Propriedade intelectual, industrial e comercial
A propriedade intelectual designa o conjunto dos direitos exclusivos relacionados com criações intelectuais. Divide-se em dois ramos: a propriedade industrial, que compreende as invenções (patentes), as marcas, os desenhos e modelos industriais e as denominações de origem, e os direitos de autor, que abrangem as obras literárias e artísticas. Desde a entrada em vigor do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), em 2009, a UE tem competência explícita no domínio dos direitos de propriedade intelectual (artigo 118.º).
Base jurídica
Artigos 114.º e 118.º do TFUE.
Objetivos
Ainda que regidos por diferentes legislações internacionais e nacionais, os direitos de propriedade intelectual (DPI) também estão abrangidos pela legislação da UE. O artigo 118.º do TFUE estipula que, no âmbito do estabelecimento ou do funcionamento do mercado único, o Parlamento Europeu e o Conselho, deliberando de acordo com o processo legislativo ordinário, definem as medidas relativas à criação da legislação da UE em matéria de propriedade intelectual, a fim de assegurar uma proteção uniforme dos DPI em toda a União, e à instituição de regimes de autorização, de coordenação e de controlo centralizados ao nível da UE. A atividade legislativa da UE neste domínio visa sobretudo harmonizar determinados aspetos específicos dos DPI através da criação do seu próprio sistema, como sucede relativamente à marca e ao desenho ou modelo da UE, e como será o caso das patentes. Muitos dos instrumentos da UE refletem as obrigações internacionais dos Estados-Membros ao abrigo das Convenções de Berna e de Roma, bem como do Acordo sobre os Aspetos dos Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com o Comércio da Organização Mundial do Comércio (TRIPS) e dos Tratados internacionais da Organização Mundial da Propriedade Intelectual (OMPI) de 1996.
Realizações
A. Harmonização legislativa
1. Marcas, desenhos e modelos
Na UE, o quadro jurídico das marcas registadas baseia-se num sistema de registo de marca a quatro níveis, que coexiste com os sistemas de marcas nacionais harmonizados através da diretiva sobre as marcas comerciais (Diretiva (UE) 2015/2436, de 16 de dezembro de 2015, que aproxima as legislações dos Estados-Membros em matéria de marcas). Para além das vias nacionais, outras vias possíveis para a proteção das marcas comunitárias são a via do Benelux, a marca da UE, introduzida em 1994, e a via internacional. O Regulamento (UE) 2017/1001, de 14 de junho de 2017, sobre a marca da União Europeia, codifica e substitui todos os anteriores regulamentos da CE sobre a marca da UE. A codificação foi realizada por motivos de clareza, dado que o sistema de marcas da UE já tinha sido objeto de alterações substanciais em várias ocasiões. A marca da UE tem caráter unitário e produz os mesmos efeitos em toda a UE. O Instituto da Propriedade Intelectual da União Europeia (EUIPO) é responsável pela gestão da marca e do desenho ou modelo da UE. O regulamento sobre a marca da UE fixa igualmente os montantes das taxas a pagar ao EUIPO. São fixados a um nível que garante que as receitas que produzem cobrem as despesas do EUIPO e complementam os sistemas de marcas nacionais existentes.
A Diretiva 98/71/CE, de 13 de outubro de 1998, aproximou as disposições nacionais em matéria de proteção jurídica dos desenhos e modelos. Uma proposta de reformulação de diretiva foi submetida a votação no Parlamento Europeu em 14 de março de 2024. Visa assegurar que o sistema de proteção de desenhos e modelos seja adaptado à era digital (em especial ao aparecimento de impressoras 3D) e se torne significativamente mais acessível e eficaz para os criadores independentes, as pequenas e médias empresas e as indústrias em que os desenhos ou modelos desempenham um papel importante, reduzindo os custos, simplificando os procedimentos – tornando-os mais rápidos e mais previsíveis – e aumentando a segurança jurídica. O Regulamento (CE) n.º 6/2002 do Conselho, de 12 de dezembro de 2001 (na sua versão alterada), instituiu um sistema comunitário para a proteção dos desenhos e modelos. Em 14 de março de 2024, o Parlamento Europeu adotou uma resolução legislativa sobre a proposta de regulamento que altera o Regulamento (CE) n.º 6/2002 do Conselho e revoga o Regulamento (CE) n.º 2246/2002 da Comissão, com o mesmo objetivo de assegurar que o sistema de proteção de desenhos ou modelos é adequado à era digital e de melhorar a acessibilidade, a eficácia e a comportabilidade financeira dos sistemas de proteção de desenhos ou modelos, simplificando os procedimentos e otimizando o nível e a estrutura das taxas a pagar. A Decisão 2006/954/CE do Conselho e o Regulamento (CE) n.º 1891/2006 do Conselho, ambos de 18 de dezembro de 2006, ligaram o sistema de registo de desenhos ou modelos da UE ao sistema internacional de registo dos desenhos ou modelos industriais da OMPI.
2. Direitos de autor e direitos conexos
Os direitos de autor garantem que os autores, compositores, artistas, realizadores e outros intervenientes recebam pagamentos e proteção no que respeita às suas obras. As tecnologias digitais alteraram profundamente o modo como os conteúdos criativos são produzidos, distribuídos e colocados à disposição dos utilizadores. A legislação da UE em matéria de direitos de autor é um conjunto de treze diretivas e dois regulamentos que harmonizam os direitos essenciais dos autores, dos artistas, dos produtores e dos organismos de radiodifusão. Através do estabelecimento de algumas normas da UE, as discrepâncias nacionais são reduzidas, o nível de proteção necessário para fomentar a criatividade e o investimento na criatividade é garantido, a diversidade cultural é promovida e o acesso dos consumidores e das empresas aos conteúdos e serviços digitais em todo o mercado único é facilitado.
a. Direitos de autor
A Diretiva 2001/29/CE, de 22 de maio de 2001, relativa à harmonização de certos aspetos dos direitos de autor e dos direitos conexos na sociedade da informação, adaptou a legislação em matéria de direitos de autor e direitos conexos aos desenvolvimentos tecnológicos, mas não acompanha o ritmo extremamente rápido da evolução registada no mundo digital, como a distribuição de programas de televisão e de rádio e o acesso aos mesmos, com 49 % dos utilizadores da Internet na UE a acederem a música, conteúdos audiovisuais e jogos em linha (estimativas do Eurostat). Por conseguinte, é necessária legislação harmonizada em matéria de direitos de autor em toda a UE para os consumidores, os criadores e as empresas.
A Diretiva relativa aos direitos de autor da UE (Diretiva (UE) 2019/790), de 17 de abril de 2019, prevê um direito de autor acessório para os editores de imprensa e uma remuneração justa para os conteúdos protegidos por direitos de autor. Até então, as plataformas em linha não tinham qualquer responsabilidade jurídica pela utilização e transferência de conteúdos protegidos por direitos de autor nos seus sítios Web. Os novos requisitos não afetam o carregamento não comercial de obras protegidas por direitos de autor em enciclopédias em linha, tais como a Wikipedia. A Diretiva (UE) 2019/789 (conhecida como Diretiva «CabSat») foi adotada no mesmo dia e visa aumentar o número de programas de rádio e televisão disponíveis em linha para os consumidores da UE. Os organismos de radiodifusão disponibilizam cada vez mais serviços em linha, para além das suas transmissões tradicionais, uma vez que os utilizadores esperam poder aceder a qualquer hora e em qualquer lugar a conteúdos de rádio e televisão. A diretiva introduz o princípio do país de origem para facilitar o licenciamento de direitos de certos programas que os organismos de radiodifusão oferecem nas suas plataformas em linha (por exemplo, difusão simultânea e visionamento diferido). Os organismos de radiodifusão têm de obter autorizações referentes aos direitos de autor no seu país de estabelecimento na UE (ou seja, país de origem), a fim de disponibilizarem em linha programas de rádio, noticiários e programas de atualidades, bem como produções totalmente financiadas por recursos próprios disponíveis em linha em todos os países da UE. Os Estados-Membros tinham até 7 de junho de 2021 para adotar legislação adequada de modo a cumprir os requisitos da diretiva.
A Diretiva (UE) 2017/1564, de 13 de setembro de 2017, relativa a determinadas utilizações permitidas de certas obras e outro material protegidos por direito de autor e direitos conexos em benefício das pessoas cegas, com deficiência visual ou com outras dificuldades de acesso a textos impressos, facilita o acesso a livros e a outros conteúdos impressos em formatos adequados e a sua circulação no mercado único.
O Regulamento (UE) 2017/1128, de 14 de junho de 2017, relativo à portabilidade transfronteiriça dos serviços de conteúdos em linha no mercado interno, tem por objetivo assegurar que os consumidores que comprem ou subscrevam filmes, emissões desportivas, música, livros eletrónicos e jogos possam aceder a esses conteúdos quando viajam para outros Estados-Membros da UE.
b. Duração da proteção dos direitos de autor e de certos direitos conexos
Estes direitos estão protegidos durante toda a vida e até 70 anos após a morte do autor/criador. A Diretiva 2011/77/UE, que altera a Diretiva 2006/116/CE relativa ao prazo de proteção dos direitos de autor e certos direitos conexos, alargou o prazo de proteção dos direitos de autor para os artistas intérpretes ou executantes de gravações de som de 50 para 70 anos após o registo, e para os autores de música, tais como compositores e autores de letras, para 70 anos após a morte do autor. O prazo de 70 anos tornou-se uma norma internacional para a proteção de gravações de som. Atualmente, 64 países em todo o mundo protegem as gravações de som durante 70 anos ou mais.
c. Programas de computador e bases de dados
A Diretiva 91/250/CEE obrigava os Estados-Membros a proteger os programas de computador, através de direitos de autor, enquanto obras literárias, ao abrigo da Convenção de Berna para a Proteção das Obras Literárias e Artísticas. Foi codificada pela Diretiva 2009/24/CE. A Diretiva 96/9/CE (Diretiva Bases de Dados) prevê a proteção jurídica das bases de dados e define como base de dados «uma coletânea de obras, dados ou outros elementos independentes, dispostos de modo sistemático ou metódico e suscetíveis de acesso individual por meios eletrónicos ou outros». A diretiva estipula que as bases de dados são protegidas por direitos de autor, que abrangem a criação intelectual, e por um direito sui generis que protege o investimento (em capital, recursos humanos, esforço e energia) na obtenção, verificação ou apresentação do conteúdo. Em 23 de fevereiro de 2022, a Comissão apresentou uma proposta de novo regulamento relativo a regras harmonizadas sobre o acesso equitativo aos dados e a sua utilização (Regulamento Dados), destinado a garantir a equidade na repartição do valor dos dados entre os intervenientes na economia dos dados e a promover o acesso aos dados e a sua utilização. Após um intenso trabalho legislativo apoiado por investigação académica[1], em 9 de novembro de 2023, o plenário do Parlamento aprovou em primeira leitura uma posição sobre esta proposta. Em 30 de maio de 2022, o Parlamento e o Conselho adotaram o Regulamento Governação de Dados, que introduz mecanismos para facilitar a reutilização de determinadas categorias de dados protegidos do setor público, aumentar a confiança nos serviços de intermediação de dados e promover a cedência altruísta de dados em toda a UE.
d. Sociedades de gestão coletiva
Para difundir conteúdos protegidos pelos referidos direitos, é necessário obter uma licença de direitos junto dos diferentes titulares dos direitos de autor e direitos conexos. Os titulares de direitos podem confiar os seus direitos a sociedades de gestão coletiva, que gerem esses direitos em seu nome. A menos que uma organização de gestão coletiva tenha justificado os motivos para recusar a gestão, é obrigada a gerir esses direitos. A Diretiva 2014/26/UE relativa à gestão coletiva dos direitos de autor e direitos conexos e à concessão de licenças multiterritoriais de direitos sobre obras musicais para utilização em linha no mercado interno estabelece os requisitos aplicáveis às organizações de gestão coletiva, a fim de garantir padrões elevados de governação, gestão financeira, transparência e apresentação de informações. Tem por objetivo assegurar que os titulares dos direitos têm uma palavra a dizer na gestão dos seus direitos, prevendo um melhor funcionamento das organizações de gestão coletiva através de normas à escala da UE. Os Estados-Membros devem assegurar que as organizações de gestão coletiva agem no interesse dos titulares cujos direitos elas representam.
3. Patentes
Uma patente é um título jurídico que pode ser concedido a qualquer invenção de natureza técnica, desde que seja nova, envolva uma atividade inventiva e possa ter uma aplicação industrial. Uma patente confere ao seu titular o direito de impedir terceiros de fabricar, utilizar ou vender uma invenção sem a sua autorização. O sistema de patentes incentiva as empresas a fazer os investimentos necessários na inovação e encoraja os cidadãos e as empresas a consagrar recursos à investigação e ao desenvolvimento. Na Europa, as invenções técnicas podem ser protegidas por patentes nacionais concedidas pelas autoridades nacionais competentes, ou por patentes europeias concedidas a nível central pelo Instituto Europeu de Patentes (IEP). O IEP é o ramo executivo da Organização Europeia de Patentes, que conta atualmente com 39 Estados contratantes. Presentemente, a União não é membro desta organização.
Após anos de discussões entre os Estados-Membros, o Parlamento e o Conselho aprovaram a base jurídica de uma patente europeia com efeito unitário («patente unitária») em 2012. Um acordo internacional entre os Estados-Membros cria, portanto, uma jurisdição única e especializada em patentes.
A confirmação pelo Tribunal de Justiça (TJUE) do pacote relativo às patentes, no seu acórdão de 5 de maio de 2015 nos processos C-146/13 e C-147/13, abriu o caminho para uma verdadeira patente europeia. O regime anterior coexiste com o novo sistema, de acordo com as medidas transitórias em vigor.
Desde a sua entrada em vigor em 1 de junho de 2023, a patente unitária da UE, que é concedida pelo Instituto Europeu de Patentes, proporciona uma proteção uniforme e produz os mesmos efeitos em todos os países da UE participantes. As empresas terão a possibilidade de proteger as suas invenções em todos os Estados-Membros da UE, com base numa verdadeira patente da UE. Poderão igualmente contestar e defender patentes unitárias numa única ação judicial junto do recentemente criado Tribunal Unificado de Patentes (TUP), o que permitirá simplificar o sistema e economizar nos custos de tradução. O Acordo relativo ao TUP prevê que a primazia do Direito da União deve ser respeitada (artigo 20.º do Acordo) e que as decisões do TJUE são vinculativas para o TUP. Atualmente, o TUP é um tribunal comum a 17 Estados-Membros da UE. É constituído por um Tribunal de Primeira Instância, por um Tribunal de Recurso e por uma Secretaria. O Tribunal de Primeira Instância tem uma estrutura descentralizada e inclui uma divisão central em Paris com uma secção em Munique, bem como várias divisões regionais e locais em toda a Europa. O Tribunal de Recurso tem sede no Luxemburgo e decide sobre os recursos contra decisões do Tribunal de Primeira Instância e sobre pedidos de revisão de decisões definitivas do TUP.
4. Segredos comerciais
A prática de confidencialidade das informações comerciais («know-how») remonta há séculos. Em muitos países, existem já instrumentos jurídicos destinados a proteger segredos comerciais, quer sejam ou não considerados parte integrante dos DPI. O nível de proteção concedida às informações confidenciais não pode ser comparado com outros domínios da legislação em matéria de propriedade intelectual, como as patentes, os direitos de autor e as marcas comerciais, mas pode, em princípio, ser aplicado por tempo indeterminado e não apenas por um período limitado. A proteção dos segredos comerciais varia mais de país para país do que outras áreas da legislação em matéria de DPI e pode ser ainda mais vantajosa e menos onerosa do que a procura de uma proteção formal por patente. Desde 2016, existe um quadro jurídico da UE, nomeadamente a Diretiva (UE) 2016/943 do Parlamento Europeu e do Conselho relativa à proteção de «know-how» e de informações comerciais confidenciais (segredos comerciais) contra a sua aquisição, utilização e divulgação ilegais.
5. DPI de variedades vegetais
A proteção das variedades vegetais, também designada por «direito do obtentor», é uma forma de DPI concedida ao obtentor de uma nova variedade vegetal. O sistema da UE de proteção das variedades vegetais, baseado nos princípios do Ato de 1991 da Convenção Internacional para a Proteção das Obtenções Vegetais, contribui para o desenvolvimento da agricultura e da horticultura. A legislação da UE estabeleceu um sistema de proteção dos direitos sobre as variedades vegetais. O sistema permite a concessão de DPI para variedades vegetais. O Instituto Comunitário das Variedades Vegetais implementa e aplica este sistema.
6. Indicações geográficas (IG)
Ao abrigo do sistema de DPI da UE, os nomes de produtos registados como indicação geográfica estão legalmente protegidos contra a imitação e a utilização indevida na UE e em países terceiros com os quais tenham sido assinados acordos de proteção específicos. Pode ser concedida uma indicação geográfica às denominações de produtos que tenham uma ligação específica ao local onde o produto é fabricado. Este reconhecimento permite que os consumidores consigam identificar os produtos de qualidade e confiar neles, ao mesmo tempo que ajuda os produtores a comercializarem melhor os seus produtos. Reconhecidas como propriedade intelectual, as indicações geográficas desempenham um papel cada vez mais importante nas negociações comerciais entre a UE e países terceiros. O Regulamento (UE) 2024/1143 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de abril de 2024, relativo às indicações geográficas para o vinho, as bebidas espirituosas e os produtos agrícolas, bem como às especialidades tradicionais garantidas e às menções de qualidade facultativas para os produtos agrícolas, identifica os produtos que têm qualidades, características ou reputação devido a fatores naturais e humanos ligados ao seu local de origem. Os produtos em causa ou aos quais foi concedido o reconhecimento de IG estão inscritos nos registos de IG. Em 12 de setembro de 2023, o Parlamento aprovou a sua posição sobre o Regulamento do Parlamento Europeu e do Conselho relativo à proteção das indicações geográficas de produtos artesanais e industriais e que altera os Regulamentos (UE) 2017/1001 e (UE) 2019/1753. O Regulamento 2023/2411,, de 18 de outubro de 2023, fornece as indicações geográficas de produtos industriais que podem ser associados à sua área geográfica de produção (como as facas Albacete, o vidro da Boémia e a porcelana de Limoges) beneficiam de uma proteção semelhante à concedida aos alimentos ou bebidas produzidos a nível regional.
A nível internacional, a Decisão (UE) 2019/1754 do Conselho, de 7 de outubro de 2019, sobre a adesão da União Europeia ao Ato de Genebra do Acordo de Lisboa relativo às denominações de origem e às indicações geográficas designa o EUIPO como autoridade competente em matéria de indicações geográficas.
7. Combate à contrafação
Segundo estimativas, as importações de mercadorias de contrafação e de mercadoria-pirata para a UE ascendem a cerca de 85 mil milhões de EUR (até 5 % das importações totais). A nível mundial, o comércio de mercadoria-pirata representa 2,5 % das trocas comerciais e atinge um valor que pode ascender a 338 mil milhões de EUR, o que causa danos significativos aos titulares de direitos, aos governos e às economias.
Uma vez que as disparidades entre os regimes de sanção dos Estados-Membros tornam difícil combater eficazmente a contrafação e a pirataria, o Parlamento e o Conselho adotaram, numa primeira fase, a Diretiva 2004/48/CE relativa ao respeito dos direitos de propriedade intelectual. O objetivo desta diretiva é reforçar o combate à pirataria e à contrafação através da aproximação das legislações nacionais, a fim de assegurar um nível de proteção da propriedade intelectual elevado, equivalente e homogéneo no mercado único e proporcionar medidas, procedimentos e indemnizações ao abrigo do direito civil e do direito administrativo. O Regulamento (UE) n.º 608/2013, relativo à aplicação dos direitos de propriedade intelectual pelas autoridades aduaneiras estabelece normas processuais destinadas às autoridades aduaneiras para que estas façam respeitar os DPI no que se refere às mercadorias sujeitas a fiscalização aduaneira ou a controlo aduaneiro.
B. Conceito do «esgotamento» dos direitos
1. Definição
De acordo com este conceito jurídico ou doutrina, que se aplica a todos os domínios da propriedade industrial, depois de um produto abrangido por um DPI (por exemplo, uma patente) ter sido vendido pelo titular do DPI ou por terceiros com o consentimento do titular, considera-se que o DPI se esgota. Na UE, o TJUE sempre interpretou os Tratados da UE no sentido de que os direitos conferidos pelos DPI esgotam no mercado único em virtude da colocação dos produtos em causa no mercado (pelo titular dos direitos ou com o seu consentimento). O titular de um direito de propriedade intelectual industrial ou comercial protegido pela legislação de um Estado-Membro não pode invocar essa legislação para se opor à importação ou à comercialização de um produto que foi colocado no mercado de outro Estado-Membro.
2. Limites
O «esgotamento» dos direitos a nível da UE não se aplica no caso da comercialização de um produto de contrafação, nem em relação aos produtos comercializados no exterior do Espaço Económico Europeu (artigo 6.º do Acordo TRIPS). Em 1999, no processo Sebago Inc. e Ancienne Maison Dubois et Fils SA/GB-Unic SA (C-173/98), o TJUE decidiu que os Estados-Membros não podem prever na sua legislação nacional o esgotamento dos direitos conferidos pela marca no que toca a produtos comercializados em países terceiros.
3. Atos jurídicos neste domínio
As regras da UE em matéria de esgotamento resultam, em grande medida, da jurisprudência do TJUE, que interpreta o artigo 34.º do TFUE no contexto de medidas de efeito equivalente a restrições quantitativas entre Estados-Membros[2]. Esta jurisprudência reflete-se em cada um dos atos legislativos pertinentes da UE em matéria de DPI.
C. Jurisprudência recente do TJUE
Em 2012, o TJUE confirmou, no processo SAS (C-406/10), que, nos termos da Diretiva 91/250/CEE, a proteção abrange unicamente a expressão de um programa de computador e que as ideias e princípios que estão na base da lógica, dos algoritmos e das linguagens de programação não estão protegidos ao abrigo da referida diretiva (n.º 32 do acórdão). O Tribunal salientou que nem a funcionalidade de um programa nem a linguagem de programação e o formato de ficheiros de dados utilizados no âmbito de um programa de computador para explorar algumas das suas funções constituem uma forma de expressão desse programa, na aceção do artigo 1.º, n.º 2, da Diretiva 91/250/CEE (n.º 39).
No seu acórdão no processo C-160/15 (GS Media BV/Sanoma Media Netherlands BV e Outros), o TJUE declarou que a publicação de uma hiperligação num sítio Internet para obras protegidas por direitos de autor e publicadas sem o consentimento deste num outro sítio Internet não constitui uma «comunicação ao público» quando a pessoa que publica essa hiperligação não procura obter qualquer ganho financeiro e age sem conhecimento do facto de essas obras terem sido publicadas de forma ilegal.
No seu acórdão de 15 de setembro de 2016 no processo C-484/14, o Tribunal considerou que a disponibilização de uma rede wi-fi ao público em geral, a título gratuito, com o objetivo de chamar a atenção de potenciais clientes para os produtos e serviços de uma loja constitui um «serviço da sociedade da informação», na aceção da Diretiva 2000/31/CE, e confirma que, em certas condições, um prestador de serviços que fornece acesso a uma rede de comunicações pode não ser responsabilizado. Por conseguinte, os titulares dos direitos de autor não têm o direito de reclamar uma indemnização com o fundamento de que a rede foi utilizada por terceiros com o objetivo de violar os seus direitos. A proteção da ligação à Internet por meio de uma palavra-chave garante um equilíbrio entre, por um lado, os DPI dos titulares de direitos e, por outro, a liberdade de empresa dos fornecedores de acesso e a liberdade de informação dos utilizadores da rede.
O papel do Parlamento Europeu
A propriedade intelectual cria valor acrescentado para as empresas e as economias da UE. A sua proteção e a sua aplicação uniforme contribuem para a promoção da inovação e do crescimento económico. O Parlamento está por isso empenhado em harmonizar os DPI através da criação de um regime único europeu de direitos de autor que funcione em paralelo com os regimes nacionais, como sucede relativamente à marca e ao desenho ou modelo da UE e à patente unitária europeia.
Através de diversas resoluções sobre os DPI, nomeadamente sobre a proteção jurídica das bases de dados, das invenções biotecnológicas e dos direitos de autor, o Parlamento defendeu a harmonização progressiva dos DPI. Opôs-se, além disso, a que partes do corpo humano sejam objeto de patente. Em 27 de fevereiro de 2014, o Parlamento aprovou uma resolução de iniciativa sobre as taxas relativas às cópias para uso privado (o direito de efetuar cópias para uso privado de conteúdos adquiridos legalmente), uma vez que a cópia digital para uso privado assumiu uma importância económica significativa em resultado do progresso tecnológico. O Parlamento também teve um papel extremamente ativo na elaboração do tratado da OMPI sobre exceções aos direitos de autor para as pessoas com deficiência visual (o «Tratado de Marraquexe»).
No âmbito do trabalho preparatório para a revisão da legislação da UE em matéria de direitos de autor (ver ponto A, n.º 2, alínea a), o Parlamento aprovou, em setembro de 2018, um relatório de iniciativa que contém uma série de recomendações importantes sobre todas as questões em causa. Ao longo do processo legislativo, gerou-se um aceso debate público em torno dos artigos 11.º e 13.º da proposta de diretiva relativa aos direitos de autor no mercado único digital. Este debate culminou numa votação no Parlamento a favor dos esforços para criar um novo direito para os editores de publicações de imprensa com vista a monetizar conteúdos em determinadas grandes plataformas noticiosas, assim como para criar um novo direito que simplifique a deteção de violações dos direitos de autor na Internet. Embora a indústria criativa se tenha regozijado, os representantes das empresas do setor tecnológico criticaram severamente as propostas. Por fim, o voto do Parlamento deu mais uma vez o mote para a adoção da Diretiva Direitos de Autor.
A investigação preparada para a Comissão dos Assuntos Jurídicos do Parlamento e encomendada pelo seu Departamento Temático dos Direitos dos Cidadãos e dos Assuntos Constitucionais indica que a inteligência artificial (IA) desafia os novos limites da proteção por direitos de autor, em especial no que diz respeito ao treino não transparente da IA utilizando material protegido por direitos de autor ou dados protegidos e à subsequente geração de conteúdos por esta IA[3]. Além disso, uma série de disposições contratuais facilitam a remoção dos direitos de propriedade intelectual dos dados ou permitem que os direitos de propriedade intelectual dos titulares sejam assumidos com base no facto de a publicação ter ocorrido numa determinada plataforma ou de a criação/invenção ter ocorrido no âmbito de um contrato de prestação de serviços. Essas disposições incluem:
- Disposições jurídicas que privam os criadores de direitos de propriedade intelectual ou os obrigam a ceder licenças isentas de direitos relativamente a conteúdos colocados nos serviços e servidores das plataformas digitais, e/ou que transferem esses direitos para as plataformas;
- Contratos de pagamento único, através dos quais as plataformas assumem os direitos de propriedade intelectual dos criadores;
- Disposições jurídicas que privam os trabalhadores, inventores ou criadores de direitos de propriedade intelectual relativamente aos conteúdos que criam no âmbito do seu emprego ou serviço, e/ou que transferem esses direitos para o empregador («trabalho por encomenda»)[4].
Alexandru-George Moș / Mariusz Maciejewski / Udo Bux