Resolução do Parlamento Europeu, de 14 de setembro de 2023, sobre o parlamentarismo, a cidadania europeia e a democracia (2023/2017(INI))
O Parlamento Europeu,
– Tendo em conta os artigos 9.º, 10.º, 11.º, 15.º e o artigo 17.º, n.º 2, do Tratado da União Europeia (TUE) e os artigos 15.º, 20.º e 24.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE),
– Tendo em conta o Acordo Interinstitucional entre o Parlamento Europeu, o Conselho da União Europeia e a Comissão Europeia, de 13 de abril de 2016, sobre legislar melhor(1) (Acordo Interinstitucional sobre Legislar Melhor),
– Tendo em conta a sua posição. de 14 de fevereiro de 2023. sobre a proposta de diretiva do Conselho que estabelece um sistema de exercício do direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu dos cidadãos da União residentes num Estado‑Membro de que não tenham a nacionalidade(2),
– Tendo em conta a sua posição, de 14 de fevereiro de 2023, sobre a proposta de diretiva do Conselho que estabelece as regras de exercício do direito de voto e de elegibilidade nas eleições autárquicas dos cidadãos da União residentes num Estado‑Membro de que não tenham a nacionalidade(3),
– Tendo em conta a sua Resolução, de 9 de junho de 2022, sobre o direito de iniciativa do Parlamento(4),
– Tendo em conta a sua posição, de 3 de maio de 2022, sobre a proposta de regulamento do Conselho relativo à eleição dos deputados ao Parlamento Europeu por sufrágio universal direto, que revoga a Decisão (76/787/CECA, CEE, Euratom) do Conselho e o Ato relativo à eleição dos deputados ao Parlamento Europeu por sufrágio universal direto anexo a essa decisão(5),
– Tendo em conta a sua Resolução, de 12 de fevereiro de 2019, sobre a aplicação das disposições do Tratado relativas à cidadania da União(6), e a sua Resolução, de 9 de março de 2022, que contém recomendações à Comissão sobre regimes de concessão de cidadania e residência aos investidores(7),
– Tendo em conta a sua Resolução, de 16 de fevereiro de 2017, sobre possíveis desenvolvimentos e ajustamentos do atual quadro institucional da União Europeia(8),
– Tendo em conta a sua Resolução, de 16 de fevereiro de 2017, sobre a melhoria do funcionamento da União Europeia com base no potencial do Tratado de Lisboa(9),
– Tendo em conta a sua Resolução, de 4 de maio de 2022, sobre o seguimento das conclusões da Conferência sobre o Futuro da Europa(10),
– Tendo em conta a sua Resolução, de 6 de abril de 2022, sobre a aplicação de medidas de educação para a cidadania(11),
– Tendo em conta a sua Resolução, de 12 de abril de 2016, relativa a aprender sobre a UE na escola(12),
– Tendo em conta a sua posição, de 16 de abril de 2014, sobre a proposta de regulamento do Parlamento Europeu relativa às formas de exercício do direito de inquérito do Parlamento Europeu que substitui a Decisão 95/167/CE, Euratom, CECA do Parlamento Europeu, do Conselho e da Comissão(13),
– Tendo em conta as conclusões da Presidência no seguimento da Conferência dos Presidentes dos Parlamentos da União Europeia, realizada em Praga, em 24 e 25 de abril de 20231(14),
– Tendo em conta as conclusões da LXIX reunião plenária da Conferência dos Órgãos Especializados em Assuntos da União, realizada em Estocolmo de 14 a 16 de maio de 2023(15),
– Tendo em conta a Declaração de Leão sobre o parlamentarismo, adotada na Conferência para Comemorar o Dia Internacional do Parlamentarismo – Reforçar os Parlamentos para Melhorar a Democracia, realizada em Leão, de 30 de junho a 1 de julho de 2023(16),
– Tendo em conta o relatório sobre os resultados finais da Conferência sobre o Futuro da Europa(17),
– Tendo em conta a proposta de um Manifesto para uma Europa Federal: Soberana, Social e Ecológica adotado pelo Grupo Spinelli em 29 de agosto de 2022(18),
– Tendo em conta o artigo 54.º do seu Regimento,
– Tendo em conta o relatório da Comissão dos Assuntos Constitucionais (A9‑0249/2023),
A. Considerando que a UE e os seus parlamentos se veem confrontados com desafios comuns, complexos e sem precedentes resultantes, por um lado, de fatores externos como a guerra de agressão da Rússia contra a Ucrânia, a pandemia de COVID‑19, as crises climática e energética, a desinformação, a ingerência estrangeira e a digitalização e, por outro lado, de fatores internos, tais como a emergência de posições extremistas e de intervenientes políticos que escolhem a polarização, o populismo, o nacionalismo, a culpabilização e o confronto, em detrimento da procura de soluções comuns; considerando que, neste contexto, a confiança dos cidadãos na política e nos responsáveis políticos está a ser comprometida;
B. Considerando que uma definição e compreensão comuns da democracia parlamentar liberal, bem como a vontade política de a tornar mais resiliente, são urgentemente necessárias para assegurar o funcionamento da separação de poderes e incentivar os cidadãos a exercerem o seu direito de voto em todas as eleições;
C. Considerando que a democracia europeia pode ganhar mais legitimidade através de processos de mudança e da adaptação às circunstâncias atuais; considerando que a Europa necessita urgentemente de manter, reforçar e desenvolver a democracia parlamentar liberal, incluindo o parlamentarismo, a cidadania europeia e os elementos de participação da democracia europeia, recorrendo a todos os instrumentos disponíveis no âmbito dos Tratados; considerando que é necessária uma reforma das bases democráticas da União, mesmo quando implique uma alteração dos Tratados;
D. Considerando que não deve haver tomada de decisões sem legitimidade democrática através de aprovação parlamentar; considerando que o Parlamento Europeu, apesar de ser a única instituição da UE eleita por sufrágio direto e, por conseguinte, estar no cerne da democracia liberal europeia, ainda não dispõe de um direito de iniciativa direto geral, o que reforçaria a sua capacidade de representar a voz dos cidadãos e refletir as preocupações manifestadas pela sociedade civil e pelos parceiros sociais;
E. Considerando que o artigo 15.º do TUE determina que o Conselho Europeu não deve exercer funções legislativas nem executivas; considerando que certos aspetos do sistema de presidência rotativa do Conselho, bem como o papel do Conselho dos Assuntos Gerais, comprometem a eficácia do seu funcionamento e necessitam de ser reformados com vista a melhorar o processo legislativo no âmbito de um sistema bicameral;
F. Considerando que é necessário corrigir os desequilíbrios institucionais que surgiram ao longo do tempo e aumentar a responsabilização do executivo para com a legislatura, em particular através da concessão de poderes de controlo ao Parlamento sobre o Conselho Europeu, bem como aumentar a responsabilização política da Comissão perante o Parlamento; considerando que a relação entre o Parlamento e o Conselho, muitas vezes descrita como um sistema legislativo bicameral, nem sempre representa a prática real nem foi institucionalizada;
G. Considerando que a persistência da votação por unanimidade no Conselho se tornou um obstáculo efetivo ao avanço da agenda europeia e ao desenvolvimento e reforma da democracia europeia, uma vez que permite que um governo de um Estado‑Membro bloqueie o processo de tomada de decisões da UE, muitas vezes em detrimento do interesse europeu;
H. Considerando que é importante que as instituições da UE tenham mais em conta o papel desempenhado pelo Comité das Regiões (CR) e pelo Comité Económico e Social Europeu (CESE) no quadro legislativo, enquanto representantes dos órgãos de poder local e regional e da sociedade civil organizada;
I. Considerando que as conclusões da Presidência da Conferência dos Presidentes dos Parlamentos da União Europeia (CPPUE), realizada em Praga em 24 e 25 de abril de 2023, saudaram a iniciativa do Parlamento Europeu, no âmbito da Conferência dos Órgãos Especializados em Assuntos da União (COSAC), de fazer avançar conjuntamente o papel dos parlamentos numa democracia funcional e de refletir sobre possíveis formas de reforçar o parlamentarismo moderno, com vista a contribuir para os resultados nesta matéria na próxima CPPUE, que se realizará em Madrid(19); considerando que a LXIX COSAC, realizada em Estocolmo de 14 a 16 de maio de 2023, tomou nota das presentes conclusões da CPPUE, em particular do convite que lhe foi dirigido para propor um intercâmbio de boas práticas e refletir sobre possíveis formas de reforçar o parlamentarismo moderno(20);
J. Considerando que a Conferência para Comemorar o Dia Internacional do Parlamentarismo, realizada em Leão, em 30 de junho e 1 de julho de 2023, adotou a «Declaração de Leão» sobre o parlamentarismo; considerando que esta declaração apoia a iniciativa do Parlamento Europeu que visa elaborar uma carta sobre o papel do parlamentarismo numa democracia efetiva; considerando que a adoção final desta carta deverá ter lugar na CPPUE, em Madrid, de 21 a 23 de abril de 2024(21);
K. Considerando que as conclusões da Conferência sobre o Futuro da Europa reivindicam o fortalecimento da democracia europeia, a melhoria do processo decisório da UE, a fim de assegurar a sua capacidade de ação, e o reforço e o complemento da democracia representativa através do aumento da participação dos cidadãos, do seu acesso à informação e do envolvimento dos jovens; considerando que as conclusões da Conferência sobre o Futuro da Europa defendem igualmente o reforço da cidadania europeia, por exemplo, através da criação de um estatuto de cidadania europeia que estabeleça direitos e liberdades específicos;
L. Considerando que a Conferência sobre o Futuro da Europa e outros atuais projetos de sucesso centrados na participação dos cidadãos demonstraram que estes gostariam de ser regularmente incluídos na vida democrática da União; considerando que a Conferência proporcionou uma valiosa experiência de diálogo em grande escala com os cidadãos, da qual há que retirar ensinamentos;
M. Considerando que a cidadania da UE, e os seus direitos conexos introduzidos pelo Tratado de Maastricht e reforçados pelo Tratado de Lisboa, foi só parcialmente aplicada; considerando que é frequente muitos cidadãos europeus não estarem plenamente conscientes dos seus direitos decorrentes da cidadania da União;
N. Considerando que a cidadania da UE é atualmente concedida juntamente com a cidadania de um Estado‑Membro, com uma supervisão limitada por parte da UE;
O. Considerando que vários Estados‑Membros continuam a oferecer os chamados «programas de vistos dourados» e regimes de investimento como forma de obter a nacionalidade dos seus países e, consequentemente, a cidadania da UE;
P. Considerando que, apesar das disposições da Diretiva 93/109/CE do Conselho(22) e da Diretiva 94/80/CE do Conselho(23)relativas, respetivamente, à participação de cidadãos da União que residam num Estado‑Membro de que não tenham a nacionalidade nas eleições para o Parlamento Europeu e nas eleições autárquicas no seu país de residência, estes cidadãos continuam a enfrentar muitos obstáculos no exercício dos seus direitos eleitorais nas eleições para o Parlamento Europeu;
Q. Considerando que, nos termos do disposto no artigo 10.º, n.º 3, do TUE, os cidadãos têm o direito de participar na vida democrática da União e as decisões são tomadas de forma tão aberta e tão próxima dos cidadãos quanto possível; considerando que a democracia participativa é considerada uma forma de melhorar a consciência política e o diálogo com todos os cidadãos da União;
R. Considerando que continua a haver falta de conhecimento em relação aos instrumentos de participação existentes, como a Iniciativa de Cidadania Europeia, as petições ao Parlamento Europeu, as reclamações ao Provedor de Justiça Europeu, as consultas públicas e os diálogos com os cidadãos; considerando que a democracia participativa na UE é afetada por uma elevada fragmentação de instrumentos de participação e pela falta de seguimento, o que limita o seu êxito e os impede de constituir uma infraestrutura participativa abrangente e eficiente;
S. Considerando que as medidas destinadas a reforçar a participação dos cidadãos e a democracia devem dar resposta ao fosso digital na UE e às dificuldades que este cria para que essa participação seja eficaz;
T. Considerando que os novos painéis de cidadãos propostos pela Comissão no seguimento da Conferência sobre o Futuro da Europa têm um âmbito limitado e não satisfazem as expectativas dos cidadãos expressas na Conferência;
U. Considerando que o referendo enquanto instrumento de democracia direta não está atualmente disponível ao nível da UE; considerando que o Parlamento Europeu tem solicitado repetidamente avaliações sobre a utilização de referendos à escala da UE em questões fundamentais que trariam mudanças de paradigma nas ações e políticas da UE, como a reforma dos Tratados;
V. Considerando que está a ocorrer uma revolução nos hábitos de consumo dos meios de comunicação social, especialmente entre os jovens, o que pode afetar negativamente o acesso a informações baseadas em factos e bem pesquisadas, aumentando simultaneamente a disponibilidade de conteúdos polarizados e de baixa qualidade, o que pode conduzir à fragmentação das sociedades e ao enfraquecimento das democracias; considerando que o acesso a serviços de comunicação social independentes, pluralistas e de qualidade é fundamental para o bom funcionamento da democracia;
Parlamentarismo
1. Reconhece que, no contexto atual de desafios comuns e sem precedentes, a democracia parlamentar liberal está sob pressão e é urgente que seja sustentada, reforçada e desenvolvida; salienta o papel fundamental dos parlamentos no centro da democracia europeia enquanto câmaras diretamente eleitas dos cidadãos, legisladores e instância de controlo do executivo; reconhece que a democracia liberal só pode ser bem‑sucedida com um parlamentarismo ambicioso e funcional; sublinha a necessidade de um entendimento comum, de princípios fundamentais e de uma definição de democracia parlamentar liberal; saúda, neste contexto, a iniciativa do Parlamento Europeu de desenvolver, em conjunto com os parlamentos da UE, uma carta intitulada «Charter on the role of Parliaments in a functioning liberal democracy» [Carta sobre o papel dos parlamentos numa democracia liberal funcional];
2. Considera que a atual tendência na UE de evoluir de uma democracia «parlamentar» para uma democracia «governamental» enfraquece todos os parlamentos no processo de decisão; regista com pesar o crescente desequilíbrio de poder, que pende para o Conselho e para o Conselho Europeu, o que põe em causa a arquitetura institucional da UE, tal como estabelecida pelos Tratados; considera, neste contexto, que o equilíbrio deve ser restabelecido a favor da legitimidade democrática através da concessão ao Parlamento de direitos equivalentes; considera que a prática do Conselho Europeu de «encarregar o Conselho e a Comissão» vai além do papel de orientação estratégica que lhe é atribuído pelos Tratados, sendo, por conseguinte, contrária ao espírito e à letra dos mesmos; julga necessário respeitar a repartição de competências e o princípio de subsidiariedade tal como definidos nos Tratados;
3. Está firmemente convicto de que, numa democracia, os parlamentos devem fazer parte de todos os processos de decisão; frisa que o Parlamento Europeu, enquanto única instituição da UE diretamente eleita, deveria beneficiar de um direito geral direto de iniciativa legislativa, do direito de inquérito e de plena autoridade sobre o orçamento e de, enquanto câmara representativa dos cidadãos da UE, poder ser a força motriz das prioridades estratégicas do programa legislativo da União; solicita, neste contexto, uma alteração dos artigos 225.º e 226.º do TFUE;
4. Reitera a sua proposta de que o Conselho seja transformado numa verdadeira câmara legislativa, reduzindo o número das suas formações por meio de uma decisão do Conselho Europeu, criando, assim, um sistema legislativo verdadeiramente bicameral, que envolva o Parlamento e o Conselho europeus, com a Comissão no papel executivo; considera que o sistema de presidência rotativa do Conselho da União Europeia deve ser reformado com vista a aumentar a eficiência do processo legislativo no âmbito de um sistema bicameral; sugere que o Conselho dos Assuntos Gerais passe a ser a reunião pública do Conselho legislativo, à semelhança da sessão plenária do Parlamento Europeu, e que todas as outras formações do Conselho sejam estruturas preparatórias transparentes, com reuniões públicas regulares, funcionando de forma semelhante às comissões no Parlamento;
5. Reitera os seus apelos de longa data para que o Conselho passe, a curto prazo, da votação por unanimidade para a votação por maioria qualificada sempre que tal seja possível ao abrigo dos Tratados, aplicando, por exemplo, as diversas cláusulas‑ponte nos Tratados e, de forma permanente, através de alterações aos Tratados, a fim de ultrapassar bloqueios legislativos, para melhorar a capacidade de ação da UE e tornar o processo decisório da UE mais eficiente, eficaz e democrático;
6. Considera necessário que o Parlamento reforce as suas funções de controlo político sobre a Comissão, incluindo a introdução da possibilidade de desencadear moções de censura aos comissários a título individual;
7. Destaca que os processos legislativos especiais em que o direito de iniciativa legislativa é conferido ao Parlamento pelos Tratados devem incluir intercâmbios mútuos sobre o estabelecimento de um calendário legislativo para as iniciativas em causa, a fim de assegurar o respeito do princípio da cooperação leal entre as três instituições; espera, neste contexto, que seja dado um novo impulso às conversações interinstitucionais entre o Parlamento e o Conselho sobre a tão necessária reforma da lei eleitoral europeia, assim como sobre o direito de inquérito do Parlamento Europeu;
8. Exorta o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão a continuarem a melhorar as modalidades de cooperação com o CR e o CESE, inclusive durante a fase pré‑legislativa, a fim de garantir que os seus pareceres e avaliações possam ser tidos em conta ao longo de todo o processo legislativo; propõe, em particular, o reforço dos intercâmbios informais, tanto a nível das comissões como dos grupos políticos, entre os intervenientes relevantes das três instituições, e que os relatores do CR e do CESE sejam convidados a participar no contexto da apreciação dos projetos de relatório nas reuniões de informação das comissões parlamentares e das comissões sobre negociações interinstitucionais, sempre que adequado;
9. Salienta o papel fundamental dos parlamentos no centro da democracia e a necessidade de respeitar uma divisão clara de competências entre os diferentes níveis da democracia liberal europeia, isto é, aos níveis local, regional, nacional e europeu, respeitando o princípio da subsidiariedade consagrado no artigo 5.º do TUE, a fim de assegurar a legitimidade democrática e um processo decisório eficiente, e de reforçar a confiança e a cooperação entre os parlamentos a diferentes níveis; destaca, a este respeito, que os parlamentos nacionais estão em melhor posição para mandatar e controlar as ações dos respetivos governos nos assuntos europeus, enquanto o Parlamento Europeu assegura a responsabilização democrática do executivo europeu, o que também garante a sua legitimidade; sublinha a necessidade de manter um diálogo político e um intercâmbio regulares entre os parlamentos, o que contribuirá para a consciencialização e compreensão do trabalho e das decisões parlamentares, nomeadamente no âmbito da CPPUE e da COSAC;
10. Recorda a necessidade de melhorar a aplicação dos princípios da subsidiariedade e da proporcionalidade no trabalho das instituições da UE, em particular através da cooperação com os parlamentos nacionais, em linha com as prerrogativas já consagradas nos Tratados em vigor, e de assegurar um papel mais destacado aos representantes a nível nacional e local no processo, a fim de alcançar a «subsidiariedade ativa», com o objetivo de promover uma maior apropriação das políticas da UE; sugere, além disso, que a «subsidiariedade ativa» seja reforçada através de um processo que confira aos parlamentos nacionais o direito de apresentarem propostas ao Parlamento Europeu; apoia, neste contexto, o programa «Construir a Europa com os Eleitos Locais», que cria uma rede europeia de políticos eleitos a nível local, destinada a comunicar sobre a União Europeia;
11. Sublinha que um parlamento presente pressupõe uma democracia parlamentar dinâmica; salienta que a digitalização e a pandemia contribuíram para a transformação digital dos parlamentos e permitiram que os deputados que, de outro modo teriam sido excluídos, participassem na vida parlamentar; destaca que os processos digitalizados não devem substituir a votação, os debates e as negociações presenciais, exceto em casos específicos; salienta que uma maior utilização das possibilidades digitais tem potencial para contribuir para um melhor entendimento político entre os parlamentos a nível nacional, regional e europeu, para reforçar a comunicação, a partilha de informação e a sensibilização, reduzir as emissões dos transportes e das viagens e aumentar o contacto com os cidadãos;
12. Manifesta profunda preocupação com a evolução rápida e em grande escala das campanhas de desinformação direcionadas e com a utilização abusiva da inteligência artificial generativa com o objetivo de impedir os cidadãos de fazerem escolhas informadas e, em última análise, comprometer os processos democráticos na União; insta os parlamentos nacionais dos Estados‑Membros a manterem contactos regulares sobre a proteção das suas democracias contra a ingerência estrangeira e a manipulação da informação com o Parlamento Europeu no âmbito da cooperação interparlamentar da COSAC; defende uma estratégia coordenada da UE para fazer face às ameaças à independência dos meios de comunicação social e a criação de um fundo substancial e permanente da UE de apoio aos meios de comunicação social editoriais e noticiosos;
13. Salienta a necessidade de reforçar a confiança do eleitorado nos processos eleitorais, assegurando que todas as eleições sejam livres e justas; apela, neste contexto, à Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa para que organize missões de observação eleitoral durante as eleições para o Parlamento Europeu em junho de 2024; incentiva uma vez mais os Estados‑Membros a utilizarem esta possibilidade;
Cidadania europeia
14. Defende a criação de um Estatuto de Cidadania da UE, que clarifique e consolide os direitos e liberdades específicos de cidadania que ligam os cidadãos da União; insta o Conselho e a Comissão a tomarem medidas concretas para expandir os direitos e liberdades específicos dos cidadãos, em conformidade com o procedimento previsto no artigo 25.º do TFUE; frisa que o Estatuto tornará os princípios e valores da União mais tangíveis, proporcionando simultaneamente aos cidadãos novos meios para os salvaguardar e defender;
15. Realça que a eficácia do diálogo com os cidadãos e a participação ativa destes estão fortemente relacionadas com a dimensão europeia da educação para a cidadania; salienta, por conseguinte, a necessidade de reforçar a dimensão europeia da educação para a cidadania, nas atividades curriculares e extracurriculares, a fim de garantir que os cidadãos sejam ativos e se mantenham informados, para que possam participar plenamente na vida cívica e social, a nível europeu e dos Estados‑Membros, bem como na vida democrática da União; insta a Comissão a desenvolver uma estratégia europeia abrangente para reforçar as competências de cidadania na UE e desenvolver medidas de apoio destinadas a proporcionar um acesso equitativo à educação para a cidadania; sublinha o importante papel que a sociedade civil, as universidades e outras organizações de investigação devem desempenhar nessa estratégia;
16. Exorta a Comissão e os Estados‑Membros a informarem adequadamente os cidadãos não nacionais da União (ou seja, os cidadãos da União que residem num Estado‑Membro de que não têm a nacionalidade) sobre o seu direito de voto ou de candidatura no âmbito das eleições autárquicas e europeias; destaca que deveria ser considerada a hipótese de alargar esse direito de voto e de elegibilidade dos cidadãos «móveis» da UE às eleições regionais e nacionais nos Estados‑Membros; assinala que o Conselho e a Comissão podem introduzir estes direitos através do procedimento previsto no artigo 25.º do TFUE, devendo, a longo prazo, ser consagrados no artigo 22.º do TFUE através da alteração do Tratado; salienta a necessidade de realizar campanhas de sensibilização relativamente a estes direitos, com a participação da sociedade civil; frisa que todos os obstáculos administrativos e a discriminação ainda existentes devem ser eliminados, para assegurar a igualdade de oportunidades a todos os cidadãos móveis da União, especialmente os grupos vulneráveis e marginalizados;
17. Renova o seu apelo à introdução de uma idade harmonizada para o direito de voto e de elegibilidade em todos os Estados‑Membros, a fim de evitar a discriminação; recomenda a introdução de uma idade mínima de voto de 16 anos, sem prejuízo de ordenamentos constitucionais em vigor, a fim de refletir os atuais direitos e deveres que os jovens europeus já têm em alguns Estados‑Membros;
18. Recorda que o Parlamento Europeu tem reiteradamente manifestado a sua preocupação com o facto de que qualquer regime nacional que envolva a venda direta ou indireta da cidadania da União Europeia compromete o próprio conceito de cidadania europeia; insta os Estados‑Membros em causa a porem fim a tais práticas;
19. Manifesta profunda preocupação com a prática de alguns Estados‑Membros de privarem os seus cidadãos do direito de voto nas eleições legislativas nacionais quando estes vivem noutro país; recomenda vivamente estes Estados‑Membros a porem termo a esta forma de privação do direito de voto;
Complementar a democracia representativa através da melhoria da participação dos cidadãos
20. Reitera que, em conformidade com o texto fundador da Conferência sobre o Futuro da Europa, o Parlamento Europeu, o Conselho e a Comissão se comprometeram a dar um seguimento efetivo às conclusões da Conferência, cada um no âmbito das suas competências e em conformidade com os Tratados; exorta a uma aplicação célere e coerente dos resultados da Conferência sobre o Futuro da Europa, englobando 49 propostas e 326 medidas concretas apresentadas pelos painéis de cidadãos europeus da Conferência; pede novamente a convocação de uma convenção para a revisão dos Tratados;
21. Considera que uma das formas de responder às expectativas dos cidadãos europeus relativamente a uma participação mais regular e significativa na vida democrática da União(24) consiste na melhoria e no desenvolvimento de mecanismos de participação na UE;
22. Frisa a necessidade de melhorar e desenvolver uma infraestrutura de participação abrangente na UE, com uma melhor ligação e integração dos instrumentos de participação existentes e melhores vias de participação permanente; sublinha a necessidade de abordar a fragmentação da infraestrutura de participação da UE através da criação de um balcão único para todos os instrumentos de participação europeus, com um quadro institucional criado para administrar a plataforma central e as suas relações com os cidadãos;
23. Sublinha que os mecanismos e instrumentos de democracia direta ou participativa podem complementar, mas não substituir, a democracia parlamentar liberal representativa num mundo cada vez mais complexo, em que é necessário encontrar compromissos viáveis e democráticos; observa que os mecanismos de democracia direta ou participativa podem ser instrumentos úteis, se estiverem reunidos determinados requisitos; sugere, em particular, que a eficiência dos instrumentos de participação europeus existentes seja reforçada através de um seguimento obrigatório e significativo;
24. Recorda que apenas será possível melhorar e aumentar a participação abordando o problema da discriminação, em particular no que refere ao fosso digital e às dificuldades que este cria à vida democrática na União; reitera que as aplicações digitais utilizadas para promover a participação dos cidadãos devem ser simples e intuitivas;
25. Propõe a institucionalização de processos de participação deliberativa representativa, com base no modelo dos painéis de cidadãos europeus da Conferência sobre o Futuro da Europa; considera que «minicírculos» com participantes selecionados aleatoriamente que representem subgrupos da estrutura socioeconómica da União e, assim, todas as camadas da sociedade, precisam de ser organizados de forma a contribuir para a prevenção da desigualdade de acesso à participação na vida democrática da UE, oferecendo aos cidadãos que, de outro modo, não teriam essa possibilidade, um meio de transmitir o seu ponto de vista;
26. Considera que é importante fortalecer a cidadania ativa e a participação efetiva dos cidadãos ao nível da UE através da aquisição de conhecimentos específicos sobre a UE e a dimensão europeia dos temas em debate; sublinha a necessidade de abordar a falta de familiaridade com as políticas e a tomada de decisões da UE por parte do público em geral, através do reforço da educação sobre a UE nas escolas; solicita, em particular, uma formação específica e um processo deliberativo sustentado, que permita que os cidadãos que participam nos painéis de cidadãos recebam as informações necessárias, complementadas pelo apoio de peritos, se necessário, a fim de poderem participar em debates abertos que possam resultar em recomendações e conclusões;
27. Propõe, em particular, a criação de um mecanismo de participação estruturada, em conformidade com o acervo da UE, denominado Ágora Europeia, que deverá funcionar anualmente, deliberando sobre as prioridades da UE para o ano seguinte, com os resultados das deliberações a serem apresentados em 9 de maio de 2023 como contributo para o processo de consulta sobre o programa de trabalho anual da Comissão; observa que esses resultados devem também incluir uma proposta para o tema específico do Ano Europeu do ciclo anual seguinte; propõe que os representantes do Parlamento Europeu sejam regularmente informados sobre a evolução dessas deliberações, a fim de as ter em conta no seu trabalho parlamentar;
28. Destaca que, ao longo do ano, os cidadãos da Ágora Europeia debaterão sobre o conteúdo relacionado com o tema específico do Ano Europeu, sendo as suas propostas e conclusões apresentadas no final do ano; considera que devem ser estabelecidas diferentes opções para o seguimento a dar pelo Parlamento, tendo em conta a dimensão das maiorias que apoiam estas conclusões no painel, e que esse seguimento poderia incluir debates, audições, perguntas parlamentares ou relatórios;
29. Sugere que um grupo de jovens da Ágora Europeia constitua uma «Assembleia Europeia da Juventude», que poderá monitorizar a aplicação de uma «Verificação Jovem» ao longo de todo o processo legislativo da UE, como solicitado na Conferência sobre o Futuro da Europa; propõe que o Parlamento Europeu estabeleça contactos com o Comité das Regiões e o Comité Económico e Social Europeu com vista à criação de um mecanismo que reúna representantes, tais como jovens políticos eleitos a nível local, representantes da sociedade civil jovem e parceiros sociais, que cooperarão estreitamente com a Assembleia Europeia da Juventude para aplicar a «Verificação Jovem»; salienta, a este respeito, a necessidade de envolver os jovens, em particular, num debate político sobre o futuro da Europa, uma vez que serão as decisões de hoje a determinar o seu futuro;
30. Reitera o seu apelo de longa data para que seja avaliada a possibilidade de alterar os Tratados da UE, a fim de permitir a realização de referendos à escala da União sobre questões fundamentais que espoletem mudanças de paradigma nas ações e políticas da União Europeia, como uma reforma dos Tratados da UE; sublinha, neste contexto, que o resultado do referendo só deve ser adotado se houver uma dupla maioria a favor, que represente a maioria dos Estados‑Membros e a maioria dos eleitores que votam; propõe a organização de um tal referendo à escala da UE no decurso das eleições para o Parlamento Europeu, disponibilizando um boletim de voto suplementar que atenda à questão constitucional fundamental em causa; salienta que qualquer referendo europeu deve preferencialmente ser organizado no mesmo dia em toda a União;
31. Propõe que o Parlamento Europeu comece a organizar consultas de cidadãos em linha em toda a UE; considera que dar a todos os cidadãos a oportunidade de exprimir os seus pontos de vista sobre os assuntos europeus da atualidade aumentará a sua confiança no processo decisório europeu e a compreensão do mesmo; considera que este novo mecanismo participativo reforça o papel do PE em relação às outras instituições;
32. Regista o potencial do exercício da cidadania europeia através de ferramentas em linha, como consultas e recolha de assinaturas para iniciativas de cidadania europeia; realça que a identificação eletrónica poderá facilitar a utilização dessas ferramentas a nível europeu, bem como proporcionar uma variedade de opções para aceder a serviços públicos; insta os Estados‑Membros a introduzirem ferramentas de democracia digital, ao nível local e nacional, e a integrá‑las devidamente no processo político;
33. Solicita que o Programa Europa Digital (DIGITAL) e outros que visam promover a transformação digital na UE incluam entre os seus objetivos a simplificação do acesso às administrações através dos vários serviços ou da utilização de aplicações de participação dos cidadãos; apela à criação de linhas de investigação e de investimento destinadas a facilitar esse acesso, a fim de minimizar o fosso digital e maximizar a qualidade social e democrática;
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34. Encarrega a sua Presidente de transmitir a presente resolução ao Conselho Europeu, ao Conselho da União Europeia, à Comissão, à Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia e ao Conselho da Europa.
Diretiva 93/109/CE do Conselho, de 6 de dezembro de 1993, que estabelece o sistema de exercício de direito de voto e de elegibilidade nas eleições para o Parlamento Europeu dos cidadãos da União residentes num Estado‑Membro de que não tenham a nacionalidade (JO L 329 de 30.12.1993, p. 34).
Diretiva 94/80/CE do Conselho, de 19 de dezembro de 1994, que estabelece as regras de exercício do direito de voto e de elegibilidade nas eleições autárquicas dos cidadãos da União residentes num Estado‑Membro de que não tenham a nacionalidade (JO L 368 de 31.12.1994, p. 38):