que, por conseguinte, as instituições da União e os Estados-Membros têm o dever de respeitar e salvaguardar estes direitos, em conformidade com os Tratados e com a Carta, bem como com o direito internacional;
4. Insiste em que a UE deve adotar uma abordagem comum para o reconhecimento dos casamentos e uniões de facto entre pessoas do mesmo sexo; insta os Estados-Membros, em particular, a introduzirem legislação pertinente, a fim de garantir a todas as famílias o pleno respeito do direito à vida privada e familiar, sem discriminações, e à livre circulação, incluindo medidas destinadas a facilitar o reconhecimento do género jurídico dos progenitores transgénero;
5. Recorda que o direito da UE prevalece sobre qualquer direito nacional, incluindo sobre disposições constitucionais contraditórias, e que, por conseguinte, os Estados-Membros não podem invocar uma proibição constitucional do casamento entre pessoas do mesmo sexo ou a proteção constitucional da «moral» ou da «ordem pública» com o objetivo de restringir o direito fundamental à livre circulação de pessoas na UE, em violação dos direitos das famílias arco-íris que se deslocam para o seu território;
6. Condena com a maior veemência possível o facto de a proposta de diretiva do Conselho que aplica o princípio da igualdade de tratamento entre as pessoas, independentemente da sua religião ou crença, deficiência, idade ou orientação sexual(15), apresentada em 2 de julho de 2008, ainda não ter sido adotada; solicita ao Conselho a sua aprovação; sublinha que este bloqueio envia uma mensagem errada por parte das instituições da UE, nomeadamente a de que estas fecham os olhos aos casos de discriminação grave que ocorrem nos Estados-Membros da UE, permitindo que se perpetuem;
7. Insta a Comissão a assegurar que todos os Estados-Membros da UE respeitem a continuidade jurídica no que diz respeito aos laços familiares dos membros das famílias arco-íris que se deslocam para o seu território a partir de outro Estado-Membro, pelo menos em todas as circunstâncias em que tal é exigido pela Convenção Europeia dos Direitos do Homem;
8. Exorta a Comissão a propor legislação que obrigue todos os Estados-Membros a reconhecer, para efeitos do direito nacional, os adultos mencionados numa certidão de nascimento emitida noutro Estado-Membro como progenitores legais da criança, independentemente do sexo jurídico ou do estado civil dos adultos, e que exija que todos os Estados-Membros reconheçam, para efeitos do direito nacional, os casamentos ou uniões de facto registados constituídos noutro Estado-Membro, em todas as situações em que os cônjuges ou os parceiros registados tenham direito à igualdade de tratamento ao abrigo da jurisprudência do TEDH; salienta a importância do reconhecimento das certidões de nascimento em todos os Estados-Membros, independentemente do sexo dos progenitores, uma vez que tal asseguraria que as crianças não se tornem apátridas quando se mudam para outro Estado-Membro;
9. Apoia o compromisso da Comissão de propor uma iniciativa legislativa com o objetivo de alargar a lista de «crimes da UE» aos crimes de ódio e ao discurso de ódio, incluindo quando dirigidos a pessoas LGBTIQ; apoia igualmente a proposta relativa ao reconhecimento mútuo da parentalidade e a eventuais medidas de apoio ao reconhecimento mútuo entre os Estados-Membros da união de facto entre pessoas do mesmo sexo; insta as próximas presidências do Conselho a darem prioridade a estas questões nas suas agendas;
10. Solicita à Comissão que tome medidas concretas para garantir a liberdade de circulação de todas as famílias, incluindo as famílias arco-íris, em conformidade com o acórdão no processo Coman & Hamilton(16), segundo o qual o termo «cônjuge», tal como utilizado na Diretiva Livre Circulação, é igualmente aplicável aos parceiros do mesmo sexo; pede à Comissão que examine se os Estados-Membros dão cumprimento ao acórdão Coman & Hamilton e que tome medidas de execução nos termos do artigo 258.º do TFUE contra aqueles que não o façam; insta a Comissão a tomar medidas de execução contra a Roménia pelo incumprimento persistente do referido acórdão e à ausência de vias de recurso que obrigaram o queixoso a recorrer ao TEDH para obter reparação;
11. Solicita à Comissão que inclua nas suas próximas orientações sobre a livre circulação uma clarificação para garantir que a Diretiva 2000/78/CE é interpretada, à luz dos acórdãos Maruko, Römer e Hay do TJUE e do acórdão Taddeucci & McCall do TEDH, no sentido de que os Estados-Membros devem proibir qualquer discriminação contra casais do mesmo sexo no emprego, na formação profissional ou em qualquer outro domínio abrangido pelo âmbito de aplicação material da diretiva;
12. Solicita à Comissão que apresente uma proposta de revisão do artigo 2.º, n.º 2, alínea b), da Diretiva 2004/38/CE, nomeadamente com vista a suprimir a condição «se a legislação do Estado-Membro de acolhimento considerar as parcerias registadas como equiparadas ao casamento», a fim de dar cumprimento ao artigo 21.º da Carta;
13. Solicita à Comissão que, nas suas próximas orientações sobre a livre circulação, a fim de garantir a correta aplicação da legislação da UE em matéria de livre circulação, inste os Estados-Membros a aplicar de forma coerente a Diretiva 2004/38/CE, sem discriminação dos seus beneficiários, designadamente os casais heterossexuais e os casais do mesmo sexo, e clarifique que qualquer referência a um «parceiro», «progenitor», «filho», «descendente direto» ou «ascendente direto» deve ser entendida como incluindo as famílias arco-íris, para garantir que estas, ao exercerem o seu direito à livre circulação na UE, gozem do mesmo direito ao reagrupamento familiar ao abrigo do direito da UE que as famílias heterossexuais, bem como para assegurar que a avaliação das circunstâncias pessoais de um casal efetuadas pelos Estados-Membros com vista a «facilitar» a autorização de entrada no território do parceiro não registado de um cidadão da União seja isenta de discriminação em razão da orientação sexual;
14. Solicita à Comissão que tome medidas relativamente à discriminação sofrida pela comunidade LGBTIQ na Polónia e na Hungria, a fim de instar os Estados-Membros a aplicar corretamente e a respeitar a legislação da UE nesta matéria; exorta o Conselho a retomar os debates sobre os processos contra a Polónia e a Hungria ao abrigo do artigo 7.º do TUE, nomeadamente no que respeita aos direitos LGBTIQ; recorda a sua posição de 17 de setembro de 2020 e insta a Comissão a utilizar plenamente os instrumentos de que dispõe para fazer face ao risco manifesto de violação grave, pela Polónia e pela Hungria, dos valores em que se funda a União, em particular os processos por infração acelerados e os pedidos de medidas provisórias perante o Tribunal de Justiça, bem como os instrumentos orçamentais; insta a Comissão a continuar a manter o Parlamento regularmente informado e estreitamente envolvido;
15. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão e aos governos e parlamentos dos Estados-Membros.
«Obstacles to the Free Movement of Rainbow Families in the EU» [Obstáculos à livre circulação de famílias arco-íris na UE], estudo encomendado pelo Departamento Temático dos Direitos dos Cidadãos e dos Assuntos Constitucionais do Parlamento Europeu, a pedido da Comissão das Petições, 2021. Obstacles to the Free Movement of Rainbow Families in the EU (europa.eu).