Resolução do Parlamento Europeu, de 6 de julho de 2022, sobre os vetos nacionais que visam comprometer o acordo fiscal global (2022/2734(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta o título III e os artigos 113.º, 115.º, 116.º e 326.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE),
– Tendo em conta os artigos 4.º e 20.º do Tratado da União Europeia (TUE),
– Tendo em conta a declaração do Quadro Inclusivo da Organização de Cooperação e de Desenvolvimento Económicos (OCDE)/G20 sobre a erosão da base tributável e a transferência de lucros (BEPS), intitulada «Two-Pillar Solution to Address the Tax Challenges Arising from the Digitalisation of the Economy» (Solução assente em dois pilares para fazer face aos desafios fiscais decorrentes da digitalização da economia), à qual aderiram 137 dos 141 membros e que foi aprovada em 4 de novembro de 2021,
– Tendo em conta as regras-modelo para a aplicação a nível nacional do Pilar 2 do Quadro Inclusivo da OCDE/G20 sobre a BEPS,
– Tendo em conta a proposta da Comissão, de 22 de dezembro de 2021, de uma diretiva do Conselho relativa à fixação de um nível mínimo mundial de tributação para os grupos multinacionais na União (COM(2021)0823),
– Tendo em conta a sua posição, de 19 de maio de 2022, sobre a proposta de diretiva do Conselho relativa à fixação de um nível mínimo mundial de tributação para os grupos multinacionais na União(1),
– Tendo em conta a Comunicação da Comissão, de 15 de janeiro de 2019, intitulada «Rumo a um processo de decisão mais eficaz e mais democrático no âmbito da política fiscal da UE» (COM(2019)0008),
– Tendo em conta a análise do Observatório Fiscal da UE, de 25 de outubro de 2021, intitulada «Revenue effects of the global minimum tax: country-by-country estimates» (Efeitos do imposto mínimo mundial nas receitas: estimativas por país),
– Tendo em conta as conclusões do Conselho «Assuntos Económicos e Financeiros», de 5 de abril de 2022, e os resultados da reunião de 17 de junho de 2022,
– Tendo em conta o relatório final da Conferência sobre o Futuro da Europa e a sua Resolução, de 4 de maio de 2022, sobre o seguimento das conclusões da Conferência sobre o Futuro da Europa(2),
– Tendo em conta a sua Resolução, de 29 de abril de 2021, intitulada «Finanças digitais: negociações na OCDE, domicílio fiscal das empresas digitais e possível imposto digital europeu»(3),
– Tendo em conta a sua Resolução, de 10 de março de 2022, que contém recomendações à Comissão sobre uma tributação justa e mais simples que apoie a estratégia de recuperação (seguimento dado pelo PE ao plano de ação de julho da Comissão e às suas 25 iniciativas no domínio do IVA, das empresas e da fiscalidade individual)(4),
– Tendo em conta o estudo do Fundo Monetário Internacional (FMI), de 25 de maio de 2021, intitulado «Taxing Multinationals in Europe» (Tributação de empresas multinacionais na Europa),
– Tendo em conta as mais recentes estimativas do FMI no «Fiscal Monitor» de abril de 2022,
– Tendo em conta a sua Resolução, de 19 de maio de 2022, sobre as consequências sociais e económicas para a UE da guerra da Rússia contra a Ucrânia: reforçar a capacidade da UE para agir(5),
– Tendo em conta o artigo 132.º, n.ºs 2 e 4, do seu Regimento,
A. Considerando que, em 4 de novembro de 2021, 137 dos 141 membros do Quadro Inclusivo da OCDE/G20 sobre a BEPS, incluindo todos os Estados-Membros da UE, aprovaram uma reforma do sistema fiscal internacional mediante uma solução de dois pilares para enfrentar os desafios fiscais decorrentes da digitalização da economia, nomeadamente impondo limites acordados multilateralmente à transferência de lucros e à concorrência fiscal com a introdução de um imposto mínimo mundial de 15 %; considerando que o acordo é o resultado de um amplo compromisso e de várias rondas de negociações ao longo de vários anos;
B. Considerando que a aplicação do imposto mínimo mundial no âmbito desta reforma assente em dois pilares permitiria aos países cobrarem anualmente cerca de 150 mil milhões de USD em novas receitas(6); considerando que o acordo histórico alcançado na reunião do Quadro Inclusivo da OCDE/G20 sobre a BEPS de outubro de 2021, que beneficia de um amplo apoio de países que representam mais de 90 % da economia mundial, constitui um grande êxito político que importa aplicar rápida e amplamente, de molde a torná-lo um sucesso social e económico e a promover uma tributação justa;
C. Considerando que, de acordo com as mais recentes estimativas do FMI, se estima que o imposto mínimo aumente as receitas globais do imposto sobre o rendimento das sociedades em 5,7 % através do imposto complementar e, possivelmente, em mais 8,1 % através dos limites acordados à transferência de lucros e à concorrência fiscal(7);
D. Considerando que a UE, por si só, poderia aumentar a sua receita do imposto sobre o rendimento das sociedades em cerca de 64 mil milhões de EUR por ano ao aplicar uma taxa mínima de imposto efetiva sobre as sociedades de 15 %, em conformidade com o Pilar 2 do referido acordo global(8);
E. Considerando que os assuntos fiscais na União estão sujeitos a um processo legislativo especial e são decididos por unanimidade no Conselho; considerando que a proposta de diretiva do Conselho, de 22 de dezembro de 2021, que visa aplicar o Pilar 2 do Quadro Inclusivo, tem por base o artigo 115.º do TFUE;
F. Considerando que todos os países da OCDE e do G20, incluindo os 27 Estados‑Membros da UE, apoiaram o acordo de reforma das regras fiscais internacionais em outubro de 2021;
G. Considerando que, apesar deste compromisso, a adoção de uma diretiva da UE que defenda e aplique o Pilar 2 deste acordo internacional (Diretiva Pilar 2) fracassou três vezes no Conselho da União Europeia (Assuntos Económicos e Financeiros – ECOFIN), por não ter sido possível alcançar a unanimidade;
H. Considerando que, nas negociações no Conselho, a Polónia invocou o seu veto nacional para impedir a adoção da Diretiva Pilar 2 em toda a União, apesar de os restantes 26 Estados-Membros a terem apoiado; considerando que, ulteriormente, a Polónia desistiu da sua oposição;
I. Considerando que a Hungria, apesar de ter concordado com a aplicação da diretiva em reuniões anteriores do ECOFIN, invocou o seu veto no ECOFIN de junho de 2022, na sequência da retirada do veto por parte da Polónia;
J. Considerando que as receitas públicas decorrentes da aplicação da Diretiva Pilar 2 na UE seriam particularmente significativas à luz do impacto sem precedentes da combinação da agressão russa na Ucrânia, da perturbação das cadeias de abastecimento mundiais e da necessidade de assegurar a recuperação económica pós-pandemia e os investimentos necessários para alcançar os objetivos de neutralidade climática da UE;
K. Considerando que, nas últimas décadas, foram feitas muitas tentativas para estabelecer uma taxa mínima de imposto sobre o rendimento das sociedades na União;
L. Considerando que o resultado final da Conferência sobre o Futuro da Europa inclui propostas sobre as políticas orçamentais e fiscais, que são apresentadas no relatório, de 9 de maio de 2022, sobre o resultado final desta Conferência;
M. Considerando que a participação do Parlamento Europeu através do processo legislativo ordinário reforçaria a tomada de decisões no domínio da fiscalidade e conduziria a resultados mais eficazes, pertinentes e ambiciosos para a política fiscal da UE;
Considerações gerais
1. Afirma que as regras fiscais internacionais em vigor estão, em grande medida, desatualizadas e são incapazes de dar resposta ao aumento da digitalização da economia e de combater eficazmente a evasão e a elisão fiscais; realça a necessidade urgente de reformar as regras através da adoção do acordo fiscal global da OCDE/G20, a fim de garantir que os sistemas fiscais internacionais, da UE e nacionais estejam adaptados aos novos desafios económicos, sociais e tecnológicos do século XXI;
2. Observa com grande preocupação a fragmentação das taxas nacionais do imposto sobre as sociedades na UE, o que pode ter um efeito de distorção no mercado único e prejudicar a economia da UE; regista, além disso, o declínio contínuo das taxas médias do imposto sobre o rendimento das sociedades na UE ao longo das últimas décadas; reitera a premência de estabelecer uma base tributável ampla e de reduzir o espaço para a evasão fiscal, a fraude fiscal e o planeamento fiscal agressivo, nomeadamente através da aplicação do acordo da OCDE/G20 a nível da UE;
3. Salienta que as regras fiscais em vigor e as disparidades entre as regras fiscais dos Estados-Membros e mais além, juntamente com a falta de cooperação internacional, entre outros aspetos, estão a permitir que as multinacionais procedam a um planeamento fiscal agressivo, o que reduz significativamente as suas taxas de imposto efetivas; recorda que esta situação também coloca as pequenas e médias empresas (PME) numa situação de desvantagem concorrencial significativa, uma vez que estão a pagar taxas de imposto efetivas consideravelmente mais elevadas do que as multinacionais, o que é inaceitável;
4. Destaca a sua posição recentemente adotada sobre a Diretiva Pilar 2, que solicita uma aplicação rápida até janeiro de 2023;
5. Frisa que as exigências formuladas pela Hungria, nomeadamente no que se refere às exclusões de rendimentos com base na substância, já foram amplamente tidas em conta no acordo internacional;
6. Recorda a todos os Estados-Membros, neste contexto, o respetivo compromisso a favor do acordo global da OCDE; sublinha que uma aplicação célere e ampla do acordo será decisiva para o êxito global do processo; insiste na importância de a UE assumir um papel de liderança mundial na luta contra os paraísos fiscais, sendo a primeira região a aplicar o acordo da OCDE; salienta os riscos associados à não aplicação da Diretiva Pilar 2 na UE; realça que a não aplicação da Diretiva Pilar 2 pela UE pode comprometer a aplicação do Pilar 2 pelos EUA e por outras jurisdições;
Processo decisório atual e impacto dos vetos nacionais
7. Recorda aos Estados-Membros que a unanimidade, conforme figura nos Tratados, deve ser contrabalançada por um nível de responsabilidade muito elevado e deve ser conforme com o princípio da cooperação leal a que se refere o artigo 4.º, n.º 3, do TUE;
8. Salienta que a votação por unanimidade no Conselho em matéria de política fiscal não favorece a introdução das mudanças necessárias para fazer face aos desafios atuais; lamenta que a situação atual resulte frequentemente em atrasos e na falta de progressos na harmonização e na coordenação das regras fiscais em toda a União, que seria benéfica para todos;
9. Destaca que os vetos nacionais têm dificultado sistematicamente o progresso em muitos domínios importantes da fiscalidade; deplora o facto de propostas como a matéria coletável comum consolidada do imposto sobre as sociedades (MCCCIS), a revisão da Diretiva Juros e Royalties e a reforma do Código de Conduta no domínio da Fiscalidade das Empresas terem permanecido bloqueadas no Conselho;
10. Condena o facto de os vetos nacionais em matéria fiscal terem sido utilizados de forma abusiva por determinados Estados-Membros para obter concessões noutros domínios políticos; salienta que a existência destes vetos ameaça perpetuar práticas fiscais prejudiciais e injustiça social, que comprometem a capacidade da União para funcionar eficazmente, promover condições de concorrência equitativas e proteger os interesses superiores dos seus cidadãos e das suas PME;
Recomendações de ação e domínios de reforma
11. Reitera o seu apelo ao Conselho no sentido de uma adoção rápida da Diretiva Pilar 2, com vista a assegurar que o acordo se torne efetivo em 2023;
12. Exorta a Hungria a pôr imediatamente termo ao seu bloqueio ao acordo fiscal global no Conselho; deplora o facto de um só Estado-Membro ter a capacidade para bloquear a aplicação deste acordo histórico e para manter num impasse 26 outros Estados‑Membros;
13. Insta a Comissão e o Conselho a não encetarem negociações políticas com Estados‑Membros que abusam dos seus vetos nacionais;
14. Reitera o seu apelo à Comissão e ao Conselho para que insistam na condicionalidade acordada das políticas da UE e na transparência da tomada de decisões e se abstenham de aprovar o plano nacional húngaro de recuperação e resiliência até que a Hungria tenha cumprido plenamente todos os critérios estabelecidos no regulamento, em particular as recomendações específicas por país no domínio do Estado de Direito, da independência do poder judicial e da prevenção, deteção e luta contra a fraude, os conflitos de interesses e a corrupção;
15. Frisa que, no contexto atual, todos os cenários possíveis devem continuar a ser analisados e que devem ser tomadas rapidamente medidas se a Hungria mantiver o seu veto nacional nos próximos meses; exorta a Comissão e o Conselho a explorarem opções alternativas que permitam à UE honrar os compromissos que assumiu a nível da OCDE/G20;
16. Convida a Comissão e os Estados-Membros a refletirem sobre eventuais medidas a curto prazo que permitam à UE cumprir os seus compromissos internacionais, nomeadamente determinando se seria adequado, como último recurso, aplicar o acordo fiscal global através do procedimento de cooperação reforçada previsto no artigo 20.º do TUE; entende que, caso não seja possível chegar a acordo sobre outras alternativas para a aplicação a nível da UE, a aplicação unilateral da Diretiva Pilar 2 por todos os Estados-Membros produziria resultados aceitáveis;
17. Insta a Comissão a recorrer, se for caso disso, ao procedimento aplicável a determinadas políticas fiscais previsto no artigo 116.º do TFUE; recorda, a este respeito, o manifesto de Ursula von der Leyen no quadro da sua candidatura a Presidente da Comissão, que incluía o compromisso de «utilizar as cláusulas dos Tratados que permitem que as propostas em matéria de fiscalidade sejam adotadas por codecisão e decididas por maioria qualificada no Conselho»;
18. Relembra o discurso sobre o estado da União de 2018 do anterior presidente da Comissão Jean-Claude Juncker, que solicitava que as decisões sobre certos assuntos fiscais fossem tomadas por maioria qualificada;
19. Realça que, a longo prazo, os Estados-Membros devem ponderar o valor acrescentado da transição para a votação por maioria qualificada, tal como recomendado pela Conferência sobre o Futuro da Europa; convida a Comissão, neste contexto, a relançar o debate sobre o recurso à votação por maioria qualificada em alguns assuntos fiscais através de uma abordagem faseada, no seguimento da sua comunicação de 2019 sobre a matéria, e em resposta aos resultados da Conferência sobre o Futuro da Europa;
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20. Encarrega a sua Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão e aos governos e parlamentos dos Estados-Membros.
FMI, «Fiscal Policy from Pandemic to War» (Política orçamental da pandemia à guerra), p. 28, https://www.imf.org/en/Publications/FM/Issues/2022/04/12/fiscal-monitor-april-2022