Resolução do Parlamento Europeu, de 7 de outubro de 2021, sobre o caso de Paul Rusesabagina no Ruanda (2021/2906(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta as suas anteriores resoluções sobre o Ruanda e, em particular, a de 11 de fevereiro de 2021, sobre o Ruanda, o caso de Paul Rusesabagina(1),
– Tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos do Homem,
– Tendo em conta o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, ratificado pelo Ruanda em 1975,
– Tendo em conta a Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos,
– Tendo em conta os princípios e as orientações em matéria de direito a um processo equitativo e a assistência judiciária em África,
– Tendo em conta a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outras Penas ou Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes,
– Tendo em conta as Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Reclusos (as Regras Nelson Mandela), na versão revista de 2015,
– Tendo em conta a Declaração de Kampala sobre as condições prisionais em África,
– Tendo em conta o relatório do Grupo de Trabalho do Conselho dos Direitos do Homem da UNU sobre o Exame Periódico Universal, de 25 de março de 2021, relativo ao Ruanda,
– Tendo em conta as declarações da comunidade internacional, condenando as irregularidades e denunciando a ausência de julgamentos justos no Ruanda, nomeadamente as do Governo da Bélgica, do Departamento de Estado dos EUA e do Governo do Reino Unido,
– Tendo em conta as declarações da Federação Europeia das Ordens de Advogados, do Centro para os Direitos Humanos da Ordem dos Advogados dos Estados Unidos e de várias organizações de defesa dos direitos humanos,
– Tendo em conta o Acordo de Cotonou,
– Tendo em conta a Constituição do Ruanda,
– Tendo em conta os instrumentos da ONU e da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos,
– Tendo em conta a Convenção de Viena sobre Relações Consulares de 1963,
– Tendo em conta o artigo 144.º, n.º 5, e o artigo 123.º, n.º 4, do seu Regimento,
A. Considerando que, em 29 de setembro de 2021, Paul Rusesabagina – defensor dos direitos humanos, cidadão belga e residente nos EUA – foi condenado a 25 anos de prisão pela Câmara dos Crimes Internacionais e Transfronteiriços do Supremo Tribunal do Ruanda, na sequência da sua detenção em Kigali, em 31 de agosto de 2020; considerando que Paul Rusesabagina foi acusado de nove acusações relacionadas com o terrorismo e responsabilizado criminalmente pelas atividades atribuídas ao Movimento para a Mudança Democrática/Frente de Libertação Nacional (MRCD-FLN) do Ruanda, uma coligação de partidos políticos da oposição e a sua ala militar;
B. Considerando que a detenção de Paul Rusesabagina, em agosto de 2020, foi arbitrária, realizada sob falsas alegações e envolveu uma transferência ilegal para o Ruanda, o desaparecimento forçado e a detenção em regime de incomunicabilidade; considerando que não foi apresentado qualquer mandado de detenção, em conformidade com os requisitos do artigo 37.º do Código de Processo Penal do Ruanda de 2019, e que não foi feita qualquer acusação até à sua condenação, em violação do artigo 68.º do mesmo Código de Processo Penal; considerando que Paul Rusesabagina declarou publicamente, em diversas ocasiões, que não podia regressar ao seu país natal por receio de represálias;
C. Considerando que o Ministro da Justiça do Ruanda, Johnston Busingye, reconheceu o papel do seu Governo na transferência e desaparecimento forçado de Paul Rusesabagina em agosto de 2020, pagando o voo da transferência e violando o direito de Paul Rusesabagina a um julgamento justo; considerando que, em 10 de março de 2021, o tribunal decidiu que a transferência de Paul Rusesabagina foi legal e que ele não foi raptado;
D. Considerando que quando o veredicto foi proferido, foram anunciados elementos de prova adicionais – que não tinham sido anteriormente ouvidos pelo tribunal ou apresentados durante o julgamento – relativos à alegação de que Paul Rusesabagina tinha angariado fundos para o grupo armado FLN; considerando que alguns dos elementos de prova citados resultaram de declarações que Paul Rusesabagina alega terem sido feitas sob coação e sem aconselhamento jurídico;
E. Considerando que a equipa de advogados que inicialmente representou Paul Rusesabagina não foi escolhida por ele e que os advogados da sua escolha – a quem acabou por ter acesso a partir de abril de 2021 – foram impedidos de se reunir com ele, o que viola o artigo 68.º do Código de Processo Penal do Ruanda;
F. Considerando que a situação clínica de Paul Rusesabagina em detenção foi considerada bastante preocupante, dado que ele sobreviveu a um cancro e sofre duma doença cardiovascular; considerando que, segundo os seus advogados, ele falhou dois rastreios de cancro e que as autoridades prisionais lhe recusaram o acesso a medicamentos receitados e fornecidos pelo seu médico belga, causando sofrimento mental e físico, em violação dos artigos 12.º e 14.º da Constituição do Ruanda sobre o direito à vida, o direito à integridade física e a proteção contra tratamentos desumanos ou degradantes;
G. Considerando que, em setembro de 2020, as autoridades ruandesas não informaram as autoridades belgas da detenção de Paul Rusesabagina, em conformidade com o princípio consagrado no direito internacional em matéria de assistência consular; considerando que o Serviço Prisional do Ruanda (RCS) acedeu a documentos jurídicos e de comunicação trocados entre Paul Rusesabagina e os seus advogados; considerando que o Ministro dos Negócios Estrangeiros belga enviou várias notas verbais ao seu homólogo ruandês solicitando que os direitos de Paul Rusesabagina fossem respeitados, mas que o Governo ruandês recusou todos os pedidos;
H. Considerando que, em julho de 2021, houve informações de que as autoridades ruandesas tinham utilizado o spyware Pegasus (da firma NSO) para visar potencialmente mais de 3 500 ativistas, jornalistas e políticos; considerando que o spyware também foi utilizado para infetar o telefone de Carine Kanimba, filha de Paul Rusesabagina, segundo uma análise forense feita ao mesmo; considerando que as autoridades ruandesas negaram tais factos;
I. Considerando que o Ruanda é signatário do Acordo de Cotonou, que determina que o respeito dos direitos humanos constitui um elemento essencial da cooperação entre a UE e a Organização dos Estados de África, Caraíbas e Pacífico; considerando que os principais domínios prioritários da programação da UE para o Ruanda são o reforço do Estado de direito e dos direitos humanos;
J. Considerando que a segunda reunião ministerial entre a União Africana e a UE terá lugar em Kigali, em 25 e 26 de outubro de 2021;
1. Recorda ao Governo do Ruanda a sua obrigação de garantir os direitos fundamentais, nomeadamente o acesso à justiça e o direito a um julgamento conduzido de forma justa, tal como previsto na Carta Africana dos Direitos do Homem e dos Povos e noutros instrumentos internacionais e regionais em matéria de direitos humanos, incluindo o Acordo de Cotonou e, em especial, os seus artigos 8.º e 96.º;
2. Sublinha que o Ruanda tem de salvaguardar a independência do seu poder judicial e respeitar a sua constituição e a sua legislação, uma vez que é dever de todas as instituições governamentais e outras respeitar e observar a independência do poder judicial;
3. Recorda que a extradição de qualquer suspeito para outro país só deve ter lugar através de processos de extradição supervisionados de forma independente, de modo a garantir a legalidade do pedido de extradição e a assegurar que o direito do suspeito a um julgamento justo é integralmente garantido no país requerente;
4. Condena veementemente, por isso, a prisão, detenção e condenação ilegais de Paul Rusesabagina, que violam o direito ruandês e internacional; considera que o caso de Paul Rusesabagina é exemplar das violações dos direitos humanos no Ruanda e põe em causa a equidade do veredicto, dado que alegadamente não houve garantias de um julgamento justo e em conformidade com as melhores práticas internacionais de representação, o direito a ser ouvido e a presunção de inocência;
5. Exorta à libertação imediata de Paul Rusesabagina por razões humanitárias e ao seu repatriamento, sem prejuízo da sua culpa ou inocência; solicita à Delegação da UE no Ruanda e às representações diplomáticas dos Estados-Membros que transmitam firmemente este pedido nos seus intercâmbios com as autoridades ruandesas;
6. Exorta o Governo ruandês a garantir, em todas as circunstâncias, a integridade física e o bem-estar psicológico de Paul Rusesabagina e a permitir-lhe tomar a sua medicação habitual; insiste em que o Governo ruandês tem de respeitar o direito do Governo belga de prestar assistência consular a Paul Rusesabagina, a fim de garantir a sua saúde e a sua defesa adequada;
7. Lamenta a situação geral dos direitos humanos no Ruanda e, em particular, a perseguição de vozes dissidentes; condena os julgamentos de cariz político e as ações judiciais contra opositores políticos; exorta as autoridades ruandesas a garantirem a separação dos poderes e, em particular, a independência do poder judicial;
8. Insta o Serviço Europeu para a Ação Externa, a Comissão e o Representante Especial da UE para os Direitos Humanos a reforçarem o diálogo sobre direitos humanos com o Ruanda ao mais alto nível, no quadro do artigo 8.º do Acordo de Cotonu, a fim de assegurar que o país respeite os seus compromissos bilaterais e internacionais; salienta que, no contexto da ação internacional no domínio do desenvolvimento no Ruanda, há que conceder mais prioridade aos direitos humanos, ao Estado de direito e a uma governação transparente e reativa;
9. Solicita à Comissão que reveja de forma crítica o apoio da UE ao Governo e às instituições estatais do Ruanda, a fim de garantir que aquele promove plenamente os direitos humanos e não tem repercussões negativas nas liberdades de expressão e de associação, no pluralismo político, no respeito pelo Estado de direito e numa sociedade civil independente;
10. Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, ao Vice-Presidente da Comissão/Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, ao Representante Especial da UE para os Direitos Humanos, ao Presidente da República do Ruanda, ao Presidente do Parlamento do Ruanda, e à União Africana e respetivas instituições.