Resolução do Parlamento Europeu, de 15 de setembro de 2022, sobre as violações dos direitos humanos no Uganda e na Tanzânia relacionadas com os investimentos em projetos de combustíveis fósseis (2022/2826(RSP))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta as suas anteriores resoluções sobre o Uganda e a Tanzânia,
– Tendo em conta as Orientações da UE relativas aos Defensores dos Direitos Humanos e as Diretrizes da UE em Matéria de Direitos Humanos relativas à Liberdade de Expressão em Linha e Fora de Linha,
– Tendo em conta a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, da qual o Uganda é signatário, e nomeadamente o seu artigo 9.º,
– Tendo em conta o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos, de 16 de dezembro de 1966, ratificado pelo Uganda em 21 de junho de 1995, e nomeadamente o artigo 9.º, que garante o direito à liberdade face à prisão ou ao internamento arbitrário,
– Tendo em conta a Declaração sobre o Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos ou Órgãos da Sociedade de Promover e Proteger os Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais Universalmente Reconhecidos, também conhecida por Declaração das Nações Unidas sobre os Defensores de Direitos Humanos, aprovada em 9 de dezembro de 1998,
– Tendo em conta o Acordo de Paris, adotado na 21.ª Conferência das Nações Unidas das Partes na Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, em Paris, em 12 de dezembro de 2015, e assinado em 22 de abril de 2016, entre outros, por todos os países da UE, pelo Uganda e pela Tanzânia,
– Tendo em conta a Estratégia Comum África-UE,
– Tendo em conta a resolução aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 28 de julho de 2022, votada por 161 países, incluindo todos os Estados-Membros da UE, que declara o acesso a um ambiente limpo e saudável um direito humano universal,
– Tendo em conta o artigo 144.º, n.º 5, e o artigo 132.º, n.º 4, do seu Regimento,
A. Considerando que o projeto de investimento no lago Albert reúne vários parceiros, sendo a empresa petrolífera multinacional francesa TotalEnergies (Total) o principal investidor, juntamente com a China National Offshore Oil Corporation, a Uganda National Oil Company e a Tanzania Petroleum Development Corporation; considerando que a produção deste projeto será encaminhada para o porto tanzaniano de Tanga através de um oleoduto transfronteiriço, o East African Crude Oil Pipeline (EACOP); considerando que a construção do EACOP foi lançada em 1 de fevereiro de 2022 e este oleoduto deverá estar concluído até 2025; considerando que a Total deu início a dois grandes projetos de exploração petrolífera no Uganda, um dos quais é o projeto Tilenga, que envolverá a extração de petróleo na área natural protegida das quedas de água de Murchison (Murchison Falls);
B. Considerando que se prevê que as fases de construção e de funcionamento causem outros impactos nocivos e graves para as comunidades nas zonas de extração de petróleo e do oleoduto, nomeadamente pondo em risco os recursos hídricos e prejudicando de forma irremediável os meios de subsistência de agricultores, pescadores e empresários do setor do turismo que dependem da riqueza em recursos naturais desta região; considerando que as instalações offshore para o EACOP na costa da Tanzânia serão construídas numa zona de alto risco para maremotos, pondo em perigo as zonas marinhas protegidas; considerando que estes riscos foram assinalados pela Comissão de Avaliação Ambiental dos Países Baixos no seu «exame consultivo da nova avaliação de impacto ambiental e social do EACOP», salientando, em particular, que a técnica proposta para as travessias de água e de zonas húmidas (valas abertas) tem potencial para exercer impactos negativos significativos, em particular nas zonas húmidas;
C. Considerando que os riscos e impactos originados pelos campos petrolíferos e pela instalação das infraestruturas do oleoduto já são considerados imensos e foram exaustivamente documentados em numerosas avaliações de impacto de base comunitária e em estudos de peritos independentes; considerando que se prevê que o projeto ponha em perigo reservas e habitats naturais; considerando que, apesar de os parceiros do projeto terem anunciado os seus benefícios económicos e para o emprego, muitos africanos da África Oriental e organizações da sociedade civil da África Oriental continuam a manifestar uma forte oposição à construção do oleoduto e dos projetos conexos, alegando que o seu impacto nas comunidades locais e no ambiente não vale o risco assumido;
D. Considerando que a maior parte da produção prevista para este projeto petrolífero em grande escala seria obtida e comercializada depois de 2030; considerando que a extração de petróleo no Uganda geraria até 34 milhões de toneladas de emissões de carbono por ano; considerando que, num seu relatório de 2021, a Agência Internacional de Energia (AIE) alertou para o facto de que limitar o aquecimento global a 1,5 °C para evitar os impactos mais destrutivos das alterações climáticas exigiria que as novas explorações de petróleo e gás cessassem imediatamente; considerando que vários peritos ambientais e climáticos assinalaram várias falhas críticas nestas avaliações de impacto ambiental e social, considerando inevitável que «derrames de petróleo venham a ocorrer no EACOP ao longo da vida do projeto»;
E. Considerando que, na sua comunicação de 24 de janeiro de 2022, os quatro Relatores Especiais das Nações Unidas sobre a situação dos defensores dos direitos humanos manifestam a sua preocupação com as detenções, a intimidação e o assédio judicial de defensores dos direitos humanos e de organizações não governamentais (ONG) que trabalham no setor do petróleo e do gás no Uganda; considerando que vários defensores dos direitos humanos, jornalistas e intervenientes da sociedade civil foram alegadamente vítimas de criminalização, intimidação e assédio, incluindo Maxwell Atuhura, um defensor dos direitos ambientais e um responsável de uma ONG no terreno em Buliisa, o Instituto Africano para a Governação Energética (Africa Institute for Energy Governance), que viu a sua casa arrombada e foi arbitrariamente detido; Federica Marsi, uma jornalista italiana, detida arbitrariamente em 25 de maio de 2021; Joss Kaheero Mugisa, o presidente da ONG Oil and Gas Human Rights Defenders Association (uma associação de defensores dos direitos humanos no contexto do petróleo e gás), que passou 56 noites na prisão sem ter sido condenada por um tribunal; Robert Birimuye, líder de um grupo de pessoas afetadas pelo projeto do EACOP no distrito de Kyotera, que foi detido arbitrariamente; Yisito Kayinga Muddu, coordenador da Rede da Fundação para a Transformação da Comunidade (COTFONE – Community Transformation Foundation Network), cuja casa e gabinete foram arrombados no mesmo dia; e Fred Mwesigwa, que testemunhou no processo contra a TotalEnergies em França e foi posteriormente ameaçado de homicídio;
F. Considerando que, desde 2019, a Total tem enfrentado ações judiciais em França devido a alegações de que não pôs em prática um plano de vigilância adequado que abranja os riscos para a saúde, a segurança, o ambiente e os direitos humanos, tal como exigido pela legislação francesa sobre o «dever de vigilância», alegações relacionadas com os projetos Tilenga e EACOP e o seu impacto nos direitos humanos; considerando que, uma vez que os recursos da Total foram rejeitados pelo Tribunal de Cassação francês em dezembro de 2021, o processo deverá ser agora apreciado quanto ao mérito e a decisão ainda está pendente;
G. Considerando que uma missão da delegação da UE e das embaixadas de França, Bélgica, Dinamarca, Noruega e Países Baixos foi impedida de entrar na zona petrolífera em 9 de novembro de 2021;
H. Considerando que quase 118 000 pessoas são afetadas por estes projetos petrolíferos: que algumas viram as suas casas destruídas para facilitar a construção de estradas de acesso ou refinaria, ao passo que outras se viram expropriadas de parte ou da totalidade dos seus terrenos e perderam o direito de utilizar livremente as suas propriedades, e por conseguinte os seus meios de subsistência, sem pagamento prévio de uma compensação justa e adequada; considerando que a compensação paga é com frequência demasiado baixa para permitir que os agricultores que foram expropriados adquiram terras comparáveis para continuarem a exercer a sua atividade agrícola, dificultando-lhes gravemente a obtenção de rendimentos e o seu modo de vida, ou a priori impossibilitando-o definitivamente, de tal forma que as pessoas deslocadas já não conseguem gerar rendimentos suficientes para alimentarem as suas famílias, enviar os seus filhos para a escola ou aceder a cuidados de saúde; considerando que os direitos das comunidades indígenas ao consentimento livre, prévio e informado não estão a ser respeitados em conformidade com as normas internacionais;
1. Manifesta a sua profunda preocupação com as violações dos direitos humanos no Uganda e na Tanzânia relacionadas com investimentos em projetos de combustíveis fósseis, incluindo a detenção indevida de defensores dos direitos humanos, a suspensão arbitrária de ONG, penas de prisão arbitrárias e o despejo de centenas de pessoas das suas terras sem uma compensação justa e adequada; expressa a sua preocupação com as detenções, os atos de intimidação e o assédio judicial de que são alvo defensores dos direitos humanos e ONG que trabalham no setor do petróleo e do gás no Uganda; solicita às autoridades que garantam que os defensores dos direitos humanos, os jornalistas e os grupos da sociedade civil sejam livres de realizar o seu trabalho em comunidades em risco e apela à libertação imediata de todos os defensores dos direitos humanos detidos arbitrariamente;
2. Exorta os governos do Uganda e da Tanzânia a tomarem medidas concretas para garantir que as autoridades, as forças de segurança e as políticas respeitem e cumpram as normas em matéria de direitos humanos; insiste, designadamente, para que a UE e outros intervenientes internacionais mantenham e reforcem a sua abordagem integrada e coordenada em relação ao Uganda, o que inclui a promoção da boa governação, da democracia e dos direitos humanos, bem como o reforço do sistema judicial e do Estado de direito, e exorta a UE e os seus Estados-Membros a manifestarem estas preocupações através dos canais públicos e diplomáticos; exorta o Governo do Uganda a voltar a autorizar as 54 ONG que foram arbitrariamente encerradas ou suspensas e a permitir às pessoas que foram deslocadas sem receberem uma compensação justa e adequada o acesso às suas terras;
3. Recorda que mais de 100 000 pessoas correm um risco iminente de deslocação na sequência do projeto EACOP sem garantias adequadas de devida compensação; exorta as pessoas que foram expulsas ou a quem foi negado o acesso às suas terras a serem indemnizadas de forma rápida, justa e adequada, tal como previsto na Constituição do Uganda e prometido pelas empresas; solicita às autoridades que tomem novas medidas para compensar adequadamente as pessoas por bens e terras perdidos, proteger os direitos das comunidades locais à saúde, ao seu ambiente, aos seus meios de subsistência e às liberdades cívicas, e compensar as pessoas afetadas por operações petrolíferas nas últimas décadas; exorta ambos os governos a atualizarem as suas legislações nacionais em matéria de aquisição, avaliação e reinstalação, a fim de assegurar o seu alinhamento com as normas regionais e internacionais, incluindo o direito ao consentimento livre, prévio e informado;
4. Reitera o seu apelo às autoridades ugandesas para que permitam um acesso livre, significativo e sem entraves à zona de atividade petrolífera por parte de organizações da sociedade civil, jornalistas independentes, observadores internacionais e investigadores;
5. Reitera o seu apelo a uma diretiva sólida e ambiciosa relativa ao obrigatório dever de diligência das empresas e a um ambicioso instrumento internacional juridicamente vinculativo para fazer face às obrigações em matéria de direitos humanos, ambiente e clima, tal como referido na sua resolução de 10 de março de 2021, que contém recomendações à Comissão sobre o dever de diligência das empresas e a responsabilidade empresarial(1);
6. Exorta a UE e a comunidade internacional a exercerem a máxima pressão sobre as autoridades ugandesas e tanzanianas, bem como sobre os promotores de projetos e as partes interessadas, para protegerem o ambiente e porem termo às atividades extrativas em ecossistemas protegidos e sensíveis, incluindo as margens do lago Albert, e a comprometerem-se a utilizar os melhores meios disponíveis para preservar a cultura, a saúde e o futuro das comunidades afetadas, bem como a explorar alternativas em consonância com os compromissos internacionais em matéria de clima e biodiversidade; exorta os promotores do projeto EACOP no Uganda e na Tanzânia a resolverem todos os litígios que deveriam ter sido resolvidos antes do lançamento do projeto e a terem em conta todos os riscos acima referidos que ameaçam este projeto; insta a TotalEnergies a aguardar um ano antes de lançar o projeto para estudar a viabilidade de uma via alternativa para proteger melhor os ecossistemas protegidos e sensíveis e os recursos hídricos do Uganda e da Tanzânia, limitando a vulnerabilidade das bacias hidrográficas na região africana dos Grandes Lagos, que são um recurso essencial para a região, e a explorar projetos alternativos baseados em energias renováveis para um melhor desenvolvimento económico;
7. Manifesta a sua preocupação com a crescente influência económica da China e da Rússia, em particular no setor da energia; assinala, a este respeito, a sua preocupação com o interesse das autoridades do Uganda em construírem uma central nuclear com assistência russa; recorda que o mundo democrático impôs medidas restritivas direcionadas às empresas e entidades russas, incluindo as do setor da energia, em resposta à agressão russa contra a Ucrânia;
8. Encarrega a sua Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho, à Comissão, ao Vice-Presidente da Comissão/Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, ao Representante Especial da União Europeia para os Direitos Humanos, ao Presidente da República do Uganda, ao Presidente da República da Tanzânia e aos presidentes dos parlamentos do Uganda e da Tanzânia.