Relatório - A7-0059/2010Relatório
A7-0059/2010

RELATÓRIO sobre a recomendação do Conselho relativa à nomeação do Vice-Presidente do Banco Central Europeu

23.3.2010 - C7‑0044/2010 – 2010/0813(NLE))

Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários
Relatora: Sharon Bowles
PR_NLE_art109

Processo : 2010/0813(NLE)
Ciclo de vida em sessão
Ciclo relativo ao documento :  
A7-0059/2010
Textos apresentados :
A7-0059/2010
Debates :
Textos aprovados :

PROPOSTA DE DECISÃO DO PARLAMENTO EUROPEU

sobre a recomendação do Conselho relativa à nomeação do Vice-Presidente do Banco Central Europeu

C7‑0044/2010 – 2010/0813(NLE))

(Consulta)

O Parlamento Europeu,

–   Tendo em conta a recomendação do Conselho de 16 de Fevereiro de 2010[1],

–   Tendo em conta o n.º 2 do artigo 283.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, nos termos do qual foi consultado pelo Conselho (C7-0044/2010),

–   Tendo em conta o artigo 109.º do seu Regimento,

–   Tendo em conta o relatório da Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários (A7‑0059/2010),

A.  Considerando que, por carta de 24 de Fevereiro de 2010, o Conselho consultou o Parlamento Europeu sobre a nomeação de Vítor Constâncio para o cargo de Vice‑Presidente do Banco Central Europeu, com um mandato de oito anos,

B.   Considerando que a Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários do Parlamento Europeu procedeu seguidamente à avaliação das credenciais do candidato indigitado, nomeadamente do ponto de vista dos requisitos estabelecidos no n.º 2 do artigo 283.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia e à luz da necessidade de plena independência do BCE, em conformidade com o artigo 130.º, e considerando que, no âmbito dessa avaliação, a comissão recebeu o CV do candidato, assim como as suas respostas ao questionário escrito que lhe foi enviado,

C.  Considerando que, subsequentemente, a comissão realizou uma audição de duas horas com o candidato indigitado, em 23 de Março de 2010, na qual este último proferiu uma declaração aberta, respondendo seguidamente às perguntas colocadas pelos membros da comissão,

1.   Dá parecer favorável ao Conselho Europeu sobre a recomendação do Conselho de nomear Vítor Constâncio para o cargo de Vice‑Presidente do Banco Central Europeu;

2.   Encarrega o seu Presidente de transmitir a presente decisão ao Conselho Europeu e ao Conselho.

  • [1]  Ainda não publicada no JO

ANEXO (1): CURRICULUM VITAE DE Vítor Constâncio

Habilitações

1965                      Licenciatura em Economia pelo Instituto Superior de Ciências Económicas e Financeiras (actualmente designado Instituto Superior de Economia e Gestão, ISEG) da Universidade Técnica de Lisboa.

1973-1974               Estudos de pós-graduação na Universidade de Bristol (RU).

Experiência profissional

1965-1973            Professor-assistente de economia no ISEG, docente das cadeiras de Economia I, Economia II (Macroeconomia), História do Pensamento Económico e Contabilidade Nacional e Planeamento Económico.

1972-1973            Chefe do Departamento de Modelos Económicos e Programação Global no Centro de Estudos de Planeamento. Nesta qualidade, também foi responsável pelas projecções macroeconómicas do 4.º Plano Nacional de Desenvolvimento.

                              Professor no Instituto Superior do Serviço Social, docente da cadeira de Introdução à Economia.

1974-1975            Secretário de Estado do Planeamento nos 1.º e 2.º Governos Provisórios.

1975                      Director do Departamento de Estatística e Estudos Económicos do Banco de Portugal (banco central português).

1976                      Secretário de Estado do Orçamento e do Plano.

1977                      Vice-Governador do Banco de Portugal.

                              Presidente da Comissão para a Integração Europeia, encarregado das negociações para a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia (cargo que retomou em 1979, após ter-se tornado Ministro das Finanças, mantendo entretanto responsabilidades nas negociações com a Comunidade Europeia durante o ano de 1978).

1978                      Ministro das Finanças. Negociou e implementou o primeiro Programa de Estabilização assinado entre a República Portuguesa e o Fundo Monetário Internacional.

1979                      Vice-Governador do Banco de Portugal.

                              Presidente da Comissão para a Integração Europeia, encarregado das negociações para a adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia.

1980-1981            Professor de Teoria da Integração Económica do Curso de Integração Europeia (pós-graduação) da Universidade Católica.

                              Deputado à Assembleia da República e Presidente da Comissão dos Assuntos Europeus.

                              Presidente da Secção Portuguesa do Movimento Europeu.

1981-1984            Vice-Governador do Banco de Portugal.

1982-1984            Professor Catedrático Convidado na Universidade Nova de Lisboa, docente da cadeira de Teoria e Política Monetária.

1985-1986            Governador do Banco de Portugal. Nesta qualidade, implementou uma reforma em profundidade do mercado monetário português, permitindo a formação das taxas de juro com base no mercado e abrindo assim o caminho para um método de condução da política monetária mais orientado por este último. As taxas de juro foram liberalizadas e foi criado um verdadeiro mercado cambial, com fixação diária das cotações. Simultaneamente, foi implementada a abertura do sector bancário aos bancos privados e estrangeiros. Estas reformas ajudaram a preparar o país para realizar as suas políticas de forma mais compatível com a plena adesão à CEE, que ocorreu em Janeiro de 1986.

1987-1988            Deputado à Assembleia da República.

1989-1994            Professor de Economia no Instituto Superior de Economia e Gestão (Universidade Técnica de Lisboa), na qualidade de Coordenador do Mestrado em Economia Monetária e Financeira e de docente de Macroeconomia e de Teoria e Política Monetária.

                              Conselheiro no Banco de Portugal.

                              1989 – Missão da SFI (Banco Mundial), na Polónia, sobre a reforma bancária e a elaboração de uma nova lei sobre a abertura do sector bancário polaco a bancos estrangeiros, com base na experiência portuguesa.

                              1990 – 2ª Missão da SFI (Banco Mundial), na Polónia, sobre a reforma bancária, no contexto de uma mesa-redonda com bancos estrangeiros.

                              1990 – 3ª Missão da SFI (Banco Mundial), na Checoslováquia, sobre a reforma bancária e a elaboração de legislação para permitir a admissão de bancos estrangeiros no mercado.

                              1991 – Missão do Banco Mundial, em Angola, sobre a política monetária e a reforma bancária.

                              1991 – Chefe da missão da Swedish International Development Aid (SIDA), em Angola, sobre a política macroeconómica.

                              1993-94 – Presidente da Lisboa 94, a entidade encarregada de organizar eventos comemorativos da iniciativa da Comissão Europeia: Lisboa, Capital Europeia da Cultura.

1995-1999            Professor e Economia no Instituto Superior de Economia e Gestão (Universidade Técnica de Lisboa), na qualidade de Coordenador do Mestrado em Economia Monetária e Financeira, e de docente de Macroeconomia e de Teoria e Política Monetária.

                              Membro do Conselho de Estado, um órgão consultivo que assiste o Presidente da República, nos termos da Constituição da República Portuguesa.

                              Membro do Conselho de Administração (Administrador) do Banco Português de Investimento (BPI), um dos grandes grupos bancários portugueses, com responsabilidades pelo orçamento, contabilidade e controlo de riscos no mercado financeiro. Representante do BPI como membro não executivo do Conselho de Administração da PT, a empresa de telecomunicações portuguesa, e, subsequentemente, membro não executivo do Conselho de Administração da EDP, a empresa de electricidade portuguesa.

2000-2009            Governador do Banco de Portugal e, nesta qualidade, igualmente membro do Conselho do BCE.

                              Professor de Economia no Instituto Superior de Economia e Gestão (Universidade Técnica de Lisboa), na qualidade de Coordenador do Mestrado em Economia Monetária e Financeira, bem como de docente da cadeira de Política Monetária.

ANEXO (2): RESPOSTAS DE VÍTOR Constâncio AO QUESTIONÁRIO

A. Antecedentes pessoais e profissionais

1.        Por favor, destaque os aspectos principais da sua experiência profissional nos domínios monetário, financeiro e empresarial.

A minha experiência nos assuntos mencionados está relacionada com os cargos que exerci em bancos centrais, como professor de economia e na banca privada. Como se pode ver no meu currículo, leccionei várias disciplinas de economia ao longo de muitos anos e, nomeadamente, de 1989 a 2000, como Professor Catedrático Convidado do Instituto Superior de Economia e Gestão (Universidade Técnica de Lisboa), fui Coordenador do Mestrado em Economia Monetária e Financeira e docente de Macroeconomia e de Teoria e Política Monetária. Desde 2000 até ao momento actual, apenas leccionei uma disciplina semestral sobre Política Monetária.

De 1995 até ao início de 2000, fui Membro do Conselho de Administração (Administrador) do Banco Português de Investimento (BPI), um importante grupo bancário privado português, com responsabilidades pelo Orçamento, a Contabilidade e o Controlo de Riscos do Mercado Financeiro. Esta experiência muniu-me de conhecimentos práticos valiosos sobre a actividade bancária em geral e a gestão contabilística e de riscos em particular, conhecimentos esses que considero muito importantes para as minhas responsabilidades num banco central. Como representante do BPI também fui membro não executivo do Conselho de Administração da PT, a empresa de telecomunicações portuguesa e, depois, membro não executivo do Conselho de Administração da EDP, a empresa de electricidade portuguesa.

A experiência de trabalho mais pertinente no presente contexto resulta, todavia, dos cargos que exerci em bancos centrais ao longo da minha carreira profissional. Iniciei a minha actividade no Banco de Portugal como Director do Departamento de Estatística e de Estudos Económicos e depois fui Vice-Governador durante vários anos, tendo exercido o cargo de Governador no período de 1985-1986. Em 2000 fui mais uma vez nomeado Governador, tendo sido reconduzido no cargo em 2006 para um novo mandato de cinco anos. Em consequência deste facto, nos últimos dez anos, integrei o Conselho Geral e o Conselho do Banco Central Europeu.

2.        Por favor, destaque os aspectos principais da sua experiência profissional a nível europeu e internacional.

Em 1975-1977 chefiei por três vezes a delegação portuguesa para o exame da economia portuguesa pela OCDE, tendo em vista a publicação do estudo relativo ao país. Em 1977 e, novamente, em 1979, fui Presidente da Comissão Parlamentar para a Integração Europeia, incumbida das negociações de adesão de Portugal à Comunidade Económica Europeia. No período de 1985-1986 (em 1985 como observador) fui membro do Comité de Governadores dos Bancos Centrais da Comunidade Europeia. Em 1989-1992, participei em missões económicas, algumas das quais chefiei, da SFI-Banco Mundial na Polónia, na República Checa e em Angola.

Sou membro, desde Março de 2000, do Conselho Geral e do Conselho do Banco Central Europeu.

3.        Quais são as decisões mais importantes em que participou na sua vida profissional?

Como Ministro das Finanças, tive de decidir, em 1978, as políticas a adoptar para fazer face à crise da balança de pagamentos com que o país estava confrontado desde 1976. A elaboração do orçamento e as complexas negociações de um acordo “standby” com o FMI, envolvendo opções difíceis sobre as taxas de juro (então da responsabilidade do Governo) e a taxa de câmbio, implicaram a tomada de decisões exigentes, que produziram resultados positivos: a redução do défice externo para metade e a adaptação bem sucedida da economia portuguesa.

Enquanto Governador do Banco Central, procedi, em 1985-1986, a uma profunda reforma dos mercados monetário e cambial portugueses, abrindo caminho para uma condução da política monetária mais orientada para o mercado. As taxas de juro foram liberalizadas, criou-se um novo mercado de obrigações do Tesouro, gerido pelo Banco de Portugal, foram criados certificados de dívida do banco central e constituiu-se um verdadeiro mercado cambial, com fixação diária das taxas de referência. Simultaneamente, procedeu-se à abertura do sector bancário a bancos privados e estrangeiros. Estas reformas ajudaram a preparar o país para conduzir as suas políticas de forma mais compatível com a plena adesão à CEE, que teve lugar em Janeiro de 1986.

B. Política monetária e económica

4.        Que objectivos orientadores procurará realizar durante o seu mandato de oito anos como Vice-Presidente do Banco Central Europeu?

Como Vice-Presidente do BCE, seguirei os mesmos princípios de orientação que segui na minha função como Governador do Banco de Portugal: respeito pelos aspectos jurídicos do mandato, independência de órgãos políticos e outras entidades, transparência e os mais elevados padrões deontológicos.

Respeitarei inteiramente o mandato conferido pelo Tratado. Estou empenhado em cumprir o objectivo primordial do BCE, que é a estabilidade dos preços e o princípio de independência dos bancos centrais. Sem prejuízo desse objectivo primordial, estou igualmente empenhado em realizar o objectivo secundário, definido pelo Tratado, que consiste em apoiar as políticas económicas gerais da União, a fim de contribuir para a consecução dos seus objectivos. Em conjunto com os meus colegas do Conselho do BCE, continuaremos a dar o máximo do nosso esforço para assegurar a estabilidade dos preços a médio prazo, em benefício de todos os cidadãos europeus.

5.        Que avaliação faz da política monetária tal como vem sendo aplicada pelo Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) há onze anos? Que alterações promoveria, se deseja promover algumas, depois de assumir o cargo de Vice‑Presidente do BCE?

A introdução do euro, em 1999, foi um acontecimento marcante na história monetária. Tive a honra de participar no processo relativo ao euro como membro do Conselho do BCE, nos últimos dez anos. Considero que a política monetária esteve à altura do objectivo do Tratado, o que se traduz numa inflação média de apenas 2% desde o início da união monetária e na firme ancoragem das previsões de inflação, um critério fundamental de boa política monetária. O compromisso de manter a inflação, a médio prazo, num nível inferior a 2% mas próximo desse valor é o factor que confere a mais sólida estrutura à nossa estratégia de política monetária. É a nossa bússola, como o Presidente Trichet gosta de realçar.

Decorreu um pouco mais de uma década desde o início da União Monetária. O BCE ainda é, por isso, uma instituição muito jovem, em comparação com outras instituições europeias e outros grandes bancos centrais. Esquecemo-nos facilmente dos desafios que o BCE enfrentou quando começou a conduzir a política monetária aplicável à zona euro, num momento de grande incerteza. O facto de esses obstáculos terem sido superados sem percalços e de o BCE ser uma verdadeira instituição da União e um membro respeitado da comunidade internacional de bancos centrais já indica que a política monetária aplicada na zona euro evoluiu de forma muito satisfatória, pelo que, no meu entender, não necessita de alterações significativas. Permitam-me que mencione outros factos que confirmam a minha avaliação.

A ancoragem das previsões de inflação em níveis coerentes com a definição de estabilidade dos preços do BCE fornece, a meu ver, uma indicação clara de que os mercados financeiros e o público em geral atribuem grande credibilidade à capacidade que a política de moeda única tem de atingir o seu objectivo. O facto de as previsões de inflação se terem mantido bastante estáveis mesmo durante a crise financeira, quando alguns previam um período de deflação e as taxas de inflação ficaram temporariamente negativas, pode ser entendido como uma prova essencial da credibilidade da política monetária do BCE.

A reacção oportuna e corajosa do BCE quando as convulsões financeiras eclodiram e se converteram numa verdadeira crise é outro exemplo do êxito da política monetária do BCE. A redução das taxas de juro directoras para níveis muito baixos e a adopção de várias medidas extraordinárias provaram a capacidade do BCE para actuar com rapidez, em caso de necessidade. Juntamente com as medidas de apoio ao sector financeiro tomadas pelos governos e as medidas de estímulo orçamental adoptadas no contexto do Plano de Relançamento da Economia Europeia de finais de 2008, a política monetária ajudou a evitar que as coisas piorassem ainda mais.

Todos estes factos demonstram que a estratégia e o quadro de aplicação da política monetária foram bem concebidos. Neste aspecto, atribuo grande importância à declaração esclarecedora que emitimos em Maio de 2003, depois de procedermos a uma análise aprofundada do funcionamento do nosso quadro monetário, diligência em que participei activamente. Desejo realçar cinco pontos dessa declaração. Em primeiro lugar, o novo objectivo quantificado para a estabilidade dos preços, definido como inflação “inferior a 2%, mas próxima desse valor”, que cria uma margem de segurança suficiente para proteger dos riscos de deflação, ao mesmo tempo que procura resolver a questão da existência de eventuais distorções na medição da inflação IHPC e as implicações dos diferenciais de inflação dentro da zona euro.

O segundo ponto está relacionado com a clara fixação de calendários diferentes para os anteriores dois pilares e com a questão de, na nossa comunicação, tratarmos, em primeiro lugar, da análise económica, que é muito relevante para o horizonte operacional da política. O terceiro aspecto aponta para o facto de a análise monetária ser muito relevante para as tendências da inflação a médio e longo prazo, mencionando especificamente que “a análise monetária constitui, sobretudo, uma forma de verificação cruzada, numa perspectiva de médio a longo prazo, das indicações de curto a médio prazo fornecidas pela análise económica”. O quarto aspecto resulta da intenção de sublinhar o horizonte de médio a longo prazo da análise monetária e levou-nos a decidir que “iríamos deixar de rever o valor de referência anualmente”. Por fim, o último ponto prende-se com o conceito de que “a análise monetária deve ter em conta a evolução de uma vasta gama de indicadores monetários, incluindo o indicador M3, as suas componentes e contrapartes, nomeadamente o crédito”. Se reflectirmos cuidadosamente sobre estes vários pontos, eles colocam numa perspectiva correcta o papel dos diferentes aspectos da análise exaustiva de toda a informação existente, que aplicamos na avaliação dos riscos de inflação.

Todavia, a escala e a profundidade da recente crise financeira exigem uma reflexão sobre a forma como a política é conduzida a vários níveis, incluindo no domínio monetário. Em especial, a crise colocou em primeiro plano as questões referentes aos factores financeiros, ao risco sistémico e à estabilidade financeira. A ideia tradicional de que a estabilidade dos preços no mercado de bens e serviços também cria o ambiente capaz de garantir a estabilidade financeira foi invalidada pelos acontecimentos dos últimos anos, em que uma sucessão de bolhas especulativas nos preços dos activos coexistiram com um regime de baixa inflação. Embora os instrumentos de regulamentação e de supervisão prudencial sejam muito importantes para tratar as questões de estabilidade financeira, os efeitos perturbadores das subidas em flecha e das quedas a pique dos preços dos activos, como observámos na crise actual, reacenderam o debate sobre a tomada em consideração dos preços dos activos na condução da política monetária e também sobre o papel dos agregados de créditos. Procedemos à avaliação da estratégia monetária que mencionei atrás, cinco anos após o início da união monetária e pode acontecer que, em consequência da crise iniciada em 2007, o Conselho do BCE decida realizar, futuramente, uma nova avaliação da estratégia. Tal como as coisas estão agora, não vejo qualquer necessidade imediata de proceder a alterações ou esclarecimentos no que diz respeito à nossa estratégia monetária.

6.        Afirma-se com frequência que, devido a alterações estruturais da economia mundial, a inflação dos preços no consumidor foi substituída pela inflação dos preços dos activos. Que pensa desta afirmação e que consequências considera haver para a política monetária?

Nas duas últimas décadas, a inflação dos preços no consumidor foi contida com êxito nas principais economias industrializadas. Inflações baixas e estáveis não são fenómenos “naturais”, mas resultam, em grande medida, do empenhamento dos bancos centrais em cumprir o objectivo da estabilidade dos preços, tal como figura nos estatutos de um grande número de bancos centrais, em todo o mundo. Os bancos centrais independentes ajudaram a ancorar as previsões de inflação e a amortecer, assim, a propagação dos choques sobre os preços relativos aos preços no consumidor e aos salários em geral. Os choques positivos sobre a oferta, associados à globalização e à inclusão de importantes produtores a baixo custo no comércio mundial, também contribuíram para sustentar o período de baixa inflação.

Simultaneamente, porém, temos vindo a observar grandes oscilações em vários preços de produtos de base e de activos. Por um lado, a globalização em matéria de bens e serviços e a procura crescente por parte das economias emergentes produziram um impacto visível nos preços do petróleo, do gás natural e de outras matérias-primas. Por outro lado, um sistema financeiro cada vez mais globalizado e mal regulamentado, alimentado por uma grande liquidez global, suscitou grandes discrepâncias nos preços dos activos, bem visíveis na recente crise financeira. A experiência dos últimos dois anos e meio levou muitos observadores a questionarem o papel da política económica na contenção da inflação dos preços dos activos. Um banco central deve reagir aos preços dos activos de forma directa ou indirecta, relativamente a possíveis ameaças futuras para a estabilidade dos preços? Podem os bancos centrais detectar quais das explosões de preços dos activos observadas são bolhas especulativas? Estas perguntas são importantes e, para a maioria delas, ainda não existe uma resposta inteiramente satisfatória.

A opinião consensual existente antes da crise sobre a política monetária e os preços dos activos punha em causa a aptidão dos bancos centrais para identificarem, em tempo real, as discrepâncias nos preços dos activos e supunha que bastava garantir um baixo nível de inflação no mercado de bens e serviços para evitar discrepâncias significativas no preço dos activos. Em virtude deste consenso, afirmava-se que o alívio decisivo das condições monetárias subsequente ao rebentamento da bolha especulativa seria suficiente para sustentar a actividade económica real e minimizar a probabilidade de deflação. A crise actual contrariou ambas as suposições e demonstrou eloquentemente que os custos económicos das grandes discrepâncias nos preços dos activos e da sua posterior correcção podem ser devastadores. De facto, as bolhas especulativas dos preços dos activos que antecederam a crise ocorreram num período de inflação geralmente baixa e, apesar de os bancos centrais não poderem prever o momento exacto em que os desequilíbrios financeiros se manifestariam, muitos decisores políticos identificaram a acumulação desses desequilíbrios como sendo causa de preocupação, no período imediatamente anterior à crise. Este facto justifica que um banco central controle activamente a evolução dos preços dos activos e dos fluxos de crédito, bem como os riscos associados que eles implicam para a estabilidade dos preços a médio prazo.

Em termos gerais, todos os bancos centrais tomam em consideração as indicações dos preços dos activos ao ponderarem a política monetária. Por exemplo, os efeitos produzidos pelas valorizações dos activos sobre a riqueza terão sempre de ser tomados em consideração, uma vez que influencia a procura global, pressionando a inflação. Para além deste papel, há vários argumentos contra uma integração mais firme dos preços dos activos nos objectivos de política monetária, mas esses argumentos também podem ser facilmente refutados. É consensual que nunca foi possível definir metas exactas a respeito dos preços dos activos como um objectivo concreto da política monetária. Em contrapartida, porém, a política monetária não é uma ciência exacta e os economistas e responsáveis dos bancos centrais não podem cair no erro de determinados teóricos que Keynes estigmatizou como pessoas que “preferem estar rigorosamente erradas a estar aproximadamente certas”. Afinal, as perturbações dos mercados financeiros podem gerar episódios de instabilidade dos preços, tanto num sentido como no outro, e os bancos centrais não devem assumir a atitude assimétrica de só agirem para evitar as consequências dos colapsos dos mercados financeiras e nada fazerem quando as explosões de preços ou as bolhas especulativas se estão a desenvolver. Com a advertência adicional de que o recurso à política monetária para ajudar a conter as bolhas especulativas incipientes não deve chegar ao ponto de criar recessões desnecessárias, a atitude de “leaning against the wind” [contenção da fase de expansão para mitigar as consequências da fase de retracção] pode ter de ser contemplada em certos momentos, sobretudo depois da experiência da crise actual. No entanto, importa não esquecer que o objectivo primordial e adequado da política monetária é manter a estabilidade dos preços no consumidor a médio prazo. Por outro lado, mesmo que a eventual ajuda da política monetária em determinados episódios não deva ser ignorada, o principal contributo para a estabilidade financeira tem de ser assegurado através de outros instrumentos que não a taxa de juro directora e no contexto de um quadro geral de supervisão macroprudencial.

7.        Como avalia as consequências do aumento dos preços do petróleo para a política monetária?

Do ponto de vista da política monetária, o aumento dos preços do petróleo é importante na medida em que produz um efeito duradouro sobre os preços no consumidor. Dito isto, não é necessário que a política monetária desempenhe um papel activo, se o aumento dos preços do petróleo só afectar os preços no consumidor temporariamente.

Especificamente, a transmissão dos choques dos preços petrolíferos aos preços no consumidor e no produtor e os efeitos que acaba por provocar nas previsões de inflação exigem uma análise cuidadosa para determinar uma resposta adequada da política monetária. De um modo geral, estes efeitos podem ser divididos em efeitos imediatos e efeitos induzidos. Os efeitos imediatos podem ter um impacto directo nos preços da energia e, logo, nos preços no consumidor e no produtor. Além disso, os preços no consumidor e no produtor também podem ser afectados de forma indirecta, visto que a energia constitui um importante factor de produção na indústria transformadora, o que aumenta as pressões sobre os custos das componentes não energéticas, que podem vir a ser transferidos para os preços no consumidor. Enquanto estes efeitos imediatos permanecem limitados, a economia pode adaptar-se às alterações dos preços relativos com um impacto apenas temporário na inflação dos preços no consumidor. Não é necessário que a política monetária actue.

Em contrapartida, a política monetária já tem de reagir se os efeitos imediatos começarem a traduzir-se em efeitos induzidos sobre a inflação dos preços no consumidor através de um crescimento dos salários e de previsões de inflação mais elevadas, sendo estas últimas uma variável importante nas negociações salariais. Se a política monetária não conseguir ancorar as previsões de inflação no médio a longo prazo, o aumento das taxas de inflação será inevitável.

Com a sua orientação para o médio a longo prazo, a política monetária do Eurossistema contribuiu decisivamente para limitar as pressões inflacionistas causadas pelos aumentos do preço do petróleo até 2008. Deverá proceder da mesma maneira em futuros períodos de aumento dos preços petrolíferos. Futuramente, há que manter uma forte vigilância para salvaguardar a credibilidade através de reacções contra os riscos para a estabilidade dos preços, sem entrar numa abordagem excessivamente activista. Neste contexto, uma comunicação clara e coerente das decisões de política monetária é particularmente importante para controlar a formação de expectativas do sector privado.

8.        Sem prejuízo do objectivo de estabilidade dos preços, como deve o BCE cumprir, no seu entender, as obrigações secundárias que o Tratado lhe confere (contribuir para o crescimento económico e o pleno emprego) e que instrumentos poderia o BCE utilizar para o efeito?

O Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (artigo 127.º) dispõe que o objectivo primordial do BCE/Eurossistema é a manutenção da estabilidade dos preços. O conceito de obrigações secundárias do BCE refere-se ao segundo trecho do artigo 127.º, onde se afirma que, sem prejuízo do objectivo da estabilidade dos preços, o BCE/Eurossistema apoiará as políticas económicas gerais na União tendo em vista contribuir para a realização dos objectivos da União tal como se encontram definidos no artigo 3.º do Tratado da União Europeia. A este respeito, o artigo 3.º menciona como objectivos da União, nomeadamente, um crescimento económico equilibrado e o pleno emprego.

O significado e as consequências operacionais deste objectivo secundário têm sido muito debatidos. É consensual que, a longo prazo, não é possível optar entre inflação e crescimento, ou, para colocar melhor a questão, a melhor forma de a política monetária apoiar a taxa de crescimento a longo prazo é manter a estabilidade dos preços, uma vez que esta promove a eficiência numa economia de mercado descentralizada. Uma política monetária que privilegie credivelmente a estabilidade dos preços constitui a contribuição mais eficaz para um crescimento económico permanente e níveis de emprego elevados. Esta afirmação baseia-se no conhecimento, adquirido com a experiência histórica e a investigação académica, de que a política monetária não pode dar um impulso permanente ao valor real para além da manutenção credível da estabilidade dos preços.

A estabilidade dos preços contribui para o bem-estar e o crescimento económico eliminando as distorções relacionadas com a inflação. Um ambiente de estabilidade dos preços permite que as pessoas se concentrem em actividades produtivas e não em estratégias para proteger os seus bens e rendimentos contra a inflação. Isto beneficia, sobretudo, os grupos mais fracos da sociedade, que têm poucas possibilidades de se protegerem dos efeitos da inflação. Outro benefício importante da estabilidade dos preços é o facto de reduzir os prémios relativos ao risco de inflação nas taxas de juro a longo prazo. Deste modo, ao contrário da ideia, que se ouve por vezes, de que uma política monetária orientada para a estabilidade dos preços produz taxas de juro reais excessivamente elevadas, uma política monetária orientada para a estabilidade dos preços conduz, na verdade, à diminuição das taxas de juros reais, aumentando, consequentemente, os incentivos para investir. Além disso, a estabilidade dos preços evita que os escalões de imposto nominais progressivos aumentem, ao longo do tempo, a incidência real dos impostos e das contribuições para a segurança social, o que reduziria os incentivos para a oferta de trabalho e capital, diminuindo, assim, as perspectivas de crescimento da economia a longo prazo.

Todos os argumentos anteriores indicam que não é possível optar a longo prazo entre a estabilidade dos preços e o crescimento, mas a situação é diferente a curto prazo, um facto evidente quando se regista um choque sobre a oferta ou os custos a que a política monetária não deve responder imediatamente, não obstante o aumento temporário da inflação global. A concretização credível da estabilidade dos preços promove ainda a estabilidade macroeconómica geral, uma vez que as previsões de inflação estão firmemente ancoradas. Em consequência, os choques adversos sobre a oferta, como os causados por um aumento dos preços do petróleo, afectam menos a inflação e a política monetária pode ser mais moderada e constante face a esses choques.

De um modo mais geral, mesmo que se aceite a noção de que a economia tem uma tendência espontânea para voltar à sua trajectória de longo prazo, há uma possibilidade de compromisso entre as duas opções a curto prazo, porque a política macroeconómica afecta a velocidade dessa convergência e pode evitar uma maior volatilidade do produto, aumentando assim o bem-estar geral. No entanto, é difícil explorar esse compromisso numa ordem hierárquica.

Levo muito a sério o objectivo secundário definido pelo Tratado e que o BCE tem procurado cumprir claramente na actual crise. Por exemplo, após a eclosão da crise Lehman, agimos de forma rápida e enérgica para evitar o colapso do sistema bancário e prevenir as suas consequências recessivas e deflacionistas. Para além da diminuição drástica das taxas de juros, o Eurossistema também fez o que lhe competia em termos de aumento do apoio ao crédito, fornecendo, nomeadamente, uma ampla liquidez ao sistema bancário, comprando obrigações hipotecárias e obrigações sobre o sector público, a fim de contribuir para a reanimação deste importante mercado, e aceitando o Banco Europeu de Investimento como contraparte nas operações de política monetária. Creio que há poucas dúvidas de que estas acções ajudaram a minimizar a profundidade da recessão.

9.        Como avalia a estratégia de saída do BCE? Deverão as estratégias de saída monetárias ser globalmente concertadas? Deverá haver uma concertação entre as estratégias de saída monetária e orçamental?

A estratégia de saída do BCE compreende uma supressão progressiva das medidas extraordinárias adoptadas em resposta à crise financeira. A abordagem progressiva a essa saída é necessária devido às vulnerabilidades da economia real e do sistema financeiro. O anúncio do BCE sobre as primeiras etapas da supressão das medidas extraordinárias, feito em Dezembro de 2009, tem precisamente este objectivo. Estou inteiramente de acordo com essa estratégia. Uma supressão progressiva permite que todas as partes envolvidas se adaptem às novas condições, ao mesmo tempo que dá ao BCE a possibilidade de receber feedback sobre as primeiras etapas antes de decidir as etapas seguintes. Permitam-me que sublinhe que a supressão será certamente beneficiada pela forma como as medidas extraordinárias foram concebidas, que é de molde a facilitar este processo.

O Comunicado da Reunião dos Ministros das Finanças e Governadores dos Bancos Centrais do G20, em 7 de Novembro de 2009 (St. Andrews), é claro no que respeita à revogação das medidas extraordinárias de apoio macroeconómico e financeiro: “Decidimos cooperar e coordenar-nos, tendo em conta eventuais repercussões ocasionadas pelas nossas estratégias, realizando consultas e partilhando informações sempre que possível”.

O espírito desta declaração é consentâneo com a estratégia do Banco Central Europeu. Tal como foi repetidamente salientado pelo Conselho do BCE, a pedra angular da sua estratégia de saída é a ligação clara ao objectivo primordial da estabilidade dos preços. Todas as medidas adoptadas ao longo da crise foram resolutamente tomadas com este objectivo primordial em mente. Numa avaliação em tempo real dos riscos para a estabilidade dos preços, as acções desencadeadas por outros bancos centrais são tidas em conta. Assim, embora a partilha de informações e outra assistência operacional possam ser desejáveis, a concertação da política monetária não se afigura justificada. Além disso, embora a crise se tenha verificado de forma simultânea a nível mundial, é provável que a recuperação seja mais heterogénea, o que exigirá, só por si, diferentes velocidades na eliminação do grau de ajustamento monetário.

É amplamente consensual que todos os grandes bancos centrais devem adaptar a saída das medidas políticas extraordinárias às condições específicas das respectivas economias. Ao mesmo tempo, é evidente que a cooperação internacional, sob a forma de consultas no âmbito do G20 ou de reuniões regulares dos Governadores organizadas pelo Banco de Pagamentos Internacionais, foi muito útil no passado e continuará a sê-lo no futuro.

Quanto à coordenação com a política orçamental, importa mencionar que não deverá haver uma coordenação ex ante. Cada decisor político deve concentrar-se na sua própria área de responsabilidade e essa atitude deverá produzir as políticas adequadas. É claro que os esforços de consolidação orçamental envidados pelos governos da zona euro são tidos em conta na avaliação em tempo real dos riscos para a estabilidade dos preços. Em contrapartida, ao decidir a política orçamental a adoptar, os Governos sabem que o Eurossistema reage a qualquer risco de que a taxa de inflação ultrapasse o objectivo oficial para a política monetária. Nos modelos económicos modernos, há variáveis como o hiato do produto que desempenham um papel central na explicação dos riscos a curto prazo para a estabilidade dos preços e este conhecimento deve conduzir à aplicação espontânea e autónoma da combinação de políticas adequada. Porém, não pode haver, nem haverá, qualquer compromisso prévio em enveredar por um determinado tipo de acção no domínio da política monetária. Há um intercâmbio regular de informações entre o BCE e os governos dos países da zona euro. Todavia, a coordenação entre o BCE e esses governos não deve ir além daquilo que está previsto no Tratado.

10.      Qual é a sua perspectiva sobre a exposição assimétrica dos Estados-Membros a uma “estratégia de saída” do BCE? O que deverá ser feito para a minimizar?

A heterogeneidade é um elemento integral do mecanismo de adaptação na zona euro. No entanto, desde o início do euro, e ao contrário de algumas percepções muito difundidas, as diferenças em termos de crescimento do PIB e da inflação nos países da zona euro permaneceram em níveis historicamente baixos. Naturalmente, a política monetária, só por si, não pode nem deve reduzir essas diferenças. A União Económica e Monetária assenta na premissa de uma clara repartição das responsabilidades entre os decisores políticos; no compromisso dos responsáveis pelas políticas monetárias e não monetárias (incluindo, em especial, as autoridades orçamentais) de manterem as suas próprias casas em ordem; e num conjunto de salvaguardas destinadas a garantir que todas as partes cumprem as regras. As políticas macroeconómicas da zona euro devem ser orientadas por estes princípios básicos subjacentes à assinatura do acordo da UEM.

Tendo em conta estes princípios, a principal preocupação que norteia as considerações de saída monetária do BCE é, e deve ser, a de manter a estabilidade dos preços na zona euro em geral. Este compromisso do Eurossistema assegura a âncora nominal que constitui o mecanismo de coordenação implícita mais importante para todos os outros intervenientes, incluindo os decisores políticos orçamentais, com as suas várias responsabilidades, em especial quando formulam as suas próprias políticas de saída e de adaptação. Esta âncora não deve ser posta em risco, sobretudo num contexto de risco para estabilidade financeira.

Além disso, numa união monetária, os países devem utilizar os instrumentos que têm ao seu dispor para facilitar a sua adaptação, nomeadamente os instrumentos de política orçamental. A “saída orçamental” – ou melhor, a “adaptação orçamental” –, que será necessária nos próximos anos, constituirá, provavelmente, um desafio mais difícil para os governos do que a supressão progressiva das medidas extraordinárias constitui para o Eurossistema. Durante a crise, os governos permitiram, correctamente, que os défices aumentassem para que a política orçamental desse apoio à economia a curto prazo. Agora, porém, os défices públicos estão elevados – e, na verdade, muito elevados, em muitos países –, os rácios entre a dívida pública e o PIB são, na maioria dos casos, elevados e continuam a aumentar, e a atenção dos mercados financeiros está a focar-se cada vez mais nas questões de solvência das finanças públicas. Por conseguinte, é urgente que se tomem medidas para pôr a situação orçamental em ordem. A questão fundamental que se coloca à política orçamental, nesta conjuntura, não é a de saber “se” mas sim “em que medida” e “quando” iniciar a política de rigor orçamental. A condução correcta dessa política dependerá, em cada caso, da velocidade de recuperação da economia do sector privado. Enquanto a política orçamental estiver numa via insustentável, com os rácios da dívida pública ainda a crescer, os custos de se continuar a adiar a adaptação serão superiores aos custos de uma acção mais precoce.

Complementarmente à política orçamental, uma outra política de adaptação importante implica que as autoridades de supervisão financeira acompanhem a situação no seu sistema financeiro e resolvam, de forma descentralizada, os problemas ocasionais que possam encontrar. Tudo considerado, estou confiante de que a saída se fará sem dificuldades.

11.      Que medidas deverá o BCE tomar para evitar subsídios implícitos e distorções relacionadas com a aceitação de um conjunto mais vasto de garantias através do reforço do apoio ao crédito depois de Outubro de 2008?

É necessário combinar um amplo quadro dos activos de garantia com medidas adequadas para assegurar, em primeiro lugar, que o Eurossistema está protegido dos riscos financeiros e também que os incentivos para os bancos gerirem com prudência o seu risco de liquidez são preservados. A primeira medida, ao dispor do banco central, é garantir uma avaliação precisa dos activos ilíquidos e a aplicação dos factores de desconto adequados para ter em conta a falta de liquidez dos activos. Para isso é necessário aperfeiçoar constantemente as medidas de controlo dos riscos, via já seguida pelo Eurossistema antes de eclodir a crise dos mercados financeiros e que, desde então, se intensificou ainda mais. A segunda medida prende-se com os procedimentos aplicados em concursos públicos relativos às operações de política monetária. Esses procedimentos, aplicados pelo Eurossistema antes da eclosão da crise, garantem que a possibilidade de refinanciar um activo junto do banco central tem um preço adequado. A terceira medida, que está a ser preparada pelo Comité de Basileia no âmbito da revisão da regulamentação sobre o risco de liquidez, tem a ver com a imposição de políticas de supervisão e prudenciais mais rigorosas no que respeita à gestão deste risco. Em conjunto, essas medidas deverão garantir que os incentivos para que as contrapartes giram e avaliem prudentemente o risco de liquidez são preservados.

Tratando-se de evitar subsídios ou distorções, importa salientar que o Eurossistema possui um enquadramento adequado de controlo dos riscos, que minimiza esse risco. O perfil de risco dos vários activos é cuidadosamente controlado e os activos menos líquidos e com mais riscos são sujeitos a factores de desconto mais elevados do que os activos mais seguros e mais líquidos. Além disso, o Eurossistema controla continuamente o valor dos activos de garantia e pode assegurar um valor de cobertura adicional, se tal for considerado necessário para que as garantias permaneçam conformes com as orientações.

12.      Como encara o risco de liquidação relativo ao enorme volume de instrumentos de dívida titularizados (ABS) que o BCE aceitou como garantia?

As contrapartes do Eurossistema podem utilizar uma vasta gama de activos transaccionáveis e não transaccionáveis como garantia nas operações do BCE. Os activos transaccionáveis incluem uma vasta gama de títulos, como os instrumentos de dívida emitidos pelo governo, pelos bancos centrais, por empresas e por instituições de crédito[1]. Os instrumentos de dívida titularizados (ABS) constituem, assim, apenas um dos tipos de instrumentos que podem ser utilizados como garantia nas operações do BCE.

Até agora, o montante de garantias disponível para as operações do BCE tem sido suficiente, mesmo com a crise actual, para garantir o acesso das contrapartes à liquidez do Eurossistema. Na verdade, nos últimos anos, as garantias avançadas têm correspondido a uma percentagem relativamente pequena dos activos elegíveis totais e a mais do dobro do crédito por liquidar pelo Eurossistema.

Quanto aos ABS, em particular, gostaria de lembrar que, quando o Conselho do BCE decidiu alargar a lista de activos elegíveis, manteve regras mais estritas em relação aos ABS, devido ao risco de crédito e de liquidez destes activos. A notação de crédito mínima para a elegibilidade dos ABS foi mantida em A- e, depois de conhecidos os resultados da revisão bienal das medidas de controlo dos riscos, em Setembro de 2008, os ABS foram classificados na categoria de liquidez mais baixa, o que implica um factor de desconto de 12% (é aplicado um factor de desconto adicional aos ABS sujeitos a uma avaliação teórica, isto é, os menos líquidos). Em Janeiro de 2009, o Conselho do BCE aperfeiçoou ainda mais as suas medidas de controlo dos riscos dos ABS com o objectivo de contribuir para restabelecer um funcionamento adequado do respectivo mercado. Estes aperfeiçoamentos incluíram a concessão de uma notação AAA, no mínimo, no momento de emissão, por duas agências de notação (mantendo o A durante o resto da vida dos ABS) e a proibição da existência de outras parcelas de ABS nos activos subjacentes aos ABS elegíveis.

Neste contexto, os eventuais riscos de liquidação decorrentes da quantidade de ABS existente nas garantias são mínimos, quer para o Eurossistema, graças ao enquadramento de gestão dos riscos, quer para o sistema bancário, em virtude do amplo conjunto de activos elegíveis que está disponível.

13.      Num contexto de aumento dos défices públicos e dos rácios de dívida, e estando 13 dos 16 Estados-Membros da zona euro sujeitos a um procedimento por défices excessivos, que avaliação faz da actual aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento?

A crise económica e financeira justificou um afrouxamento da política orçamental em 2009. Contudo, a adopção de medidas de estímulo orçamental coordenadas excedeu o quadro orçamental consagrado no Tratado e no Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC). O PEC permite alguma flexibilidade na fixação dos prazos para corrigir os défices excessivos, em caso de circunstâncias especiais ou de uma alteração das circunstâncias. Uma vez que a profunda recessão, combinada com uma crise do mercado financeiro mundial, constitui um caso de circunstâncias especiais, a Comissão e o Conselho ECOFIN entenderam que os prazos para a correcção dos actuais défices excessivos seriam fixados num quadro de médio prazo. Mesmo assim, para a maioria dos Estados-Membros, o ajustamento estrutural anual necessário para cumprir os prazos é muito exigente, requerendo medidas suplementares apreciáveis. Neste contexto, a actual aplicação do Pacto de Estabilidade e Crescimento afigura-se adequada e deverá ser rigorosamente levada a cabo.

Em alguns países, os défices aumentaram para níveis de dois dígitos, coincidindo com reduções das notações atribuídas às emissões soberanas e com reacções adversas dos mercados financeiros. Se os governos não começarem imediatamente a sair da situação de afrouxamento orçamental relacionado com a crise, a dívida pública na zona euro depressa aumentará para níveis superiores a 100% do PIB.

Esta evolução poderia causar danos graves à confiança que o público deposita na sustentabilidade das finanças públicas e exerceria, desse modo, um efeito desestabilizador na zona euro em geral. Por conseguinte, a aplicação rigorosa e integral das disposições do Pacto de Estabilidade e Crescimento reveste-se da máxima importância para restaurar a sustentabilidade das finanças públicas e garantir o bom funcionamento da UEM. O Conselho ECOFIN, em conformidade com as disposições do PEC, aprovou recomendações com vista à correcção dos défices excessivos nos países da zona euro, tendo fixado, na maioria dos casos, um prazo até 2013. Estas recomendações devem ser claramente entendidas como o esforço mínimo necessário para restabelecer situações orçamentais sólidas e sustentáveis. Compete agora aos decisores políticos nacionais honrarem os compromissos que assumiram no âmbito do Quadro Orçamental Europeu e adoptarem estratégias de consolidação orçamental credíveis e bem especificadas.

14.      No seu entender, os procedimentos previstos no Pacto de Estabilidade e Crescimento são suficientes para garantir o regresso dos Estados-Membros à disciplina orçamental e à sustentabilidade das finanças públicas a longo prazo? Como podem ser as regras do Pacto utilizadas para prevenir um procedimento por défices excessivos? Que avaliação faz do desempenho dos Estados‑Membros nas conjunturas positivas, no que diz respeito à redução do seu défice global?

O actual quadro orçamental da UE, tal como está consagrado nas disposições pertinentes do Tratado e no Pacto de Estabilidade e Crescimento, define as condições prévias de natureza jurídica e institucional para alcançar e manter a solidez das finanças públicas. Os limites máximos aplicáveis ao défice e à dívida pública, em especial, bem como os objectivos orçamentais de médio prazo, estabelecem parâmetros de referência comuns e coerentes para o exercício da prudência orçamental em todos os Estados-Membros. Deste modo, se essas disposições forem integralmente respeitadas e aplicadas com rigor, constituem um instrumento adequado para ancorar e coordenar as estratégias de consolidação orçamental e para orientar as finanças públicas numa trajectória de sustentabilidade.

Simultaneamente, para que estas disposições sejam eficazes, os Estados-Membros devem cumprir as responsabilidades que lhes incumbem nos termos do Pacto. Para o efeito, é necessário que apliquem mais energicamente o quadro orçamental da UE a nível nacional. Os Estados-Membros devem, em especial, reforçar as suas instituições orçamentais internas de modo a adoptarem uma atitude orçamental prudente e orientada para a estabilidade, nomeadamente durante as conjunturas favoráveis, que é necessária para cumprirem os objectivos comuns estabelecidos pelo Pacto de Estabilidade e Crescimento. Estas instituições também devem ser orientadas para um aumento da prudência orçamental fora das épocas de crise, medida que parece particularmente justificada à luz das recentes experiências vividas pelos Estados-Membros: embora a desaceleração causada pela crise financeira e económica tenha afectado gravemente as finanças públicas, o grau de deterioração orçamental patente em muitos países também reflecte uma incapacidade de consolidar as finanças públicas em períodos de condições económicas favoráveis. Em especial, os países que tinham situações orçamentais fracas ou vulneráveis no início da desaceleração enfrentam agora, de um modo geral, necessidades mais prementes de ajustamento orçamental.

15.  Como avalia a relação e a cooperação existentes entre o BCE, o Conselho e/ou o Eurogrupo? Considera que a coordenação e a vigilância económica no interior do Eurogrupo devem ser melhoradas com base no Tratado de Lisboa?

O BCE participa nas reuniões do Conselho ECOFIN – que é a principal instância de coordenação das políticas económicas dos Estados-Membros –, sempre que as questões relativas aos objectivos e tarefas do BCE são debatidas. Além disso, o BCE participa nas reuniões do Eurogrupo.

As relações entre o BCE e o Conselho (ECOFIN) ou o Eurogrupo não se processam apenas num sentido. De facto, o Tratado (e os Estatutos do SEBC e do BCE) prevêem explicitamente a possibilidade de o Presidente do Conselho participar nas reuniões do Conselho e do Conselho Geral do BCE. Na prática, o Presidente do Eurogrupo participa nas reuniões do Conselho do BCE (ao mesmo tempo, o Tratado exclui expressamente a possibilidade de o Presidente do Conselho ter direito a voto quando participa nas reuniões do Conselho do BCE).

Esta interacção ao mais alto nível reforça o fluxo de informação entre todas as partes envolvidas, promove a compreensão mútua das ideias políticas uns dos outros e permite um diálogo sobre questões de interesse comum, no pleno respeito das respectivas responsabilidades. Em particular, as reuniões mensais do Eurogrupo, realizadas na véspera da reunião do Conselho ECOFIN, constituem um fórum para os decisores políticos da zona euro debaterem as questões ligadas às responsabilidades específicas que partilham em relação à moeda única e possibilitam um diálogo franco, num clima de confiança e respeito mútuos.

Olhando em retrospectiva o período decorrido desde a criação do BCE, em 1998, esta interacção intensificou-se ao longo do tempo, tendo as convulsões financeiras de Agosto de 2007 assinalado o início de um diálogo mais intenso entre o BCE e o Conselho ECOFIN.

A vigilância da zona euro exige uma maior coordenação, sobretudo em dois domínios políticos: a competitividade e a evolução orçamental. Este facto já foi reconhecido pelo Eurogrupo, que decidiu iniciar uma vigilância, durante dois anos, da evolução da competitividade na zona euro, incluindo a adopção de recomendações específicas por país. Desde a introdução da moeda única, vários países da zona euro têm sofrido uma persistente perda de competitividade e debatem-se com défices relativamente importantes das suas balanças correntes. Outro grupo de países foi afectado por debilidades estruturais nos seus resultados de exportação. Por último, há um grupo de países que acumularam grandes excedentes das balanças correntes. Como esta tendência de crescente divergência não é sustentável, há que intensificar a coordenação das políticas e encontrar respostas políticas adequadas a nível nacional para eliminar as debilidades subjacentes.

O novo Tratado de Lisboa, nomeadamente os artigos 121.º e 136.º do TFUE, dota os países da zona euro de novos instrumentos para aplicarem esses ajustamentos políticos, caso os diversos países não os adoptem a nível individual. O Eurogrupo é a instância em que tais processos devem ser activados. Além disso, o novo Tratado dispõe que as decisões adoptadas pelo Conselho no âmbito do Pacto de Estabilidade e Crescimento relativamente aos países da zona euro apenas serão tomadas por estes países, com excepção do Estado-Membro em causa. O Eurogrupo deve explorar plenamente esta possibilidade jurídica e garantir, assim, a sustentabilidade das finanças públicas. Aguardo com expectativa a Comunicação da Comissão sobre este assunto.

16.      No seu entender, quais são os objectivos mais importantes da próxima Estratégia para o Crescimento e o Emprego até 2020? Por favor, enumere por ordem de importância as reformas estruturais que considere prioritárias na UE e justifique as suas escolhas. Como é que o BCE e os instrumentos de coordenação da política económica (Orientações Gerais de Política Económica e Orientações para o Emprego) poderão contribuir para o êxito desta estratégia? Que percepção tem das possibilidades de aumentar a procura interna e estimular os investimentos no interior da UE?

A Estratégia 2020 da UE terá mais eficácia se se mantiver claramente concentrada nos objectivos primordiais de continuar a aumentar o crescimento potencial, criar níveis elevados de emprego e manter a sustentabilidade das finanças públicas. Será a melhor forma de contribuir para a inclusão social e a melhoria das condições de vida dos cidadãos europeus.

É necessário reforçar a vigilância sobre as políticas dos Estados-Membros, a fim de melhorar o cumprimento dos compromissos assumidos ao abrigo da nova Estratégia 2020 da UE. Neste aspecto, é fundamental que essa estratégia estabeleça um número limitado de metas ambiciosas e específicas para cada país (incluindo no mercado interno), de que os Estados‑Membros se apropriem firmemente. A melhor forma de a nova Estratégia 2020 da UE apoiar as políticas estruturais e de emprego é permanecer centrada nos objectivos políticos prioritários de aumentar o crescimento potencial e criar níveis de emprego elevados. Além disso, a estratégia deve incluir a maior interdependência entre os membros da zona euro e a sua responsabilidade comum pelo funcionamento desta última e, consequentemente, a necessidade de maior coerência e coordenação das políticas económicas e orçamentais entre os membros da zona euro. Deve atender, em especial, às divergências em matéria de competitividade surgidas entre estes desde a introdução da moeda única, com base na análise da competitividade recentemente elaborada. Em termos práticos, considero útil a definição de orientações políticas mais específicas, nomeadamente de orientações exclusivamente dirigidas aos membros da zona euro, como o novo artigo 136.º do TFUE no Tratado de Lisboa permite agora. Aguardo, por isso, com expectativa a Comunicação da Comissão sobre esta matéria, que deverá ser publicada na Primavera de 2010.

O BCE pode contribuir mais eficazmente para o êxito da Estratégia 2020 da UE quando, no âmbito da sua política monetária, se centra credivelmente na estabilidade dos preços e apoia, desse modo, o poder de compra das famílias da zona euro. Note-se, neste contexto, que com um melhor funcionamento do mercado único europeu a política monetária tem mais facilidade em manter a estabilidade dos preços e apoiar o crescimento.

Consequentemente, as medidas de reforma estrutural devem procurar aumentar a concorrência para acelerar a reestruturação e o investimento e abrir caminho a novas oportunidades de negócio, em especial no sector dos serviços. Isto é crucial para construir um crescimento sustentável da produtividade, que apoie o produto potencial e o rendimento real, e evitar que a crise actual afecte o crescimento potencial da zona euro a longo prazo. A nível da UE, são marcos importantes no reforço da concorrência e da eficiência económica a conclusão do mercado único, a correcta transposição das regras comuns para as legislações nacionais e o seu cumprimento rigoroso.

Além disso, é necessária uma maior flexibilidade salarial, de modo a que a fixação dos salários contribua para um ajustamento dos custos unitários do trabalho na zona euro, através do alinhamento dos salários com a competitividade, as condições do mercado de trabalho local e a evolução da produtividade, sobretudo em períodos de desaceleração. A fim de evitar um maior aumento do desemprego, a evolução dos salários tem de ser mais moderada do que até agora previam as negociações salariais, nos países que sofreram perdas de competitividade no passado e nos sectores mais gravemente afectados pela crise.

A revitalização da procura interna, na actual fase de baixo crescimento, exige que a confiança das famílias e das empresas aumente, nomeadamente em relação aos fluxos de rendimento futuros. Neste aspecto, as medidas a curto prazo de apoio à crise, tomadas até agora – sobretudo as que favorecem o ajustamento do número de horas trabalhadas – conseguiram, em alguns casos, reduzir as perdas de emprego. No entanto, a médio prazo, as políticas temporárias que adiam a introdução de alterações estruturais nas economias acarretam custos orçamentais desnecessários e geram ineficiências que comprometem a sustentabilidade do emprego e o crescimento do rendimento real. Por conseguinte, são necessárias estratégias de saída claras e credíveis para promover a procura e o emprego a médio prazo. Nesta matéria, as políticas orçamentais devem melhorar a eficiência e a qualidade da despesa pública e procurar reforçar o investimento e, consequentemente, o produto potencial.

Um último domínio que a Estratégia de Lisboa deve impulsionar, a meu ver, é o sector da energia. Para além das questões relativas às alterações climáticas, a excessiva dependência do petróleo e de outros recursos não renováveis constitui uma potencial vulnerabilidade e uma possível fonte de instabilidade macroeconómica. Neste aspecto, não se deve ignorar o papel que as flutuações dos preços do petróleo e o seu impacto na zona euro desempenharam na recente crise. Por conseguinte, a promoção de estratégias que visem dotar-nos de fontes de energia alternativas fiáveis e de um sector energético eficiente deverá ser uma das principais prioridades da próxima estratégia para o crescimento e o emprego.

17.      Que opinião tem sobre o ritmo do alargamento da zona euro, tanto do ponto de vista desta última como do ponto de vista dos países candidatos? Como avalia a introdução do euro pelos novos Estados-Membros até agora? Considera necessário melhorar ou alterar o processo de adesão e/ou o período de introdução do euro?

Desde a introdução do euro em onze Estados-Membros, em 1999, cinco outros Estados‑Membros adoptaram a moeda única (incluindo quatro países que aderiram à UE em 2004). Os benefícios do euro também se disseminaram, assim, crescentemente aos novos Estados-Membros, o que demonstra que a zona euro não é uma "sociedade fechada". Não há um calendário previamente definido para o alargamento da zona euro. Prevê-se que todos os Estados-Membros que aderiram à UE desde 2004 adoptem o euro, assim que tiverem atingido um elevado grau de convergência sustentável, tal como o Tratado e o Protocolo prescrevem. Essa adopção exige uma preparação cuidadosa e não deve ser encarada com ligeireza.

A experiência dos Estados-Membros que adoptaram o euro confirma que, quando aceitamos a entrada de novos membros na zona do euro, devemos estar muito atentos à sustentabilidade da convergência. Atingir um elevado nível de convergência sustentável é essencial, em primeiro lugar, para o próprio país (para colher todos os benefícios da adopção do euro). É igualmente importante para a zona euro (uma vez que a realização da convergência sustentável de todos os países participantes é fundamental para a coerência da zona euro e para o bom funcionamento da política monetária única). A formulação de uma estratégia credível com vista à adopção do euro (acompanhada pela aplicação de políticas macroeconómicas sólidas e das reformas estruturais necessárias) pode contribuir para fomentar o empenhamento de todas as partes relevantes para a consecução deste objectivo.

Quanto ao processo de adopção do euro, a lógica fundamental do Tratado continua a ser correcta: os países devem certificar-se da solidez das suas políticas macroeconómicas. O quadro institucional que rege o processo de adopção do euro, tal como está consagrado no Tratado e no Protocolo, destina-se a garantir que as condições prévias para uma participação bem sucedida na zona euro se encontram reunidas. A observância estrita deste quadro é, por isso, crucial. Também é extremamente importante que a avaliação da convergência se baseie em quadros estatísticos fiáveis e de qualidade elevada.

18.      O que pensa da questão da tributação das operações financeiras, que é presentemente objecto de aceso debate? Esses impostos limitar-se-iam a obter receitas do sector financeiro, ou será mais provável que limitassem as operações socialmente indesejáveis? Qual seria o papel do BCE na aplicação de um imposto comunitário sobre as operações financeiras? Com base nos impostos sobre as operações financeiras já existentes (por exemplo, o imposto de selo no Reino Unido), que âmbito poderão ter esses impostos para serem eficazes? Qual seriam os seus riscos e inconvenientes? Um tal imposto será viável se alguns países não aderirem aos seus princípios? Quais poderão ser, usando os termos do G-20, as outras opções “para o sector financeiro poder dar uma contribuição justa e substancial” para o pagamento dos encargos associados às intervenções governamentais com vista ao restabelecimento do sistema bancário?

Começarei por manifestar o meu apoio à ideia de que “o sector financeiro pode dar uma contribuição justa e substancial para o pagamento dos encargos associados às intervenções governamentais com vista ao restabelecimento do sistema bancário”. Todavia, a noção de que a melhor forma de cumprir esse objectivo consiste na introdução de um imposto geral sobre as operações financeiras exige uma cuidadosa ponderação. Em primeiro lugar, é necessário esclarecer que o verdadeiro objectivo da introdução desse imposto seria gerar receitas do sector financeiro e não tanto reduzir a volatilidade dos mercados financeiros, nem reduzir os incentivos a uma tomada de riscos excessivos.

Para além da dificuldade em obter o acordo internacional necessário para impor um tal imposto a nível mundial e do facto de esse imposto ser pago, em última análise, por um aumento dos custos para os clientes dos serviços financeiros, é necessário avaliar cuidadosamente a própria capacidade de geração de receitas de um imposto sobre as operações financeiras. Em especial, não se pode aplicar simplesmente, de forma mecânica, uma taxa fiscal no valor, por exemplo, de 0,01% do montante total das operações no mercado financeiro, com o intuito de calcular as possíveis receitas, sem ter em conta o seu potencial impacto sobre i) o volume global das operações, ii) os preços a que as operações são executadas, e iii) outros efeitos induzidos.

Por conseguinte, em virtude da grande incerteza existente quanto à eficácia de um imposto sobre as operações financeiras, e ao seu potencial para gerar receitas, qualquer imposto deste tipo deve ser cuidadosamente avaliado em relação a alternativas possíveis. Tais alternativas, porém, para constituírem um instrumento eficiente de promoção da estabilidade do mercado financeiro no futuro, teriam de ser mais do que meros mecanismos de angariação de fundos. De facto, o G20 e o FMI estão a trabalhar em várias propostas que – para além de um imposto sobre as operações financeiras – prevêem também a tributação dos bónus e remunerações no sector financeiro (para evitar que os participantes no mercado corram riscos excessivos), bem como a tributação de rubricas do balanço a fim de evitar disparidades, podendo ser todas estas medidas combinadas com regimes de seguro para evitar a socialização de futuras perdas no sector financeiro.

Ao contrário do imposto supramencionado – que é exclusivamente aplicado às operações financeiras – estas opções concentram-se nas instituições individuais, com o intuito de reforçar a resiliência e a capacidade de absorção das perdas do sistema financeiro em geral. Neste contexto, por exemplo, está a ser analisada a possibilidade de impor requisitos prudenciais suplementares às instituições financeiras sistémicas que por serem “demasiado grandes para falirem” têm mais probabilidades de receber ajudas governamentais. Estes requisitos prudenciais suplementares – sob a forma de sobretaxas sobre o capital e/ou de capital contingente – visam aumentar a capacidade de absorção de perdas e a resiliência dos balanços dos bancos aos choques e reduzir, deste modo, indirectamente os custos que os contribuintes terão de suportar em futuros salvamento de bancos.

Outras medidas em análise pretendem gerar uma contribuição monetária das instituições financeiras, reduzindo, assim, directamente ou contribuindo para reduzir os custos (passados ou futuros) suportados pelas finanças públicas nas intervenções governamentais. Um caso notório é a introdução de uma taxa sobre os passivos das instituições financeiras, como a taxa de responsabilidade financeira introduzida nos EUA. Com o seu objectivo geral de obrigar o sector bancário a contribuir para a cobertura dos custos das crises financeiras, a intenção da administração dos EUA de introduzir uma “taxa de responsabilidade” poderia ser generalizada.

Neste quadro, gostaria de lembrar a posição – recentemente expressa pelo Eurossistema – de que o quadro de gestão e resolução da crise deveria tentar reduzir ao mínimo os possíveis encargos para contribuintes de eventuais crises das instituições financeiras. Congratulo-me, a este propósito, com a intenção manifestada pela Comissão de analisar mais aprofundadamente a viabilidade de mecanismos que possam garantir a disponibilidade de fundos do sector privado em períodos de crise (ver também a resposta à Pergunta 38).

19.      Que perspectiva tem do futuro da União Monetária Europeia a longo prazo e quais são os principais desafios futuros?

É crucial que, como europeus, continuemos a desenvolver o enorme êxito obtido no estabelecimento de uma moeda única no nosso continente. A proeza da União Europeia e da União Monetária não tem precedentes, e nós não devemos esquecer-nos de quanto já alcançámos.

Acredito que a união monetária europeia terá um futuro brilhante a longo prazo. A recente entrada em vigor do Tratado de Lisboa conferiu um novo impulso ao processo de integração europeia e este facto deverá melhorar o ambiente em que a união monetária opera. As preocupações e dúvidas legítimas, inicialmente sentidas a respeito do euro, deram lugar ao apreço pelo funcionamento da zona euro e pela sua importância para o bem-estar da economia desta zona, bem como, e cada vez mais, da economia mundial.

Dito isto, é claro que existem vários desafios, que se tornarão mais prementes, no futuro, nomeadamente devido à recente crise financeira.

Um primeiro aspecto diz respeito ao Pacto de Estabilidade e Crescimento. Depois da deterioração das contas orçamentais causada pela crise e pela resposta política que teve de lhe ser dada, os governos devem regressar a uma trajectória orçamental mais sustentável. Sem dúvida que isso exigirá ajustamentos dolorosos, que necessitarão de um período de adaptação bastante prolongado. Neste processo, é importante que os governos mantenham uma trajectória firme e não cedam à tentação de afrouxar as prescrições do Pacto de Estabilidade e Crescimento, pois isso teria implicações sérias para o funcionamento da união monetária.

Outro importante desafio tem a ver com o aprofundamento e o reforço da abordagem europeia à estabilidade financeira e ao risco sistémico. A criação do Comité Europeu do Risco Sistémico (CERS) é uma medida importante, mas ainda há muito a fazer na aplicação e no aumento da cooperação neste domínio. A longo prazo, é necessário adoptar uma abordagem europeia integrada à estabilidade financeira e ao risco sistémico, que crie condições para o desenvolvimento de um sistema financeiro robusto e menos propenso a crises. Além disso, será necessário ter em conta os riscos resultantes de causas mundiais, em colaboração com o FMI e o Conselho de Estabilidade Financeira.

Necessitamos, por isso, de consolidar os êxitos alcançados até agora e de prosseguir o caminho trilhado na primeira década da existência do euro. Isto implica que todos os intervenientes, todas as instituições a nível europeu e nacional, mas também todos os agentes económicos, honrem os seus compromissos e responsabilidades. Desta forma, conseguiremos enfrentar melhor os desafios a longo prazo susceptíveis de surgir num mundo rodeado de incerteza; para podermos continuar a prosperar enquanto sociedade.

Posso garantir que continuarei a fazer tudo o que estiver ao meu alcance para assegurar que a nossa moeda e o BCE continuem a progredir com base na credibilidade até agora adquirida.

20.      Que perspectiva tem dos papéis respectivos do Conselho, da Comissão do Eurogrupo e do BCE em termos de representação externa da zona euro?

A representação externa da zona euro reflecte a natureza especial da UEM como uma união que tem uma política monetária centralizada mas políticas económicas descentralizadas. Essa representação está dividida entre o Conselho, a Comissão, o Eurogrupo, o BCE e os Estados‑Membros, em conformidade com a repartição de poderes prevista no Tratado.

O BCE representa a política monetária e as suas outras responsabilidades a nível externo. Actua como a voz do Eurossistema e está representado nas principais instâncias internacionais com relevância para as tarefas do Eurossistema. Este sistema funciona bem.

A representação externa das políticas económicas da zona euro é mais fragmentada devido à divisão das responsabilidades a nível interno entre a União e os Estados-Membros. Estes últimos continuam a ser largamente responsáveis pelas políticas económicas e também são membros de instâncias económicas internacionais como o FMI, onde podem ter responsabilidades financeiras.

Ao mesmo tempo, a actual crise económica e financeira salientou a necessidade de reforçar a representação europeia para que a Europa possa representar eficazmente os seus interesses na cena internacional. O artigo 138.º do Tratado – que dispõe que o Conselho (na composição da zona euro) pode adoptar “posições comuns sobre as matérias que se revistam de especial interesse para a união económica e monetária” e “assegurar uma representação unificada nas instituições e conferências financeiras internacionais” – pode ser utilizado para esse fim. Os progressos dependem, todavia, da vontade política dos Estados-Membros.

21a.    Como avalia a recente evolução da taxa de câmbio USD/Euro?

Os acontecimentos nos mercados cambiais, nos últimos 18 meses, foram, em grande medida, configurados pela evolução da crise financeira. No auge da crise, os movimentos de carteira nas obrigações do Governo dos EUA proporcionaram um forte apoio ao dólar dos EUA face ao euro (e a outras moedas), no meio de uma volatilidade muito elevada do mercado financeiro. Quando as tensões financeiras abrandaram gradualmente, durante o ano de 2009, estes fluxos foram parcialmente anulados e o euro valorizou-se consideravelmente. Em consequência, no Outono de 2009, o euro foi transaccionado a níveis historicamente elevados, antes de se começar a desvalorizar, nos últimos dois meses. O BCE, através do seu Presidente, veio declarar publicamente, por diversas vezes nos últimos 18 meses, que nos congratulamos com as declarações das autoridades dos EUA de que um dólar forte é do interesse dos Estados Unidos.

21b.    Como avalia a recente evolução da taxa de câmbio Renminbi/Euro?

O renminbi valorizou-se moderadamente face ao euro, desde o início da reforma das taxas de câmbio da China, há quase cinco anos, nomeadamente cerca de 7,4%, entre Julho de 2005 e 22 de Fevereiro de 2010 (contra 21% face ao dólar americano e 14% em termos reais com base no índice de preços no consumidor). Essa moderação deve-se, sobretudo, à interrupção da política chinesa de valorização gradual da taxa de câmbio quando a crise eclodiu.

Congratulo-me, por isso, por a China manter o compromisso de avançar para uma taxa de câmbio mais flexível, o que deverá levar a uma valorização constante do renminbi, em termos reais, e ajudar a promover um crescimento mais equilibrado na China e na economia mundial.

21c.    Que avaliação faz da cooperação internacional no domínio das taxas de câmbio?

O BCE mantém um intercâmbio constante de pontos de vista sobre as configurações das taxas de câmbios mundiais com os seus parceiros do Grupo dos Sete (G7), cujo papel de liderança nas questões cambiais foi reafirmado na última reunião do Grupo em Iqaluit, Canadá, em 6 de Fevereiro de 2010. Juntamente com os seus parceiros do G7 e do G20, o BCE acompanha atentamente os mercados cambiais e coopera na medida do necessário.

O nível de entendimento mútuo dos dois lados do Atlântico é particularmente elevado e verifico com agrado que as autoridades dos EUA, incluindo o Presidente Bernanke e o Treasury Secretary [Ministro das Finanças dos EUA] Geithner, afirmaram que um dólar forte interessa à economia dos EUA, e também da própria economia mundial. O BCE também mantém um diálogo regular com as autoridades chinesas, de forma aberta e franca.[2]

21d.    Considera que os bancos centrais têm condições para combater eficazmente o excesso de volatilidade?

Os Governadores dos bancos centrais do G7 – juntamente com os Ministros das Finanças do G7 – reafirmaram o seu interesse comum num sistema financeiro internacional forte e estável, na sua última reunião, em Fevereiro de 2010.

Também deixaram claro que a excessiva volatilidade e os movimentos desordenados das taxas de câmbio prejudicam a estabilidade económica e financeira, e que iriam continuar a acompanhar atentamente os mercados cambiais e a cooperar na medida do necessário.

Quanto à capacidade dos bancos centrais para combaterem a excessiva volatilidade das taxas de câmbio, é preciso esclarecer que a zona euro adoptou um regime cambial flexível, o que significa que o valor externo do euro face às moedas de países terceiros é determinado pelo mercado. Isto permite que o BCE se concentre no seu objectivo – a preservação da estabilidade dos preços – e deverá contribuir para limitar a volatilidade das taxas de câmbio. Ainda assim, podem verificar-se episódios de aumento ou diminuição excessivos das taxas de juro, susceptíveis de afectar as tendências a nível dos preços e de pôr em risco a estabilidade dos mesmos na zona euro. Nestes casos, pode justificar-se uma intervenção dos poderes públicos para limitar a excessiva volatilidade das taxas de câmbio, desde que ela seja coordenada com os outros países. Uma característica geral da política cambial é ser, por definição, internacional. Uma taxa de câmbio não pode ser determinada por um país ou por uma zona económica; depende sempre das decisões de pelo menos duas partes envolvidas. Por conseguinte, a cooperação internacional é crucial para a eficácia da política cambial.

21e.    Que importância atribui, neste contexto, aos perigos decorrentes dos desequilíbrios globais?

A acumulação de grandes desequilíbrios nas balanças correntes a nível global foi um dos factores que contribuíram para a escalada de riscos sistémicos que desembocou na crise financeira. A crise está a provocar um estreitamento desses desequilíbrios que, todavia, é mais cíclico do que estrutural. Isto sugere que os desequilíbrios mundiais correm o risco de voltarem a dilatar-se à medida que a recuperação mundial se vai fortalecendo.

A natureza multilateral dos desequilíbrios mundiais implica que a responsabilidade pela sua resolução deve ser partilhada. O novo Quadro do G20 para um crescimento forte, sustentável e equilibrado constitui uma oportunidade para aumentar a vigilância das políticas macroeconómicas entre as principais economias, a fim de alcançar um crescimento mundial mais equilibrado e evitar o ressurgimento de grandes desequilíbrios globais. Agora é importante chegar a acordo a respeito de medidas políticas concretas e garantir que os compromissos são respeitados, com todas as principais economias a fazerem a sua parte.

21f.     Considera que o papel internacional do euro deve ser incentivado? Em caso afirmativo, de que modo?

Concordo com a política seguida pelo BCE desde o início da união monetária, em 1999, de não fazer campanha nem no sentido de promover nem no de obstar à utilização internacional do euro. A evolução do papel do euro no estrangeiro deve-se sobretudo às forças do mercado e às decisões do sector privado. O principal apoio que o BCE fornece indirectamente à maior utilização do euro nas operações internacionais resulta da prossecução de uma política monetária credível. O BCE acompanha o papel internacional do euro e informa regularmente o público a esse respeito, designadamente na sua apreciação anual do papel do euro enquanto moeda de investimento.

22.      Como se poderá aumentar a importância da zona euro e da sua moeda, em especial nas instituições financeiras internacionais? Que opinião tem sobre o actual nível de coordenação, por exemplo antes das reuniões do Conselho de Administração do FMI?

Desde o início do euro, há mais de uma década, a zona euro tornou-se progressivamente um parceiro estabelecido nas instâncias mundiais e nas instituições que se ocupam das questões económicas e financeiras, como o BPI, o G7, o G20, o FMI ou o Conselho de Estabilidade Financeira (CEF). É o resultado de um processo gradual, durante o qual padrões há muito existentes tiveram de ser alterados, tanto nas instituições como na mentalidade das pessoas. Embora não seja de somenos importância, afigura-se mais fácil mudar as primeiras do que a segunda.

As regras aplicáveis à participação nas instituições e instâncias mundiais tiveram de ser adaptadas à interacção com uma zona monetária e os seus participantes, em lugar dos representantes de cada um dos países. Para o efeito, o G7, por exemplo, convidou o Presidente do BCE e o Presidente do Eurogrupo para as suas reuniões e o FMI concedeu ao BCE o estatuto de observador, que lhe permite participar em várias reuniões do Conselho Executivo do FMI. Foram também criadas novas estruturas, por exemplo, os representantes europeus reúnem-se regularmente em Washington para trocar pontos de vista sobre os temas que serão seguidamente abordados nas reuniões do Conselho Executivo do FMI.

Já, pelo contrário, é mais difícil mudar a mentalidade dos intervenientes. Em consequência do advento da união monetária, as questões de política monetária e cambiais devem ser agora representadas a nível da União. Isto é relativamente evidente. Porém, já é menos evidente que também noutros domínios políticos se justifique uma coordenação de pontos de vista e um acordo sobre as mensagens comuns. Registaram-se alguns progressos, uma vez que muitos mandatos comuns sobre vários temas das agendas do G7, do G20 e do FMI têm sido, ao longo dos anos, coordenados em Bruxelas. Contudo, ainda não foi totalmente interiorizado que, afinal de contas, falar a uma só voz ajuda a atingir os objectivos comuns. Os países ainda entendem frequentemente as questões políticas internacionais como sendo uma prerrogativa nacional, não obstante o facto de a zona euro se encontrar exposta aos mesmos desafios globais. Essa atitude impede muitas vezes que os mandatos sejam mais do que o mínimo denominador comum e às vezes gera mensagens divergentes. Infelizmente, um coro de vozes divergentes não abre caminho a uma maior influência. Este facto poderá explicar a situação actual em que, por um lado, a influência da zona euro nas instituições financeiras internacionais ainda não é proporcional ao seu peso económico e financeiro, em comparação com outras partes importantes, e, por outro lado, se considera e se acusa, frequentemente, a zona euro (ou a União Europeia, em geral) de estar sobre-representada.

Futuramente, a Europa terá de reexaminar esta situação, nomeadamente devido à pressão externa exercida no âmbito do FMI (por exemplo, a abordagem de uma presidência única). No meu entender, os apelos para que se coordenem melhor os pontos de vista e se reconsidere a eventual existência de formas mais eficientes de representação nas instituições e instâncias internacionais, a fim de reforçar o peso da zona euro na cena internacional, são claramente justificados.

C.       Estabilidade e supervisão financeira

23a.    O que pensa dos projectos de propostas legislativas em matéria de supervisão financeira actualmente debatidos no Parlamento Europeu?

Os projectos de propostas legislativas actualmente debatidos pelo Parlamento Europeu inserem-se numa revisão global do quadro institucional da União Europeia para a supervisão, que inclui o reforço da supervisão microprudencial, através da criação do Sistema Europeu de Supervisão Financeira (SESF) (que compreende três Autoridades Europeias de Supervisão e a rede de autoridades nacionais de supervisão), e a designação do Comité Europeu do Risco Sistémico (CERS) como um novo órgão independente, responsável pela salvaguarda da estabilidade financeira mediante o exercício de uma supervisão macroprudencial a nível europeu, com a atribuição ao BCE de funções específicas nesta matéria com base no artigo 127.º, n.º 6, do Tratado.

O quadro institucional proposto é, em termos gerais, adequado pelas seguintes razões:

Do lado microprudencial, a criação do SESF propiciará uma maior coerência na condução da supervisão microprudencial a nível da UE. Neste contexto, as principais tarefas propostas para as Autoridades Europeias de Supervisão são amplamente adequadas para alcançar estes objectivos. Em especial, a elaboração de normas técnicas, orientações e recomendações permitirá encorajar uma aplicação coerente da legislação financeira da UE em todos os Estados-Membros e uma abordagem de regulamentação e supervisão comum a nível da União Europeia. Há um amplo consenso quanto ao objectivo de criar um conjunto único de regras comunitárias que sirva de base à prestação de serviços transfronteiriços pelos intermediários financeiros. Desse modo, garantir-se-á uma situação de igualdade de condições de concorrência e a protecção adequada dos segurados, dos outros beneficiários e dos consumidores em toda a Europa.

Do lado macroprudencial, a criação de um novo órgão responsável pela condução da supervisão microprudencial na União Europeia – o CERS – seria bem-vinda, uma vez que a recente crise financeira demonstrou a necessidade de reforçar a abordagem macroprudencial à regulamentação e supervisão do sistema financeiro no seu conjunto. A crise demonstrou igualmente a necessidade de avaliar as várias fontes de risco sistémico e as suas consequências para o sistema financeiro de uma forma exaustiva e oportuna. O CERS, ao identificar e avaliar os riscos sistémicos, ao emitir alertas precoces e recomendações, quando tais riscos são significativos, e ao acompanhar as medidas de seguimento, pode contribuir significativamente para a estabilidade do sistema financeiro da UE em geral. Neste contexto, também é adequado que os projectos de propostas legislativas prevejam que o BCE e o Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC) desempenhem um papel fundamental no funcionamento do CERS. Designadamente, a participação de todos os membros do Conselho Geral do BCE no CERS garantirá que a análise da estabilidade financeira do CERS beneficie da experiência macroeconómica, financeira e monetária dos bancos centrais da UE. Além disso, o BCE prestará apoio analítico, estatístico, administrativo e logístico ao CERS.

As propostas legislativas poderão, por conseguinte, proporcionar um reforço significativo da arquitectura de supervisão da UE, para que esta seja capaz de responder às exigências de regulamentação a nível mundial e europeu decorrentes da crise financeira. Além disso, e o que é mais importante, as novas estruturas constituirão um quadro regulamentar que deverá salvaguardar os significativos e valiosos progressos já efectuados em termos de integração financeira na UE, bem como promover uma maior integração.

No entanto, entendo que é necessário progredir mais em alguns aspectos. Num certo sentido, a solução que está a ser formulada fica a meio caminho entre uma abordagem puramente nacional à supervisão microprudencial e uma função de supervisão verdadeiramente pan-europeia. No futuro, a questão principal parece ser a de saber se as AES serão suficientes para garantir uma resposta unificada e eficaz à actividade dos grupos financeiros transfronteiriços, ou se será necessário avançar para outras medidas. Neste processo, a aplicação de um verdadeiro conjunto único de regras comunitárias criará uma das condições necessárias para um funcionamento eficaz e para conferir poderes às AES. Contudo, o elemento mais importante a considerar é que a responsabilidade e os poderes de supervisão financeira devem estar nas mãos daqueles que, em última análise, têm de pagar os eventuais custos do insucesso do sistema financeiro. A meu ver, qualquer avanço potencial para uma arquitectura de supervisão ainda mais integrada na Europa terá, por conseguinte, de ser antecedido da criação de uma rede de segurança europeia (incluindo um fundo de resolução de crises financiado ex-ante).

23b.    Que medidas recomendaria para reforçar as ligações entre a macro e a micro‑supervisão?

Uma condição essencial para o funcionamento eficiente e eficaz da nova arquitectura de supervisão europeia é garantir uma interacção adequada entre a função de supervisão macroprudencial da UE – representada pelo CERS – e a função microprudencial – representada pelo SESF. A arquitectura proposta visa concentrar o trabalho do CERS no nível macro e sistémico e numa perspectiva económica, ao passo que o trabalho do SESF será micro, prudencial e regulamentar. Neste contexto, é importante criar as sinergias correctas entre as funções micro e macroprudenciais para salvaguardar a estabilidade financeira e também para evitar sobreposições e duplicação de esforços. Isso exige uma distribuição de tarefas bem definida e processos de trabalho que permitam um apoio mútuo e a exploração de sinergias entre as duas funções.

Os projectos de propostas legislativas já contêm várias disposições que servirão de base à estreita colaboração entre o CERS e as AES. Designadamente:

· Em primeiro lugar, em termos de governação, os três presidentes das AES devem ser membros com direito a voto do Conselho Geral do CERS, e também do seu Comité Directivo. Em contrapartida, o CERS deve ser membro (sem direito a voto) do Conselho de Autoridades de Supervisão de cada uma das três AES. Além disso, as AES também devem estar representadas no Comité Técnico Consultivo, que será um dos principais fornecedores de dados técnicos ao CERS.

· Em segundo lugar, as AES devem ser sujeitas a um dever geral de estreita colaboração com o CERS. Neste contexto, já está previsto que elas sejam um dos principais fornecedores de informação ao CERS. Este último poderá solicitar-lhes informações sob uma forma resumida ou colectiva, em que não é possível identificar cada uma das instituições financeiras. O CERS também pode apresentar um pedido fundamentado às AES para fornecerem os dados sem ser sob essa forma resumida ou colectiva, quando estes últimos não forem suficientes.

· Em terceiro lugar, as AES devem apoiar a aplicação das recomendações formuladas a uma ou mais autoridades nacionais de supervisão competentes. As AES devem ser, em especial, solicitadas a utilizar os seus poderes para assegurar um acompanhamento em tempo útil. Além disso, quando uma autoridade nacional de supervisão não assegura esse acompanhamento, deve informar o Conselho de Autoridades de Supervisão da AES respectiva. Na sua resposta ao CERS, a autoridade nacional de supervisão deve ter em conta os dados fornecidos pela respectiva AES.

· Em quarto lugar, as AES serão responsáveis por acompanhar e avaliar a evolução dos mercados, sobretudo no que diz respeito às tendências microprudenciais relevantes, aos potenciais riscos e às vulnerabilidades. Para o efeito, a AES deve realizar testes de esforço adequados, em colaboração com o CERS. Os resultados desse acompanhamento e dessa avaliação devem ser transmitidos ao CERS.

· Em quinto lugar, o CERS e as AES também deverão cooperar no caso de uma situação de crise. As AES são obrigadas a notificar imediatamente o CERS de qualquer situação de emergência potencial. O CERS também pode intervir na declaração de uma situação de emergência.

A combinação destes mecanismos deve criar um quadro adequado para a estreita colaboração que deve ser mantida entre o CERS e as AES. É possível destacar os seguintes desafios:

· Em primeiro lugar, um aspecto crucial para a eficácia do CERS será o acesso a uma ampla base de informações, incluindo dados de natureza microprudencial, que possa fundamentar os alertas de risco e as recomendações políticas do CERS. Isto exigirá uma estreita interacção com as AES, sobretudo no sentido de garantir uma rigorosa confidencialidade na utilização dos microdados e evitar, na medida do possível, impor encargos suplementares às instituições financeiras em matéria de comunicação de informação. Consequentemente, o CERS e as AES terão de acordar disposições adequadas neste domínio.

· Em segundo lugar, o CERS necessitará de poder contar com a estreita colaboração das autoridades de supervisão pertinentes (do sector bancário, do sector dos seguros e do sector dos valores mobiliários) para controlar a exposição aos riscos no seio dos sectores financeiros. Para o efeito, haverá que criar ligações adequadas através das quais os resultados das análises e avaliações das AES e das autoridades nacionais de supervisão serão canalizados para o CERS. Reciprocamente, também deverão existir mecanismos para assegurar a comunicação das análises e avaliações dos riscos do CERS às autoridades de supervisão microprudencial e ajudar a aplicar as medidas políticas adequadas.

· Em terceiro lugar, as AES devem desempenhar um papel muito importante no que respeita à aplicação das recomendações do CERS, quando estas últimas são dirigidas às autoridades de supervisão. Em especial, deve conferir-se às AES a possibilidade de utilizarem os seus instrumentos para apoiar, na medida do possível, a aplicação das recomendações do CERS.

23c.    As propostas da Comissão atribuem um papel e uma responsabilidade adequados ao CERS?

As propostas da Comissão atribuem um amplo mandato ao CERS na supervisão macroprudencial do sistema financeiro da UE em geral. Em especial, o CERS deve ter em conta os riscos resultantes de acontecimentos ocorridos no sistema financeiro e a evolução macroeconómica. Este ampla função é adequada, visto que um dos principais ensinamentos da crise financeira refere-se à necessidade de tomar amplamente em consideração as possibilidades de surgimento de um risco sistémico devido à evolução da interconexão das instituições e mercados financeiros, que poderá aumentar a possibilidade de contágio, bem como devido à estreita interligação entre o sistema financeiro e a economia real. Deste modo, o amplo mandato do CERS não impõe quaisquer limitações a uma avaliação integral e minuciosa, por este último, dos riscos sistémicos emergentes.

Quanto às responsabilidades do CERS, estão principalmente ligadas à identificação dos riscos sistémicos e à definição do seu grau de prioridade, à emissão de alertas aquando da identificação de riscos sistémicos e à formulação de recomendações referentes a acções correctivas que devem ser adoptadas em resposta aos riscos identificados.

Neste contexto, o CERS beneficia de um amplo número de membros e da possibilidade de obter contributos de diversas fontes – de autoridades de supervisão e de todas as partes interessadas, públicas e privadas –, o que será importante para identificar os riscos e definir o respectivo grau de prioridade, bem como para emitir alertas de risco específicos e, quando necessário, formular recomendações.

Um dos principais desafios à eficácia do CERS será a emissão e aplicação dos seus alertas de risco e recomendações. O CERS necessitará de poder contar com os seguintes elementos:

· Em primeiro lugar, a qualidade das recomendações relativas aos alertas será crucial. Isto implica que o CERS necessitará de desenvolver uma base de informações, modelos analíticos e conhecimentos especializados suficientes para garantir a máxima qualidade. Será nesta que assentará, por seu turno, a sua credibilidade política. Um elemento importante, neste âmbito, será o conhecimento e a experiência das autoridades de supervisão, que serão necessários para formular recomendações específicas referentes a medidas de regulamentação e supervisão.

· Em segundo lugar, no que diz respeito ao processo de emissão e acompanhamento dos alertas de risco e respectivas recomendações, é adequado, como a proposta da Comissão prevê, que esses alertas e recomendações do CERS sejam directamente transmitidos aos respectivos destinatários, com uma transmissão em paralelo ao Conselho ECOFIN. Simultaneamente, os destinatários das recomendações devem prestar contas directamente ao CERS com base no princípio que consiste em “agir ou explicar”. Isto reforça a independência e a credibilidade do CERS.

· Em terceiro lugar, o CERS pode recorrer à publicação dos seus alertas de risco e recomendações, um instrumento susceptível de encorajar um seguimento adequado das mesmas. Além disso, prevê-se que o Conselho da UE e as AES possam apoiar a aplicação das recomendações do CERS.

Globalmente, as propostas da Comissão prevêem a atribuição de funções e responsabilidades adequadas ao CERS. É importante mencionar que a supervisão macroprudencial não deve ser encarada como um substituto para as responsabilidades de outras autoridades, nomeadamente das autoridades de supervisão. Pelo contrário, deve facilitar e complementar, quando necessário, a condução da supervisão microprudencial por parte das autoridades competentes.

23d.    O equilíbrio institucional entre as Instituições da União é adequado?

As instituições da UE participam no CERS a diferentes níveis. A Comissão é membro do Conselho Geral com direito a voto, o que tem razão de ser dado o seu papel nas iniciativas de carácter legislativo bem como na vigilância macroeconómica e financeira da União. O Conselho da UE está representado no Conselho Geral através da participação do Presidente do Comité Económico e Financeiro (CEF) como membro sem direito a voto. Isto reflecte o papel do Comité Económico e Financeiro no aconselhamento ao Conselho em questões relativas às políticas económicas e financeiras, incluindo a estabilidade financeira. O Conselho também está envolvido no procedimento previsto para os alertas de risco e recomendações, dado que receberá esses alertas e recomendações ao mesmo tempo que os seus destinatários, além de receber as comunicações destes últimos. O Parlamento Europeu está sobretudo envolvido nas obrigações de comunicação de informações do CERS (juntamente com o Conselho) e também na apreciação da eficácia da legislação ao fim de três anos de experiência. Isto também se justifica pelo papel do Parlamento relativamente à legislação e à responsabilização do CERS. O BCE está incumbido de prestar apoio analítico, estatístico e logístico, a fim de explorar as competências específicas dos bancos centrais.

O equilíbrio institucional é globalmente adequado, visto todas as instituições da UE estarem envolvidas no funcionamento do CERS, no âmbito das respectivas funções.

23e.    Que pensa, em termos gerais, da composição do CERS e do seu Comité Directivo?

Em conformidade com as propostas do Relatório De Larosière, é conveniente que o Conselho Geral do BCE forneça as bases para os membros com direito a voto do Conselho Geral do CERS. Os bancos centrais da UE têm boas condições para ser as principais autoridades responsáveis pela supervisão macroprudencial, dadas as estreitas ligações dos bancos centrais com os mercados monetários e financeiros para realizar as suas tarefas de política monetária. Além disso, o Conselho Geral do BCE é um órgão de decisão bem estabelecido, que desde 1999 realizou toda uma série de tarefas próprias de um banco central. Por conseguinte, a boa experiência com o Conselho Geral constitui uma boa base para um bom funcionamento do CERS. No que se refere ao Conselho Geral, implica também que o Presidente do BCE deve ser o Presidente ex officio do CERS e que o Vice‑Presidente do BCE deve ser membro do seu Conselho Geral.

É igualmente importante que façam parte do Conselho Geral os três presidentes das três autoridades de supervisão europeias, bem como os presidentes das autoridades de supervisão nacionais, na qualidade de membros sem direito a voto, dada a importância de uma estreita interacção entre o CERS, as autoridades de supervisão europeias e as autoridades de supervisão nacionais, conforme explicado supra. A participação da Comissão e do CEF é igualmente importante, dado o seu papel nas iniciativas legislativas, na vigilância macroeconómica e nas políticas económicas e financeiras.

A composição do Comité Director do CERS deve reflectir a do seu Conselho Geral, para assegurar que o Comité seja representativo do Conselho, cujas reuniões está incumbido de preparar. Assim sendo, a inclusão de cinco membros provenientes de bancos centrais (para além do Presidente e do Vice-Presidente do CERS) assegura um equilíbrio adequado entre os representantes dos bancos centrais nacionais e os outros membros do Comité Director. Assegura ainda uma representação suficiente dos bancos centrais nacionais pertencentes e não pertencentes à área do euro. No entanto, como a composição da área do euro mudará com o tempo, não seria aconselhável estabelecer uma atribuição específica e imutável de cargos num diploma legal.

23f.     Pode desenvolver o seu ponto de vista sobre os poderes do CERS: como garantir que os seus alertas e recomendações não podem ser ignorados pelos destinatários?

Conforme já referi, a eficácia dos alertas e recomendações dos CERS dependerá da sua qualidade, do mecanismo “agir ou explicar” entre o CERS e os destinatários, da possibilidade de o CERS publicar os seus alertas e recomendações e também do possível papel do Conselho da UE e das autoridades de supervisão europeias em termos de apoio à implementação dos alertas e das recomendações.

Um acompanhamento e uma avaliação atentos, por parte do CERS, do seguimento dado às suas recomendações serão decisivos. Sempre que o CERS considerar que as medidas tomadas ou que os motivos invocados para não terem sido tomadas quaisquer medidas são insuficientes, a pressão multilateral e a divulgação pública são dois instrumentos importantes a considerar. Tendo em conta o carácter sensível da informação subjacente e a perturbação que esta pode ocasionar em instituições e/ou mercados, a decisão de divulgar os alertas e as recomendações deve ser tomada pelo CERS numa base casuística. A combinação destes elementos deve fornecer um enquadramento de incentivos e mecanismos adequado, susceptível de aumentar a probabilidade de observância dos alertas de risco e das recomendações.

23g.    Na sua opinião, é o nível de divulgação pública adequado?

O trabalho do CERS, que assumirá a forma de avaliação de riscos, alertas e recomendações, terá um carácter sensível. Em particular, a divulgação das avaliações do CERS pode ter um impacto directo na percepção dos participantes do mercado das condições de estabilidade financeira. Nestas circunstâncias, a política de comunicação do CERS terá de ser cuidadosamente ponderada.

Simultaneamente, é importante para o CERS manter o público informado das suas actividades e contributos regulares para a salvaguarda da estabilidade financeira. Tal pode ser conseguido através da obrigação de o CERS apresentar relatórios ao Parlamento Europeu e ao Conselho, bem como através de publicações regulares sobre estabilidade financeira, destinadas a sensibilizar os participantes no mercado e o público em geral para determinados riscos e vulnerabilidades.

23h.    Vê um potencial conflito de interesses com o mandato do BCE em relação à política monetária?

O objectivo primordial do BCE é a manutenção da estabilidade dos preços. Este mandato do BCE/SEBC permanece inalterado. O Tratado não só estabelece, de forma inequívoca, a estabilidade dos preços como principal objectivo da política monetária, mas também define um mandato claramente hierarquizado ao referir um objectivo secundário.

O facto de atribuir ao BCE tarefas específicas relacionadas com o funcionamento do CERS é de saudar, porquanto tal reforça o contributo do BCE para a estabilidade financeira. Esta nova tarefa não deve ser considerada um objectivo adicional da política monetária. Em vez disso, esta nova tarefa deve contribuir para a estabilidade financeira, sem comprometer o objectivo primordial da estabilidade dos preços.

Em consequência, a criação do CERS não muda a clara atribuição de responsabilidades consagrada no Tratado. Mantém igualmente a integridade da análise macroeconómica geral realizada no âmbito do CERS, bem como a estrutura organizacional interna do BCE.

É importante assegurar que o CERS e todos os seus membros são independentes e não permeáveis a influências políticas. A este respeito, as actividades do BCE de apoio ao CERS não devem afectar a independência institucional, funcional e financeira do BCE, nem a prossecução pelo SEBC das atribuições que lhe estão cometidas pelo Tratado e pelos Estatutos do SEBC e do BCE, nomeadamente as suas tarefas independentes em matéria de estabilidade financeira e de supervisão para a economia da área do euro.

24a.    Como vê a evolução da arquitectura da supervisão europeia a médio e a longo prazo? Em particular, o que pensa de uma autoridade de supervisão europeia única?

A criação de três autoridades de supervisão europeias constitui um importante passo em frente. Permite aproveitar a experiência e o trabalho realizado pelos comités “Lamfalussy” de nível 3, que desempenharam um papel importante para promover a convergência da supervisão na Europa e para fomentar a confiança mútua entre as autoridades de supervisão nacionais. Com a criação de autoridades de supervisão europeias pretende‑se superar uma das maiores fragilidades desses comités, a saber, o carácter não vinculativo das suas orientações. A possibilidade de emitir normas técnicas juridicamente vinculativas permitirá criar uma série de regras para os serviços financeiros da UE, o que promoverá a equidade e contribuirá para uma adequada protecção dos depositantes, investidores e consumidores europeus.

Para o médio a longo prazo, não concordo com a ideia de uma única autoridade de supervisão europeia; aliás, em geral, o desempenho desse tipo de solução a nível nacional durante a crise financeira deve alertar-nos contra a sua adopção a nível europeu. Reconheço os méritos da existência de uma única autoridade para a supervisão prudencial de todas as instituições financeiras, incluindo bancos, seguradoras e fundos de pensões. A supervisão e a regulação devem acompanhar a evolução dos mercados financeiros e não há dúvida de que temos vindo a testemunhar uma progressiva integração entre os diferentes subsectores do sistema financeiro, da qual a emergência de conglomerados financeiros é apenas a implicação mais óbvia. No contexto actual, é, pois, importante que a supervisão adopte uma abordagem integrada que lhe faculte uma compreensão aprofundada dos (não tão) novos modelos empresariais, em vez de uma abordagem distinta para os bancos e para as seguradoras, que pode não lhe permitir captar as interconexões entre subsectores e os riscos associados.

Por outro lado, estabeleço uma clara distinção entre supervisão de instituições financeiras e supervisão de mercados de valores mobiliários. É importante reconhecer que os objectivos destas duas funções são fundamentalmente distintos, entrando realmente em conflito em certas ocasiões, e que até mesmo o modus operandi e os recursos documentais das duas áreas de supervisão financeira têm poucas similaridades. O eventual conflito de interesses decorre do facto de a supervisão de instituições dever ter como principal objectivo público a defesa dos interesses dos depositantes e dos clientes, enquanto a perspectiva da supervisão do mercado de valores mobiliários consiste em acautelar, em primeiro lugar, os interesses dos investidores e dos accionistas. Estes dois princípios em relação à preocupação com a estabilidade institucional dão origem a duas atitudes diferentes.

Na minha opinião, há igualmente fortes argumentos a favor de a supervisão da condução dos negócios das instituições financeiras, nas suas relações com os clientes, ser realizada em grande proximidade com a supervisão prudencial. O mais notável desses argumentos prende‑se com o facto de a regulação e a supervisão dos produtos e serviços da banca de retalho e dos seguros, bem como da forma como estes são divulgados e vendidos aos clientes, ser susceptível de ter implicações para a rentabilidade e a solvência das instituições financeiras e, portanto, para a supervisão prudencial. Além disso, há importantes externalidades negativas resultantes de um inadequado tratamento da informação recolhida no contexto da supervisão da condução dos negócios, havendo mesmo casos recentes de problemas prudenciais significativos desencadeados por uma condução inadequada dos negócios na relação dos bancos com os seus clientes de retalho. Considerando todos estes elementos, tendo a inclinar‑me para um modelo com dois vértices (twin-peaks) de supervisão microprudencial, assente em dois grandes pilares institucionais: por um lado, a supervisão prudencial de todas as instituições financeiras, bem como a protecção da banca de retalho tradicional e dos clientes de seguros, incluindo tanto a salvaguarda dos seus fundos como a protecção dos seus interesses na relação comercial com instituições financeiras; por outro, a salvaguarda da integridade e da eficácia dos mercados de valores mobiliários, incluindo a protecção dos investidores nesses mercados.

24b.    Como vê o futuro papel do BCE na supervisão da banca?

De um modo geral, a experiência adquirida com a crise financeira reforçou os argumentos a favor da participação dos bancos centrais na supervisão prudencial. Num sistema financeiro cada vez mais centrado no mercado e interligado, aumenta a probabilidade de as perturbações afectarem mecanismos centrais do mercado, como a distribuição de liquidez, de terem implicações transfronteiriças e de se propagarem de forma cada vez mais imprevisível. Uma apreciação apropriada desta dinâmica requer uma perspectiva sistémica transfronteiriça, bem como recursos e competências adequados para análises de estabilidade financeira, como é o caso dos bancos centrais. Acresce que, durante a crise financeira, as sinergias entre as tarefas dos bancos centrais e as funções de supervisão foram evidentes, nomeadamente no que respeita à recolha e à avaliação de informações. Para aproveitar essa experiência, diversos Estados‑Membros prevêem reforçar o papel dos bancos centrais em matéria de supervisão prudencial. Esta evolução pode, com o tempo, sugerir uma reapreciação do papel institucional do BCE e da possibilidade oferecida pelo Tratado de atribuir ao BCE tarefas específicas no domínio da supervisão prudencial, nomeadamente à luz de novos alargamentos da área do euro e da necessidade de uma supervisão mais intensa das instituições consideradas “demasiado grandes para falirem”.

O enquadramento institucional do Eurossistema assenta numa abordagem operacional descentralizada, que permite explorar plenamente as competências das autoridades nacionais e as infra‑estruturas existentes. Este enquadramento revelou‑se eficaz para gerir as tarefas institucionais cometidas pelo Tratado, também no contexto da crise financeira. Pode constituir um enquadramento adequado para o exercício de responsabilidades de supervisão. Vale a pena sublinhar que os argumentos normalmente utilizados para prescrever cautela em relação à participação dos bancos centrais na supervisão financeira não são sustentáveis a nível nacional, no contexto da união monetária europeia.

25.      Até que ponto e a que ritmo devem as instituições financeiras aumentar o seu capital próprio?

Para fazer face aos riscos futuros, os bancos terão de ser particularmente conscienciosos ao assegurar que possuem as reservas de capital adequadas. Nesta perspectiva, concordo com o principal objectivo da regulamentação prevista pelo Conselho de Estabilidade Financeira e pelo Comité de Supervisão Bancária de Basileia e com a sua introdução em 2012, desde que sejam previstos os indispensáveis períodos de transição e princípios de anterioridade. Além disso, alguns bancos, especialmente aqueles que receberam apoio público, podem necessitar de uma profunda reestruturação para confirmar a sua viabilidade a longo prazo quando deixarem de beneficiar desse apoio. Tal pode implicar a redução dos balanços, devido à alienação de negócios inviáveis para melhorar a sua capacidade de gerar benefícios. Simultaneamente, os bancos devem aproveitar plenamente a recente recuperação da sua rentabilidade para reforçar o seu capital, de modo a que a necessária reestruturação dos negócios e o reforço da capacidade de amortecer os choques não afectem materialmente a concessão de crédito à economia.

26.      Como podem ser eliminadas as perturbações da concorrência que se desenvolveram após a crise e as medidas de recuperação tomadas pelos governos e pelos bancos centrais dos Estados-Membros?

Embora as medidas governamentais de apoio ao sistema financeiro tenham sido eficazes para evitar uma escalada da crise financeira, há a preocupação de que as medidas de apoio possam ter criado significativas distorções da concorrência (i) no interior dos países, porquanto o apoio governamental e os regimes de recuperação conferem aos bancos beneficiários uma vantagem em relação aos bancos que não têm acesso a regimes de apoio e (ii) entre países, quando o apoio público de um país é mais favorável do que o de outros países. Embora os esforços de harmonização das medidas de apoio na UE tenham contido o efeito de distorção, surgiram alguns elementos que apontam para distorções da concorrência.

A Comissão Europeia, que é responsável pelo acompanhamento da situação do mercado e pela análise das medidas de apoio público dos Estados-Membros, não comunicou até agora qualquer caso de distorção significativo. Simultaneamente, os spreads das obrigações garantidas pelos governos dão uma indicação de distorções potenciais. Estes spreads divergem em bancos com a mesma notação, mas sedeados em países diferentes, o que sugere que o risco soberano é determinante para estes spreads, mas que também aponta para uma distorção que faz com que “bancos fracos de países fortes obtenham financiamento mais barato”. É provável que seguros de depósitos melhorados distorçam a concorrência transfronteiras. Contudo, é provável que tanto os programas de obrigações garantidas pelos governos como os seguros de depósitos melhorados sejam gradualmente suprimidos ao longo dos próximos meses, eliminando‑se, desta forma, as principais fontes de distorção da concorrência, embora não possa ser excluída a possibilidade de o impacto temporário nos factores de concorrência ter um impacto duradouro na concorrência no mercado.

Outra indicação vaga de que o grau de concorrência no sector bancário dos países da área do euro pode ter mudado pode ser extraída do facto de a dispersão entre países das taxas de empréstimos e depósitos da banca a retalho ter registado um marcado aumento na segunda metade de 2008 e ter permanecido elevada (numa perspectiva histórica) durante 2009. Para além de reflectir factores idiossincráticos que afectam bancos individuais, não se pode excluir a possibilidade de esta evolução reflectir igualmente, até certo ponto, efeitos na concorrência transfronteiriça desencadeados por diferenças nas medidas de apoio governamental, que, através dos seus efeitos nos custos de financiamento dos bancos individuais, se repercutem nas taxas de juros oferecidas aos clientes de retalho dos bancos. Dito isto, a evidência empírica sugere que, mesmo durante a crise financeira, a repercussão das taxas políticas nas taxas de juros da banca de retalho da área do euro funcionou, no essencial, de acordo com a experiência histórica. Além disso, as informações do inquérito aos bancos sobre o mercado de crédito do Eurossistema também não sugerem que a concorrência (ou a sua ausência) tenha sido determinante para as normas de concessão de crédito claramente mais restritivas observadas a partir do terceiro trimestre de 2007.

As medidas de apoio do banco central no âmbito do Eurossistema visam o sector bancário no seu todo e, nessa qualidade, acarretam menos riscos de tratamento discriminatório. Embora não sejam necessariamente isentas do risco de introduzir determinadas distorções do mercado, o risco de estas medidas introduzirem distorções de concorrência entre bancos é limitado, pelo menos a curto prazo. Isto aplica‑se tanto às operações de refinanciamento normalizadas oferecidas pelo Eurossistema às instituições financeiras monetárias (FMI) como às medidas não normalizadas introduzidas durante a crise financeira. De uma perspectiva internacional, as medidas de política monetária não normalizadas introduzidas pelo Eurossistema a partir de Outubro de 2008 são algo diferentes das medidas introduzidas pelos bancos centrais noutras jurisdições, o que pode ter afectado a equidade entre os bancos a nível mundial (e também entre os bancos da área do euro e de fora da área do euro). Todavia, importa não esquecer que as medidas tomadas pelos bancos centrais de todo o mundo no contexto da crise foram concebidas tendo em conta as especificidades das estruturas financeiras e económicas das suas economias respectivas. Além disso, os enquadramentos operacionais dos bancos centrais de todo o mundo também eram diferentes antes da crise financeira. Por último, quaisquer distorções que as medidas tomadas pelos bancos centrais para fazer face à crise implicassem a nível internacional cessariam logo que as medidas fossem suprimidas, pelo que não era previsível que estas tivessem qualquer efeito duradouro na concorrência no sector bancário.

Embora se afigure que, em princípio, as distorções da concorrência no sector bancário foram, em larga medida, contidas, as distorções de incentivos representam outra importante preocupação decorrente das medidas de apoio. Mais concretamente, as medidas de recuperação foram tomadas, principalmente, em apoio de bancos grandes e sistemicamente importantes, cuja falência poderia ter ameaçado a estabilidade do sistema financeiro. Em consequência, estes bancos podem estar a beneficiar de percepções de mercado que passam por uma garantia de co‑responsabilização do governo, o que lhes permite realizar negócios rentáveis, mas arriscados, sem a disciplina de mercado adequada. Foram avançadas várias propostas para lidar com esta questão das instituições “demasiado grandes para falirem”.

27.      Como podem as instituições financeiras ser forçadas/incentivadas a reduzir a sua apetência pelo risco?

A reforma legislativa em curso sobre o reforço da resistência do sistema financeiro irá conter diversos elementos de incentivo a uma gestão prudente dos riscos por parte dos bancos. Neste contexto, as propostas formuladas pelo Comité de Basileia aumentarão os incentivos à moderação da apetência pelos riscos ao exigirem uma cobertura mais ampla dos riscos (por exemplo, risco de incumprimento progressivo na carteira de negociação e introdução de uma exigência à contraparte de fundos próprios para risco de crédito para o financiamento de derivados financeiros, recompras e títulos) a garantir por capital de mais alta qualidade, que é mais oneroso. Além disso, a introdução de um enquadramento harmonizado para a questão da liquidez irá obrigar os bancos a financiar‑se recorrendo a fontes de financiamento mais estáveis numa base estrutural. Por último, foram acordados princípios de sólida compensação, que irão desencorajar riscos excessivos em detrimento da rentabilidade a longo prazo e da gestão de risco prudente. Se tomadas conjuntamente e devidamente postas em prática, estas medidas podem contribuir significativamente para desencorajar as visões de curto prazo e para eliminar as práticas de gestão de risco temerárias que observámos no passado.

28.  Quais considera serem as questões mais urgentes que ficam por completar na legislação aplicável aos serviços financeiros após o plano de acção para os serviços financeiros?

Uma das principais lições a extrair da crise financeira é a de que as estreitas interligações existentes entre os mercados financeiros de todo o mundo levantam problemas que têm de ser resolvidos, de forma adequada, com uma acção concertada. Por conseguinte, como já aconteceu, a agenda legislativa da UE deve dar uma resposta adequada às iniciativas e recomendações avançadas a nível internacional, nomeadamente pelo G20, cuja importância ficou clara durante a crise financeira. Os planos de acção e as recomendações do G20 já deram origem a uma quantidade substancial de trabalho importante sobre as disposições em matéria regulamentar, de supervisão e de estabilidade financeira de organismos internacionais, como o Conselho de Estabilidade Financeira e o Comité de Supervisão Bancária de Basileia, que é de particular importância no contexto da UE.

Quanto às questões mais importantes que devem ser tratadas através de iniciativas regulamentares, podemos distinguir dois grandes grupos de questões:

Em primeiro lugar, as iniciativas regulamentares relacionadas com a melhoria do enquadramento prudencial resultante de iniciativas internacionais.

A conclusão do programa de reformas do Comité de Basileia, e a sua subsequente aplicação na Europa, é crítica para a construção de um sistema bancário mais resiliente, que possa suportar um forte crescimento económico a longo prazo, sem interferir no funcionamento do mercado e na recuperação económica.

Além disso, no contexto das reformas internacionais, gostaria de sublinhar a importância de quatro questões:

a)  A necessidade de alcançar um consenso internacional em relação às soluções para os problemas criados pelas instituições financeiras sistemicamente importantes (IFSI); É necessário chegar a acordo sobre a abordagem regulamentar específica que deve ser adoptada para as IFSI e sobre quais devem ser os procedimentos de supervisão adicionais para assegurar um acompanhamento eficaz das suas actividades e riscos. Uma recente nota do BCE sobre as IFSI, elaborada a título de contributo para o Comité dos Serviços Financeiros, aborda exaustivamente os principais objectivos para a regulação das IFSI, bem como as medidas susceptíveis de ser adoptadas para reduzir o risco de falência de uma IFSI e para avaliar as consequências de uma falência deste tipo: “Há dois objectivos de regulação: (i) aumentar a capacidade das instituições para amortecer os choques e diminuir a contribuição das IFSI para o risco sistémico, com especial referência para o potencial de contágio e de propagação; (ii) atenuar o problema do risco moral e a garantia de co‑responsabilização associada. Com efeito, pode argumentar‑se que as acções destinadas a realizar um objectivo são igualmente fundamentais para a realização do outro;

b) A abordagem dos riscos prudenciais representados pelos centros financeiros offshore e pelas jurisdições não cooperantes. Na União Europeia, os três comités de supervisão de nível 3 realizaram um levantamento complementar, tendo elaborado uma lista consolidada de jurisdições não cooperantes, em que diversos supervisores da UE comunicaram a existência de problemas persistentes. Não obstante, o enquadramento jurídico comunitário deve responder aos riscos prudenciais representados pelas jurisdições não cooperantes, de modo a garantir que todos os Estados‑Membros lidam com esta questão de forma harmonizada e coerente, a fim de evitar a arbitragem regulamentar e de preservar a equidade entre as instituições financeiras. A Directiva “Fundos Próprios”, a Directiva relativa aos mercados de instrumentos financeiros e a Directiva Solvência II devem incluir princípios relativos às actividades em jurisdições não cooperantes, restringindo (ou mesmo proibindo) tais actividades sempre que uma jurisdição não coopere com as autoridades competentes dos Estados‑Membros ou obstrua a partilha de informações sobre subsidiárias offshore para efeitos de supervisão consolidada. Para além das normas de Basileia, IOSCO e IAIS, vale igualmente a pena referir, neste contexto, as recomendações relativas à “Consolidated know-your-customer (KYC) risk management” (Gestão de risco consolidada "conheça‑o‑seu‑cliente"), formuladas pelo Comité de Basileia em 24 de Outubro de 2004, que estabelecem um conjunto exaustivo de recomendações para lidar com jurisdições com legislação rigorosa em matéria de segredo bancário ou de protecção de dados impeditiva ou que possa ser interpretada como impeditiva da transferência de informações pertinentes para efeitos de gestão de risco. Estas recomendações prevêem que, na eventualidade de haver impedimentos insuperáveis à partilha de informações e de não serem encontradas alternativas satisfatórias, o supervisor nacional deve deixar claro ao banco de acolhimento que o banco pode decidir por si ou ser instado pelo supervisor nacional a encerrar a operação em causa. Além disso, é importante assegurar que, dado que a lei restringe a divulgação de informações a “terceiros”, a sede ou o banco‑mãe é excluído da definição de terceiro.

Todos estes princípios, assentes em normas internacionais e em trabalhos que estão a ser desenvolvidos ao nível do CEF e da UE, devem incluir a criação de uma caixa de ferramentas de aplicação prudencial. Esta caixa pode incluir uma abordagem por etapas, que vá da intensificação do diálogo e das negociações com jurisdições problemáticas à intensificação das diligências necessárias por parte das instituições que operam nessas jurisdições e/ou à exigência de mais fundos próprios e/ou à restrição das actividades ou mesmo ao encerramento das operações;

c)  O desenvolvimento de regimes de penalização mais harmonizados a nível comunitário, à luz das recomendações do “Relatório de Larosière” (recomendação 20): “As instituições europeias devem iniciar um processo que conduza a regimes de penalização mais coerentes no mercado único. A supervisão não pode ser eficaz com regimes de penalização fracos e altamente variáveis. É fundamental que, na UE e não só, todos os supervisores disponham de regimes de penalização suficientemente convergentes, rigorosos e dissuasivos. Está longe de ser este o caso actualmente. O mesmo exercício deve ser iniciado em relação aos poderes de supervisão, no intuito de promover uma supervisão coerente e eficaz no mercado único.”;

d) A necessidade de trabalhar mais para promover a normalização dos derivados financeiros e de apoiar a utilização de contrapartes centrais para validar transacções de derivados financeiros, nomeadamente no que respeita a swaps de risco de incumprimento.

Em segundo lugar, iniciativas regulamentares destinadas a melhorar a capacidade do enquadramento institucional da UE para prevenir e gerir futuras crises.

A maior interdependência entre sistemas financeiros nacionais e a necessidade de salvaguardar o processo de integração financeira da UE requerem uma acção adequada, ao nível da UE, para fazer face ao eventual impacto sistémico da falência de instituições financeiras transfronteiriças. Neste contexto, devem ser apoiadas as actuais reflexões da Comissão com vista à adopção de um enquadramento que permita ultrapassar os obstáculos a uma gestão de crise eficaz das instituições financeiras transfronteiriças da UE. Os trabalhos devem ter as seguintes prioridades: (i) o desenvolvimento de uma caixa de ferramentas mínima que permita às autoridades competentes resolver problemas no banco em dificuldades, sem terem, necessariamente, de recorrer ao apoio público, e, quando o considerarem adequado, liquidar o banco sem efeitos negativos para a estabilidade financeira; (ii) a melhoria da coordenação e da cooperação entre autoridades nacionais, em especial quando se trata de grupos transfronteiriços. A curto prazo, os desenvolvimentos legislativos devem incluir a harmonização dos sistemas de garantia de depósitos, prevendo, nomeadamente, financiamento ex ante e baseado no risco, complementado por financiamento ex post credível, a activar quando necessário. Para além da sua função de garantia dos depósitos, deve igualmente ser considerado o papel dos regimes de garantia de depósitos na fase de resolução. O estabelecimento de um enquadramento comunitário mais abrangente para a gestão e a resolução de crises é fundamental para reforçar o mercado único dos serviços financeiros, na medida em que irá limitar os incentivos das autoridades nacionais para delimitar as componentes nacionais de uma instituição financeira em dificuldades. Contudo, este trabalho terá de enfrentar tremendos desafios, como as actuais diferenças nos regimes jurídicos aplicáveis à resolução de crises nos Estados-Membros. Lembro que, em 2 de Dezembro de 2009, o Conselho ECOFIN convidou o Comité Económico e Financeiro a prosseguir os seus trabalhos sobre um enquadramento comunitário de coordenação política para a gestão de crises, incluindo a questão da repartição de encargos, e a apresentar propostas concretas ao Conselho na Primavera de 2010.

Estou certo de que o Eurossistema contribuirá para estes debates, a fim de definir uma abordagem da partilha de encargos que contribua para reduzir o risco moral. É fundamental alcançar um consenso em relação aos objectivos a atingir e estabelecer um roteiro das acções a empreender para os atingir.

29.      Como avalia o actual nível de consolidação nos serviços financeiros na UE e que pensa das perspectivas futuras neste domínio?

De acordo com os mais recentes indicadores estruturais para o sector bancário da UE (dados relativos a 2008), a consolidação do sector bancário é contínua. Contudo, isto significa também que a concentração do mercado está a aumentar, tendo, em geral, os países mais pequenos mercados mais concentrados do que os países maiores. As instituições de crédito nacionais continuavam a dominar a paisagem bancária comunitária, tendo mesmo aumentado a sua quota de mercado, a expensas das sucursais estrangeiras. Subsistiam importantes diferenças entre os países no que respeita à importância de entidades estrangeiras, prevalecendo nos novos Estados-Membros subsidiárias com a instituição‑mãe na área do euro.

As actividades de concentração e aquisição aumentaram em 2009, embora se tenham mantido a níveis baixos comparativamente com os dez anos anteriores. Os negócios internos e transfronteiriços registaram o mais forte aumento. Embora no passado as operações de concentração e aquisição fossem ditadas, essencialmente, por considerações de ordem estratégica, como a realização de economias de escala e o acesso a novos mercado, muitas das transacções realizadas em 2008 e 2009 envolveram entidades que sofreram perdas significativas ou enfrentaram dificuldades de liquidez. Simultaneamente, os esforços para reforçar o capital e as reservas monetárias de determinadas instituições conduziram à autonomização (spin‑off) de determinadas actividades não centrais, quer em termos de negócios, quer de localização geográfica.

Em termos de valor total das transacções de concentração e aquisição, as aquisições diminuíram consideravelmente em 2009, ano em que apenas as transacções nacionais registaram um aumento.

Importa igualmente notar que a participação dos governos nas instituições de crédito constituiu uma mudança significativa na estrutura da propriedade de algumas importantes instituições de crédito da UE. Todavia, devido à limitada duração das medidas de recapitalização governamentais, prevê‑se que esta mudança na estrutura da propriedade seja temporária e que a situação volte ao normal logo que estas instituições, isoladamente, recuperem financeiramente.

No que respeita à avaliação dos padrões de consolidação, há que considerar o seu impacto na eficácia e na solidez dos bancos individuais, na concorrência no sector bancário e, em termos mais gerais, na estabilidade financeira do sector financeiro. Na medida em que contribuíram para aumentar a rentabilidade da banca e para reforçar a sua resistência ao choque, as recentes actividades de consolidação do sector bancário podem ser consideradas positivas.

Na avaliação de futuras perspectivas de consolidação, um aspecto importante a ter em conta é o amplo consenso quanto ao facto de os níveis de endividamento do sector bancário antes da crise serem excessivos. Deste modo, é de esperar que, enquanto se desendivida, a rentabilidade do sistema bancário (em termos de rendimento do capital investido) seja menor do que no passado recente, pelo menos a médio prazo. Neste contexto, é provável que os bancos procurem novas fontes de rentabilidade. A consolidação pode representar, para os bancos que estão a emergir da crise como os mais fortes actores, uma forma atractiva de realizar este objectivo, porquanto as aquisições a preços relativamente acessíveis serão, potencialmente, uma forma de aumentar a sua rentabilidade a longo prazo, graças a economias de escala. Aliás, as tendências de concentração e aquisição deverão manter‑se após a crise. As concentrações também poderão verificar‑se nos próximos anos como medida de recuperação de bancos em dificuldades. Conforme já se referiu, muitas das razões que validam o vaticínio de que iremos ver mais consolidações no futuro próximo justificam igualmente a conclusão de que este processo irá gerar um sistema bancário mais eficaz e mais resiliente. Por outro lado, a concentração do sector pode criar mais instituições “demasiado grandes para falirem”, o que torna mais imperiosa a necessidade de aplicar as medidas destinadas a resolver os problemas que estas instituições criam.

D.       Funcionamento do BCE e responsabilização e transparência democráticas

30.      Não deveriam as diferentes responsabilidades dos membros da Comissão Executiva ir mudando, de acordo com as mudanças registadas nas tarefas e prioridades do BCE?

A Comissão Executiva do BCE é um órgão de decisão colegial; o seu funcionamento baseia‑se no princípio da responsabilidade colectiva, ou seja, toda a Comissão Executiva é colectivamente responsável pelas suas decisões e pelo funcionamento geral das áreas de intervenção do BCE. Embora, por razões de ordem prática, cada área seja tutelada por um membro individual da Comissão Executiva, que supervisiona e orienta os trabalhos nessa área, todas as unidades de trabalho estão colocadas sob a direcção geral da Comissão Executiva no seu conjunto.

Como já aconteceu, a Comissão Executiva pode, de vez em quando, rever os relatórios apresentados a membros da Comissão Executiva por unidades de trabalho e a preparação das suas decisões. Estes ajustamentos ocasionais das responsabilidades individuais dos membros da Comissão Executiva contribuem para reforçar o carácter colegial da Comissão Executiva. Neste contexto, a composição das pastas dos membros da Comissão Executiva pode mudar durante o seu mandato. Qualquer decisão a este respeito é, contudo, da exclusiva responsabilidade da Comissão Executiva.

Atribuo grande valor ao carácter colectivo da Comissão Executiva, pois esta é a melhor forma de garantir que as diferentes perspectivas são consideradas e que toda a proficiência, experiência e sabedoria disponíveis são tidas em conta na tomada de decisões.

31.      Que sistema considera adequado para assegurar uma rotação equitativa dos membros da Comissão Executiva do BCE também em termos de nacionalidades?

Os pré‑requisitos dos membros nomeados para a Comissão Executiva do BCE estão estabelecidos no Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (artigo 283.º, n.º 2) e nos Estatutos do SEBC e do BCE

(Artigo 11.º, n.º 2):

· Os membros da Comissão Executiva “são nomeados (...) de entre personalidades de reconhecida competência e com experiência profissional nos domínios monetário ou bancário.”

· “Só nacionais dos Estados-Membros [área do euro] podem ser membros da Comissão Executiva.”

O Tratado impõe assim dois requisitos: “competência” e “nacionalidade [da área do euro]”. O Tratado não fornece outras especificações determinantes para a composição da Comissão Executiva do BCE.

Nomeações baseadas em considerações diferentes dos requisitos supra podem ser incompatíveis com as disposições do Tratado relativas à independência do BCE. Nas reuniões dos órgãos de decisão do BCE, todos os membros participam a título pessoal. O princípio da independência implica que “o BCE, os bancos centrais nacionais, ou qualquer membro dos respectivos órgãos de decisão não podem solicitar ou receber instruções das instituições ou organismos comunitários, dos Governos dos Estados-Membros ou de qualquer outra entidade” (artigo 130.º do Tratado, artigo 7.º dos Estatutos). Esta disposição do Tratado é incompatível com o princípio da representação nacional.

A decisão final sobre as nomeações para a Comissão Executiva do BCE é tomada pelo Conselho Europeu (votando apenas os membros da área do euro), sob recomendação do Conselho e após consulta do Parlamento Europeu e do BCE. Estou convicto de que os princípios que acabo de referir para a nomeação de membros da Comissão Executiva do BCE são plenamente respeitados.

32.      Considera necessário aumentar a diversidade de percursos representada na Comissão Executiva do BCE, deixando esta de ser composta apenas por governadores de bancos centrais?

Como já referi na minha resposta à pergunta anterior, o Tratado e os Estatutos são claros quanto ao facto de os membros da Comissão Executiva deverem ser “nomeados (...) de entre personalidades de reconhecida competência e com experiência profissional nos domínios monetário ou bancário.”

Não é de estranhar que os governadores dos bancos centrais satisfaçam este requisito. Contudo, esta disposição não exclui, de forma alguma, a possibilidade de serem nomeados candidatos exteriores à comunidade dos bancos centrais. Com efeito, na maior parte dos bancos centrais – e o BCE não é excepção –, os percursos dos membros dos órgãos de decisão são muito diversificados e incluem, por exemplo, experiência na banca, no meio académico e na administração pública.

Como puderam ver no meu próprio curriculum, isto também se me aplica. Do meu ponto de vista, a diversidade de percursos dos membros de um órgão de decisão colegial é uma mais‑valia para a governação da instituição.

33.      Pode dar‑nos a sua perspectiva sobre o conceito de responsabilização democrática no que respeita ao BCE e aos bancos centrais em geral?

Para manter a legitimidade, um banco central independente deve ser responsável, perante as instituições democráticas e o público em geral, pelas acções que desenvolve no cumprimento do seu mandato. Com o crescente reconhecimento, especialmente nas últimas décadas, de que a independência é crucial para que um banco central cumpra o seu mandato, a natureza da responsabilização democrática também se tornou importante. Neste contexto, a responsabilização dos bancos centrais de todo o mundo assumiu diversas formas.

Na União Europeia, o BCE tem um mandato claro, que cumpre de forma independente, conforme previsto no Tratado. Mas o Tratado também prevê que este elevado grau de independência vá de par com uma responsabilização democrática perante o público europeu e os seus representantes directamente eleitos, a saber, o Parlamento Europeu. Assim, foi prevista uma série de formas bem definidas para responsabilizar o BCE, nomeadamente a presença regular do Presidente do BCE na Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários (ECON), bem como a presença do Vice‑Presidente do BCE e de outros membros da Comissão Executiva do BCE. Importa salientar que as recentes audições representam uma forma de cooperação entre o BCE e o Parlamento Europeu mais estreita do que a prevista no Tratado e que esta prática instituída constitui, na minha opinião, um elemento muito positivo e igualmente bem acolhido pelo Parlamento Europeu. A responsabilização do BCE acarreta igualmente obrigações precisas em matéria de apresentação de relatórios (artigo 15.º dos Estatutos do BCE). Para além do relatório anual apresentado ao Parlamento (e ao Conselho, à Comissão e ao Conselho Europeu), o BCE tem de publicar relatórios trimestrais sobre as actividades do Eurossistema. O BCE decidiu ir além dos requisitos do Tratado e divulgar informações com maior frequência, através do seu boletim mensal. Por último, para além da informação semanal sobre a situação financeira consolidada, o BCE assegura uma série de outras publicações relacionadas com as suas tarefas, incluindo o seu relatório semestral sobre a estabilidade financeira e o seu relatório anual sobre a integração financeira.

34.      Como avalia o procedimento utilizado para substituir membros da Comissão Executiva do BCE? Não deveriam a responsabilização e a transparência democráticas implicar que o Parlamento Europeu tivesse, no mínimo, a oportunidade de ouvir diversos potenciais candidatos e emitir o seu parecer antes de o Conselho tomar uma decisão final sobre a nomeação?

O processo de selecção de membros para a Comissão Executiva do BCE é definido no artigo 283.º do Tratado e no artigo 11.º dos Estatutos do SEBC e do BCE. Foi acordado por todos os signatários na mais recente revisão do Tratado e constitui legislação comunitária em vigor. Na qualidade de candidato a membro da Comissão Executiva do BCE, estou sujeito a esse processo, pelo que não considero oportuno tecer comentários sobre o mesmo.

35.      Que conclusões extrai da comparação entre as políticas de transparência seguidas pelo Federal Reserve Bank (Banco de Reserva Federal) e pelo BCE? Que alternativa prefere: a publicação das actas duas semanas após a tomada de decisões sobre política monetária, como acontece com o Fed e o Banco de Inglaterra, ou a conferência de imprensa imediatamente após a tomada de decisões sobre política monetária e a imediata publicação na Internet das razões subjacentes às decisões, que é a prática do BCE?

Comparar abordagens diferentes é um exercício complexo. Uma das razões reside no facto de os bancos centrais poderem ter necessidades diferentes, devido às suas histórias e culturas respectivas, aos seus objectivos políticos e a outros elementos dos seus enquadramentos institucionais. Uma conclusão sólida da investigação disponível é a de que, presentemente, os bancos centrais tomam as decisões de política monetária de uma forma muito mais clara e muito mais transparente do que em décadas anteriores. Deste modo, a eficácia da política monetária melhorou à escala mundial.

Há diversas formas de ser transparente. Pelas razões que passo a expor, estou persuadido de que a abordagem do BCE é uma das mais avançadas do mundo. Em primeiro lugar, é muito transparente no que respeita à relação entre a sua estratégia de política monetária e as razões para a sua acção. Em segundo lugar, a conferência de imprensa e a declaração introdutória são ferramentas úteis para divulgar informações importantes junto de um público heterogéneo. Fornecem às partes interessadas (por exemplo, o público em geral, a comunicação social, os observadores do mercado financeiro) um vasto conjunto de informações pertinentes sobre as decisões do BCE em matéria de política monetária. Visam explicar a posição colectiva do Conselho do BCE sobre a política monetária. Em terceiro lugar, a declaração de abertura e as perguntas e respostas da conferência de imprensa são publicadas em tempo real. Ora, isto não seria possível com a publicação de actas. Globalmente, considero a prática do BCE exigente para todos os membros do Conselho. Penso ainda que a abordagem do BCE é agora perfeitamente compreendida, do mesmo modo que a publicação de actas por outros bancos centrais faz para eles todo o sentido.

36.      Qual é a sua opinião sobre o diálogo monetário trimestral entre o Parlamento Europeu e o Presidente do BCE? Pensa que este diálogo monetário pode ser melhorado? Considera que as discussões frequentes das políticas do BCE com outros actores políticos prejudicam a independência do Banco?

O diálogo regular com o Parlamento Europeu faz parte da responsabilização democrática do Banco Central Europeu perante os cidadãos europeus e os seus representantes democraticamente eleitos. Neste contexto, as reuniões trimestrais entre o Presidente do BCE e a Comissão dos Assuntos Económicos e Monetários representam um contributo muito importante para a aceitação pública da política monetária do BCE. A par de outras reuniões, também com outros membros da Comissão Executiva, esta interacção contribui para uma profunda e produtiva troca de pontos de vista. Além disso, constitui um excelente fórum para o BCE explicar a sua política monetária e colher reacções. O mesmo se aplica ao Plenário do PE, onde, nomeadamente, o Presidente do BCE apresenta o relatório anual do Banco. A qualidade do diálogo entre o BCE e o PE é muito elevada, facto que já foi reconhecido por ambas as instituições em diversas ocasiões.

Considero que o intercâmbio regular de informações com outros actores políticos um elemento muito importante do nosso enquadramento político na UEM. Neste contexto, o BCE interage regularmente com uma série de instituições europeias. Por exemplo, o BCE é convidado para as reuniões do Eurogrupo e para o Conselho ECOFIN. Participa regularmente nas reuniões do diálogo macroeconómico. Existe igualmente interacção a nível técnico com a Comissão e com os governos nacionais, por exemplo, no Comité Económico e Financeiro e no Comité de Política Económica da UE. Todas estas trocas de pontos de vista decorrem em conformidade com as disposições do Tratado, assegurando e respeitando sistematicamente a plena independência do BCE, sem deixar de apoiar o bom funcionamento da UEM. Aliás, são necessárias e desejáveis justamente porque reconhecem a independência do BCE.

37.      Deveria o BCE ser sujeito a um exame aprofundado por parte do Tribunal de Contas Europeu que fosse além do conceito de “eficácia operacional” (artigo 27.º, n.º 2, dos Estatutos do SEBC e do BCE?

A governação institucional do BCE é objecto de enquadramento por controlos externos e internos, dos quais a maior parte dos elementos tem um carácter obrigatório. A análise da eficácia operacional da gestão do BCE pelo Tribunal de Contas é um elemento importante deste enquadramento de controlo. Este enquadramento é completado pela obrigação de apresentar relatórios regulares ao Parlamento Europeu e ao público em geral, bem como pelo controlo judiciário exercido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia. Todos estes elementos foram previstos tendo em conta a garantia de independência do banco central. A independência do BCE é igualmente extensiva aos seus recursos financeiros.

Resulta desta situação que não é necessário que o controlo do Tribunal de Contas vá além do conceito de eficácia operacional.

E.        Questões de carácter geral

38.      Quais considera serem os riscos e desafios mais importantes que o BCE é chamado a enfrentar?

Relativamente aos riscos e desafios que se colocam ao BCE, vou limitar‑me a referir três:

A aplicação da nossa estratégia de saída constitui um desafio sem precedentes, sendo necessário assegurar que as medidas não normalizadas do BCE são retiradas de forma gradual. Contudo, a incerteza prevalecente no mercado significa que continua a ser difícil determinar o ritmo e o nível de retirada mais adequados. Penso que as medidas de estratégia de saída até agora tomadas pelo BCE foram perfeitamente adequadas e justificadas pela avaliação das condições do mercado económico e financeiro. É preciso avançar com muita cautela, posto que os erros podem ter um custo muito elevado, como a história da recuperação de crises económicas e do sector bancário graves já demonstrou.

Outro desafio que eu gostaria de sublinhar é a criação e a entrada em funcionamento do CERS, ao qual o BCE irá prestar apoio. Intelectualmente, esta tarefa constitui um desafio, na medida em que será necessário desenvolver novos instrumentos para avaliar o risco macroprudencial, embora seja possível utilizar instrumentos existentes para este efeito. Acresce que, dadas as sobreposições entre o Conselho Geral e o Conselho do BCE e o novo Conselho Geral do CERS, no que respeita à composição destes órgãos, é necessário assegurar uma comunicação adequada e consistente. Nomeadamente, importa sublinhar que o objectivo de estabilidade dos preços não é de forma alguma comprometido pelo apoio que o BCE possa prestar a outros objectivos, incluindo o da estabilidade financeira. Por último, existem, por exemplo, questões organizacionais, como a da integração da função de apoio à CERS na actual estrutura organizacional do BCE.

Por último, deixem‑me referir o desafio decorrente das pressões geradas pelos desequilíbrios existentes em diversos Estados-Membros. Este é um problema que diz respeito aos próprios países e a todas as instituições europeias com responsabilidades na gestão da união monetária, mas que implica que o BCE desempenhe um papel activo. Conforme já referi, há apenas uma política monetária para toda a área do euro, mas o BCE tem a missão de contribuir para a análise da concorrência e das divergências nesta área, ajudando os países a definir e executar as políticas adequadas. A qualidade de membro da União Europeia traz vantagens, mas também obrigações, para os países em causa. Para os países da área do euro, esta afirmação é ainda mais verdadeira. Estas responsabilidades devem ser respeitadas por todos, para que se possa tirar o máximo partido da união económica e monetária na Europa. As acções políticas devem responder aos requisitos da Europa. Com isto, não me refiro apenas ao requisito de respeitar as regras orçamentais do Pacto de Estabilidade e Crescimento, mas também de adoptar políticas estruturais que tornem a Europa mais produtiva e, logo, mais flexível. Do mesmo modo, os agentes privados devem observar um comportamento equilibrado em relação aos seus custos e à fixação de salários. A ausência de progressos e de convergência suficientes nestes domínios não só me preocupa enquanto entusiástico apoiante da Europa como, ao afectar o ambiente em que o BCE opera, me preocupa enquanto responsável pela política monetária.

  • [1]  Para informações mais pormenorizadas, ver: "General Documentation on Eurosytem monetary policy instruments and procedures", BCE, 2009.
  • [2]  É de referir que o Presidente do BCE, juntamente com o Presidente do Eurogrupo e o Comissário da UE responsável pelos assuntos económicos e monetários, visitaram os seus homólogos chineses em Novembro de 2007 e em Novembro de 2009, a fim de debaterem questões de interesse comum.

RESULTADO DA VOTAÇÃO FINAL EM COMISSÃO

Data de aprovação

23.3.2010

 

 

 

Resultado da votação final

+:

–:

0:

37

3

1

Deputados presentes no momento da votação final

Burkhard Balz, Godfrey Bloom, Sharon Bowles, Udo Bullmann, Pascal Canfin, Nikolaos Chountis, George Sabin Cutaş, Rachida Dati, Leonardo Domenici, Diogo Feio, Markus Ferber, Elisa Ferreira, Vicky Ford, José Manuel García-Margallo y Marfil, Jean-Paul Gauzès, Sven Giegold, Sylvie Goulard, Enikő Győri, Liem Hoang Ngoc, Gunnar Hökmark, Othmar Karas, Wolf Klinz, Jürgen Klute, Rodi Kratsa-Tsagaropoulou, Astrid Lulling, Hans-Peter Martin, Arlene McCarthy, Ivari Padar, Antolín Sánchez Presedo, Olle Schmidt, Edward Scicluna, Peter Simon, Ivo Strejček, Kay Swinburne, Marianne Thyssen, Ramon Tremosa i Balcells, Corien Wortmann-Kool

Suplente(s) presente(s) no momento da votação final

Sophie Auconie, Pervenche Berès, Herbert Dorfmann, Sari Essayah, Robert Goebbels, Jan Kozłowski, Philippe Lamberts